Sherlock colocou os pés sobre o carpete escuro. Seus olhos passearam pelo apartamento mal iluminado no qual ele morava só. Havia acabado de chegar de uma longa jornada através de Londres, jornada esta na companhia de três senhores que juntos somavam 205 anos de idade. Tal jornada havia devorado o que lhe sobrara de energia vital e mental. Ao menos muito se esclarecera. Não tudo. Mas o suficiente, para que o bom detetive saísse do poço negro e profundo da confusão e passasse a compreender melhor uma mente perturbada e incrivelmente mutável. A mente de um assassino.

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—Volte para casa, Sherlock. — dissera Graham, enquanto Hombach e Godel atacavam um vendedor de cachorro-quente. — Organize a casa.

As palavras de Abner Graham tiveram mais significado que qualquer um poderia entender. Para uma pessoa comum, não significavam nada. Para alguém como Sherlock Holmes, significavam tudo.

Ele se sentou em sua poltrona, deixando os antebraços caírem sobre os braços almofadados e revestidos em couro. Observou aquele móvel tão útil para ele, chegou à conclusão de que poltronas nada mais eram do que cadeiras mais rechonchudas e pôs-se a recordar as informações que possuía sobre cadeiras.

“De maneira histórica, a data de criação da cadeira pode datar tempos primordiais, onde o hominídeo utilizava-se de cadeiras simples feitas em pedra. Durante o período da Idade Média, as cadeiras passaram a ser artigos de luxo da nobreza e possuíam armações e construções diversas.

Existem diversos tipos de cadeiras com funções e estilos variados, como a cadeira elétrica. A cadeira elétrica mata por meio da eletrocussão. O condenado é imobilizado nela e sofre uma série de tensões elétricas. Sua estrutura é feita de madeira. O chão em torno do assento é revestido de borracha para que as cargas não se espalhem de forma difusa. O equipamento foi criado por uma comissão estadual de Nova York encarregada de encontrar um método mais humano de execução do que o enforcamento.”

Sherlock levou as mãos à frente do rosto, pensativo. John Watson já reclamara que qualquer informação útil vinda dele, Sherlock Holmes, começava bem, continuava aceitável, mas no final acabava se tratando de algo mórbido como o tempo de decomposição do fígado ou o processo egípcio de extração de cérebros através do nariz. Sherlock olhou para o teto. Talvez John tivesse razão.

Sherlock voltou a observar sua poltrona. Levantou uma sobrancelha. De qualquer forma a cadeira elétrica era um excelente método de execução. 100% de aproveitamento. Excelente de fato. Após pensar nestas coisas, ele decidiu pensar no que realmente importava.

Sherlock levantou-se da poltrona. Trancou a porta. Abriu as janelas. Queria luz, mas não companhia. Arrancou novamente a campainha do teto, enfiando-a no meio do gelo do congelador, deixando-a na companhia de um bipe, um GPS preto e carnes de procedência duvidosa. Fechou-o, olhando ao redor. Estudava sua moradia. Começou a arrastar os móveis para os cantos da sala, formando quase uma barricada de madeira e travesseiros com um círculo vazio no meio. Trocou de roupa, colocando seu roupão azul, e sentou-se no círculo, cruzando as pernas. Sabia que seria uma visão curiosa para quem chegasse naquele momento, mas ninguém chegaria. Precisava do máximo de concentração, e do mínimo de distrações. Por este motivo enfiara o celular no fundo do guarda-roupa.

Ele tinha de se concentrar. Tinha de organizar a casa.

Ele olhou ao redor novamente, observando cada pequeno detalhe da bagunça que fizera. Sua mente se esvaziava aos poucos, até que os móveis não eram mais vistos, e sim um quadro negro imenso e vazio.

Silêncio.

“Consegue resolver o problema?” disse o Prof. Abner Graham, braços cruzados, olhar inquiridor.

Sherlock abriu os olhos, vendo-se numa sala de aula enorme e imponente, repleta de cadeiras vazias distribuídas por arquibancadas que faziam o formato de um “C” ao redor do tablado central, onde encontrava-se o quadro, o Prof. Graham e Sherlock.

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“Consegue resolver o problema?”

“Qual problema?”

O Prof. Graham abriu um livro que antes não estava em suas mãos. Ajeitou seus óculos na ponta de seu nariz e começou a ler.

“Oito assassinatos canônicos, cinco assassinatos conseqüenciais. Os conseqüenciais são exponencialmente mais violentos que os canônicos. O assassino enforca suas vítimas canônicas e depois de mortas ele as degola, desovando seus corpos em locais de escolha aleatória. No caso dos conseqüenciais ele não possui um método único, mas mata suas vítimas de formas que envolvem mutilação, quebra de ossos e exposição em locais públicos.”

“Serial killer.” diz Sherlock. “Perfeccionista. Isso explica o método repetitivo para com as vítimas canônicas e a indecisão quanto ao método usado no caso das conseqüenciais. Não lida bem com surpresas e com acontecimentos que não estejam em seus planos. Quanto à desova, ele não se importa com o local. Para ele Londres é uma única cena de crime que ele pode usar como quer. Não sente remorso, não tem medo nem mesmo de atacar agentes da lei e sente prazer em ver suas vítimas sofrendo. Psicopata.”

As palavras “serial killer”, “perfeccionista” e “psicopata” surgem escritas no quadro negro. Neste momento Sherlock nota que há um giz em sua mão.

“Excelente.” diz Graham. “Mas disso já sabíamos desde o início.”

“Há mais.” retruca Sherlock. “Deixou uma assinatura em certos lugares por onde passou e em uma das cenas de crime. Um ‘J’ e um ‘R’. Significado desconhecido. Também sabe induzir pessoas a fazer o que ele quer através de sugestão eou ameaça. É controlador, mantém todos sob estrita vigilância.”

“Preciso de provas.”

“Os mendigos no cemitério Brompton. Dispostos a perder a vida. Postos debaixo de uma ameaça que os fez se tornarem absolutamente submissos. Sabiam que perderiam a vida de qualquer forma, e isso os tornou bem mais úteis. Um restou vivo, e seu comportamento indicou que ainda estava disposto a obedecer ao assassino e que não se arrependia pelo que tinha acontecido.”

“Convincente a um grau altíssimo.” murmurou Graham. “Mais alguém para confirmar sua declaração?”

“Lacey Epson.” Sherlock escreve o nome no quadro. “A garçonete do The Corner.”

Flashes passam ante os olhos de Sherlock. Uma rua vazia e suja com restos de festas noturnas, copos e confetes. O céu era escuro, mais escuro do que o normal. Uma placa no alto da parede, acima de uma porta larga agora aberta.

“O corpo de hoje foi encontrado detrás deste bar.”

Mesas vazias, porém limpas. Chão varrido. Uma mulher chorava num dos bancos perto do balcão, e um homem de meia idade a consolava. Era um homem de hábitos estranhos, não traía a esposa, mas adorava acessar sites de conteúdo questionável, e a moça era uma anglicana devota por que sentia atração pelo padre de sua paróquia. Logo os flashes passam para um corredor mal iluminado, daí para uma porta que se abre, dando para os fundos do bar, onde latas e sacos de lixo se apinhavam colados à parede. Havia policiais parados, conversando entre si, alguns debatendo a possibilidade de o Chelsea vencer o Machester United num jogo justo. Entre os sacos de lixo e os policiais, um saco jazia aberto, nele havia um corpo ensanguentado... Sem cabeça.

“Harry Temple, cozinheiro do Café Jabez’ s, foi esfaqueado com uma faca de cozinheiro e depois decapitado. Seu corpo recebeu muitas pancadas post-mortem e depois sua cabeça e seu corpo foram colocados em sacos pretos, separadamente. Visitamos o local por volta do meio dia, e após um breve estudo da cena ficou claro que outra pessoa, não o assassino, havia desovado o corpo.”

Os flashes retornam. Dois senhores idosos estavam ao redor do corpo decapitado, murmurando entre si, enquanto o outro parecia extremamente interessado em abrir outro saco.

—Senhor... — disse um dos policiais. — Não pode mexer na cena do crime sem luvas.

—Então me dê as malditas luvas! — disse o senhor, pegando as luvas do policial, colocando-as e pegando um dos sacos, levando-o para perto dos outros dois senhores. —Vejam o que achei!

—Olhe! — disse um dos senhores. — Um saco de lixo no lixão! Inusitado!

—Mas dentro dele não tem lixo! — com um movimento rápido, ele rasgou o saco, e uma cabeça saiu quicando pelo chão, salpicando o cimento de sangue e algo mais que poderia ser um pouco de cérebro. Os policiais se afastaram com exclamações de espanto e asco. Um deles quis vomitar. O senhor começou a dar risada.

“Eu encontrei a cabeça!” disse Godel, surgindo ao lado do quadro, sorridente. Ele pôs-se ao lado de Graham. “Toda a panela tem sua tampa, logo todo corpo tem sua cabeça. Se não estivesse no meio dos sacos de lixo estaria com o assassino, mas ele não pega suvenires de suas vítimas, por isso era certo de que a cabeça estava naquele beco.”

“E você fez questão de derrubá-la no pé do inspetor Lestrade.” Hombach surgiu ao lado de Godel. “Você nunca foi lá muito sutil.”

Sherlock sorriu para os dois senhores, voltando-se em seguida para o quadro. Hombach e Godel desapareceram.

“Não demorou a percebermos que era a própria Lacey quem havia colocado o corpo ali e tentou proteger de todas as formas possíveis qualquer informação sobre o assassino. No interrogatório que se seguiu descobrimos que ele a aliciou antes mesmo de matar Margareth Plummer, e que provavelmente ela teve envolvimento na procura e escolha de vítimas, realizada sempre naquele bar, como depois ela confessou na sede da Scotland. Não admite que ele seja uma pessoa ruim, e insiste em acreditar que ele a ama. Está completamente cega.”

“Não vou contar nada.” ela estava parada diante de Sherlock, o olhar distante, como se fosse um efeito 3D de computador. “Ele finalmente confiou em mim para ajudá-lo, não vou trair essa confiança.”

Graham aproximou-se de Lacey, observando-a atentamente.

“Hipnose?”

“Dificilmente.” respondeu Sherlock.

“Houve um relacionamento físico envolvido?”

“Não. Foi algo absolutamente emocional. Uma pessoa sempre rejeitada, com histórico de abuso infantil e automutilação, a vítima perfeita. Ele lhe deu amor e atenção, ele a entendia... Ele conseguiu a lealdade absoluta dela.”

“Pode fazê-la confessar o que queremos?”

“Apenas se Lestrade me permitir conversar com ela a sós, o que ele parece desinclinado a fazer. De qualquer forma o bloqueio na mente dela é muito difícil de lograr, ele não precisou ameaçá-la, sabe que ela será leal a ele.” Sherlock se vira na direção das cadeiras. “O corpo nos dá uma conexão inesperada. O Café Jabez’ s era o local de trabalho de Violet Hunter.” Sherlock sentiu algo dentro de si saltar ao citar aquele nome, no entanto, ignorou a sensação e prosseguiu. “Harry Temple de alguma forma descobriu quem era o assassino, ou já sabia quem era e não suportou continuar calado, os dois se enfrentaram e Temple foi esfaqueado. Fizemos uma busca em todo o café, o encontro entre os dois ocorreu após o expediente, entre 3 e 4 da madrugada. A conversa começou pacificamente, estendeu-se até a cozinha, onde as coisas saíram do controle, houve uma luta, daí o assassino conseguiu empurrar o cozinheiro até a geladeira de carnes, onde o esfaqueou com uma faca que pegou lá mesmo, assim o sangue de Temple se misturaria ao sangue das outras carnes. Lacey foi chamada, ajudou a carregar o corpo, levou-o sozinha para o The Corner e jogou o corpo no meio do lixo.”

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“Como chegou à conclusão de que foi Lacey quem levou o corpo?”

“As marcas no chão detrás do bar. Ela não suportaria erguer por completo um homem na faixa de quarenta anos, há marcas de arrasto no cimento, indicando dificuldade em carregar algo pesado. O saco onde o corpo decapitado estava também apresentava rasgos, exatamente no lado em contato com o chão. Ela estava presente enquanto estudávamos os fundos do bar, e apresentou trejeitos típicos de nervosismo e vergonha, e quando pressionada deixou ainda mais claro seu envolvimento, daí começou a chorar, tentou fugir e confessou.”

“Quem são os suspeitos?”

Sherlock respirou fundo, sentindo-se eufórico com suas descobertas.

“Baseado no perfil estabelecido e na certeza de que o assassino é um homem, como testemunhado por Violet Hunter, posso estabelecer conexões simples e afunilar os possíveis suspeitos. Primeira conexão: Margareth Plummer. Segunda conexão: Lacey Epson. Terceira conexão...”

Sherlock gaguejou. Vira um vulto ao seu lado. Quisera ignorá-lo, mas quando seus olhos se voltaram para ele, lá estava Violet, parada em frente a ele, em silêncio.

“Terceira conexão...” Sherlock respirou fundo, tentando prosseguir com sua explicação. Não conseguia se concentrar tendo-a encarando-o. Deu as costas para ela, soltando um longo suspiro. Ele virou-se para Violet, disposto a mandá-la ir embora de sua cabeça, mas quando fixou os olhos naquela figura, ela não estava mais lá.

“Eu te avisei.” Mycroft estava sentado numa das cadeiras da arquibancada mais alta. Jazia sentado com as mãos sobre os braços da cadeira. O ar que ele emanava era quase de um monarca. “Você está perdendo o foco,” continuou. “está perdendo sua frieza, logo perderá a sanidade, e a cada minuto que passa neste caso, você perde a si mesmo.”

“Não estou perdendo nada.” respondeu Sherlock. “Estou quase solucionando o caso.”

“Você está distraído.”

“Não, não estou.”

“Você se enganou quanto ao problema mental do assassino.”

“Isso pode acontecer às vezes.”

“Nunca aconteceu com você.”

“Há sempre a primeira vez.”

“Assim como o enfarto fulminante.”

Sherlock lhe dá as costas, voltando-se para o quadro.

“Isso é ridículo...”

“A culpa é dela.”

“Saia da minha cabeça.” Sherlock rosnou.

“Você devia parar de pensar no seu irmão e na sua namorada e começar a pensar no que é realmente útil para o seu caso.”

A voz era conhecida, apesar de não ter sido ouvida muitas vezes. Na verdade, fora ouvida apenas uma vez. Em uma única ocasião. Benjamin Knight, sentado em outra cadeira, mais abaixo de Mycroft, que desaparecera. Sherlock o encarou, imaginando o porquê de sua presença ali.

“Prossiga com sua explicação.” disse Graham.

“Terceira conexão: Café Jabez’ s e o The Corner.” Sherlock falava sem tirar os olhos de Knight, que sorria estupidamente. “Quarta conexão: Todas as outras mulheres mortas canonicamente. De acordo com o depoimento de Lacey Epson, todas as mulheres foram escolhidas no The Corner, elas o freqüentavam costumeiramente e o assassino as conheceu ali. Poderia ser alguém que trabalha no The Corner, assim não teria problemas em se movimentar e começar uma conversa com a cliente na qual estivesse interessado... Thomas Fries, o barman.” Sherlock aponta para uma das cadeiras, onde o barman se sentou. Ante os olhos do detetive passam flashes de memórias em que Fries estava envolvido. O modo de ele servir a bebida, a distribuição perfeita dos copos no balcão, o desconforto com a presença de Lacey, a falta de tatuagens, as constantes pausas para pensar antes de dizer algo. “É o emprego perfeito. Pode embebedar uma mulher sem parecer suspeito, inclusive seduzi-la, sem que ninguém ache estranho. Uma observação mais atenta indica uma personalidade metódica e limpa, porém com inclinação para esconder a verdadeira motivação ao dizer ou fazer algo. E ele não se sentiu à vontade com Lacey, quando eu e John fomos ao The Corner, o que poderia indicar que ele não a queria ali conversando comigo e talvez dizendo algo que o entregaria. Os assassinatos ocorrem apenas em horários em que o bar já está fechado, assim ele poderia muito bem conhecer as mulheres, sair com elas após o fechamento do bar e então matá-las.”

“Próximo suspeito.”

“Jet Williams.” Williams se senta em outra cadeira. “Outro barman. Porém sua ligação é diferente, ele poderia conhecer as mulheres em seus três dias de folga que lhe são dadas na semana, e então matá-las. Já recebi informações de que ele freqüentava o The Corner. Mas o que me faz crer que ele é suspeito é a cena de luta no café, não havia entrada forçada, o assassino entrou com o consentimento da vítima. E outro ponto forte contra ele é a geladeira de carnes, o cadeado que a tranca é aberto por uma combinação de quatro dígitos, combinação conhecida apenas pelos funcionários diretamente envolvidos no preparo das carnes, e o cadeado não foi quebrado ou forçado de qualquer maneira. Como o outro cozinheiro é uma mulher, e Kellan Ottis, o faz tudo, é um completo idiota viciado em pornografia e cosplay, minha aposta recai sobre o barman, alguém poderia muito bem ter lhe dito a combinação e ele a decorou. Harry Temple não era um gênio, um olhar mais próximo indica que ele era um homem comum, casado, poucos amigos além dos colegas do café, sem conhecimentos avançados que não fossem sobre culinária. Se descobriu quem era o assassino, descobriu por acaso. E levando-se em conta que ele teve uma conversa tranqüila com o assassino às 3 da madrugada indica que já era costume eles estarem juntos neste horário.”

“Próximo suspeito.”

“Nathan Ward.” Sherlock cerrou os olhos, observando Ward sentar-se em sua cadeira. Este sorria desdenhosamente, como quando eles se encontraram naquele escritório gigante. “Foi o primeiro de quem suspeitei, e permanece assim. Seu estilo de vida o conecta ao café e ao bar, assim como também ao perfil das mulheres assassinadas. É certo de que tinha um relacionamento com Margareth Plummer, mas ainda não há confirmação com respeito às outras vítimas. Seu comportamento é suspeito, inclusive sua reação ao atender uma ligação proveniente do celular de Margareth. Ele sabia que ela não poderia ligar para ninguém.”

“Interessante. Algo mais?”

Sherlock olhou para Knight, que ainda estava sentado em sua cadeira, curvado para frente, olhando ora para um suspeito, ora para outro. Parecia uma criança pensando em algo cruel para fazer. Sherlock cerrou os olhos.

“O sinal... J. R.” Sherlock permitiu que sua mente puxasse memórias mais antigas. “Ele deixou esse sinal em três lugares: nos registros hospitalares de Violet Hunter e na cena do assassinato de Leslie Whysley. Há algo especial nisso...” ele fechou os olhos pensativo. Concentrava-se ao máximo que podia. De repente, seus olhos se abriram. “Como o assassino sabia...”

“Sobre mim?” Benjamin surgiu sobre o tablado, ao lado de Sherlock. Tinha as mãos juntas nas costas e os olhos de duas cores brilhavam. “Isso é algo deveras curioso. Não tenho ligação com nenhuma de suas pistas. Conheci Leslie Whysley, mas ela conhecia tanta gente que não prestava que ficaria difícil ele ter me escolhido por mero acaso.”

Sherlock balançou a cabeça.

“Ele não te escolheu por mero acaso.”

“Não.” disse Knight, caminhando lentamente ao redor de Sherlock. “Ele sabia do meu histórico, sabia quem eu era, e aproveitou-se disso para me incriminar de forma perfeita. Mas por que eu? E por que a pressa em se livrar de mim? Leslie havia sido morta no dia anterior. Eu não conhecia as outras mulheres. Por que ele quis me tirar do jogo tão rápido?”

“Você deveria ser empecilho para alguma coisa...”

“Por que você desejaria retirar alguém de circulação?”

“Eu não seria capaz...”

“Mentira.” Knight olhou-o de modo duro.

“Raiva... Apreensão... Ameaça... Mas ele te mataria, é o que ele faz, ele mata.”

“Então por que ele não me matou?”

“O sinal. Ele deixa as iniciais J. R. em lugares relacionados a quem ele permite viver. Violet Hunter e você.”

“Ele não matou Violet por que quer entreter-se com a pobre moça.” disse Knight colocando as mãos no bolso. “Está destruindo a donzela em doses homeopáticas. Vai matá-la, mas assim como as orcas, por que não divertir-se antes de matar?”

“Ele não vai matá-la.”

“Diga isso depois que achá-la decapitada num beco.” Sherlock agarrou Knight pelo colarinho, praticamente levantando-o do chão. “Opa, amigo, relaxe! Eu estou apenas seguindo a probabilidade! Pense um pouco, por que ele quis me prender, por que não me matar ou apenas brincar comigo como está fazendo com a doce donzela?”

Sherlock soltou-o, caminhando pelo tablado.

“Talvez ele não quisesse... Talvez ele não pudesse... A explicação mais provável é que tinha medo de você...”

“Medo de mim?”

“Se ele não te temesse teria te matado.”

Não havia mais ninguém na sala de aula. Nem mesmo Graham. Apenas Sherlock e Knight, parados frente a frente. Benjamin Knight sorriu de modo largo.

“Pense nisso, Sherlock. Por que o assassino tinha medo de mim?”

“Por quê?”

Knight levantou as mãos e os ombros.

“Não posso responder, amigo. Sou só uma projeção de sua mente. Mas se quiser me perguntar pessoalmente, sabe onde estou.”

***

Violet cumprimentou a policial que estava de guarda na varanda de sua casa. Era uma mulher forte, dona de uma bela pele negra e brancos dentes, além de uma expressão dura por natureza. Tinha um lápis e uma revista de palavras cruzadas nas mãos. Usava uma roupa formal, mas estava armada.

—Não se preocupe com minha presença. — disse a policial. — Continue com sua rotina.

—Certo. — Violet ia abrir a porta para entrar em sua casa, mas voltou-se para a policial. — Onde você vai dormir?

A policial sorriu.

—Posso dormir na viatura.

—Eu posso ceder meu sofá se quiser. Não tenho outra cama.

—É muito gentil, Srta. Hunter.

—Apenas bata na porta quando quiser entrar. — Violet cruzou os braços, sem saber o que dizer em seguida. — Bem... Tchau. Ah, qual o seu nome?

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—Anthea Butler. — respondeu a policial.

—Muito prazer. — Violet entrou, fechando a porta, vendo pela fresta da janela que a policial Butler voltara a resolver palavras cruzadas, assim como estava antes dela chegar. Tirou seu casaco e seu cachecol, olhando ao redor. Olhou seu casaco. O casaco era velho, estava no fundo de seu guarda-roupa havia séculos, mas como o de uso comum estava naquele momento flutuando em algum ponto do Tâmisa, tinha de ser aquele mesmo. Ela tomou um banho rápido, vestiu-se colocou uma blusa de lã que parecia pertencer a um gigante, prendeu o cabelo num coque bagunçado, sentou-se em sua mesa de escritório, que ficava na pequena sala ao lado da pequena cozinha, e pôs-se a pensar. Estava exausta, mas queria fazer o que a Dra. Thompson lhe mandar ainda naquele dia. Eram quase 6 da tarde.

Ela pegou um pequeno caderno velho, porém jamais usado, abriu-o, pegou um estojo cheio de lápis de cor, respirando fundo.

—Vamos lá, Violet. — murmurou.

Começou a desenhar. Primeiro, ela mesma. Era necessário que ela se reconhecesse em fotos ou ao menos em frente ao espelho. Desenhou-se com todos os detalhes de que se lembrava, e apesar de não conseguir discernir que aquele desenho era mesmo ela, o resultado ficou no mínimo aceitável. Pegou um pedaço grande de papelão, recortando-o do tamanho da folha em que desenhara a si mesma, colando ambos e fazendo assim um cartão.

A Dra. Thompson disse para fazer uma lista, mas não dissera que esta lista tinha de ser escrita.

Ela desenhou mais. Fez rascunhos coloridos de Lestrade, Dimmock, Mary, John, policial Butler, Jabez Wilson, Jet Williams, Quentin. Ela observou o desenho que fizera de Quentin Fowler. Não que quisesse ter um cartão dele. Mas gostaria de, caso o encontrasse novamente, pudesse reconhecê-lo e pedir-lhe desculpas... Por tudo. Desenhou os outros colegas de trabalho, na verdade ex-colegas, como ela se lembrou com desgosto. Desenhava apenas o busto, não necessitava de se lembrar de pernas ou sapatos. Desenhou o pai, apesar de não saber como ele estava se vestindo ultimamente ou se estava usando bigode ou barba, mas desenhou-o da melhor forma possível. Ela observou os cartões. Era cômico como até mesmo os rostos no papel mudavam a cada vez que ela olhava. Mas essa parte não era importante, não importavam a união dos detalhes, e sim os detalhes separadamente. Para eles ela teria de olhar, se quisesse reconhecer todas aquelas pessoas.

Violet esfregou os olhos. Já estava completamente escuro do lado de fora. Desenhar demorava mais do que se percebe enquanto se desenha. O tempo voara.

Ela começou a desenhar outro cartão. Fez o contorno do rosto, o nariz e os olhos. Pegou um lápis azul, desenhando um cachecol. Com um azul mais escuro fez a gola do casaco, e usou um lápis vermelho para os pequenos detalhes nele. Com o lápis preto, fez os cachos no alto da cabeça. Ela observou o desenho pronto. Esse ela reconhecia. Sherlock Holmes.

Violet pensou no rosto de Sherlock. Pensou nele em todos os seus detalhes. Os olhos, o nariz, a boca... Lindos detalhes.

Um ruído chamou sua atenção. Violet se levantou da cadeira. Era o ruído de uma porta se abrindo.

Ela permaneceu parada. Sua mão escorregou para trás de si e seus dedos envolveram o celular.

—Se está pensando em me ligar, saiba que meu horário de trabalho é das 7 da manhã às 5 da tarde, com uma hora de almoço entre 11 e meio dia.

Violet sorriu, disfarçando o sorriso em seguida. Soltou o celular, vendo uma figura escura movimentar-se pela sua sala.

—Pelo que percebi você prefere trabalhar de madrugada e, de acordo com John, você não come.

Sherlock encarou-a por um instante, dando de ombros em seguida.

—John é mais observador do que eu imaginava.

—O que faz aqui?

—Vim ver como está.

—E não aprendeu a tocar a campainha, eu presumo.

—Acostumei-me a arrombar a porta, não gosto de mudar velhos hábitos.

Violet sorriu timidamente, caminhando para a cozinha.

—A policial Butler não devia ter deixado você fazer isso.

Sherlock a segue, observando aquele cômodo com atenção.

—Ela foi muito gentil... — ele olha de volta para a sala, notando que havia uma cama ao lado da mesa de escritório. — Você está dormindo na sala?

Violet pega um bule, enchendo-o de água. Fecha os olhos num suspiro.

—Não consigo sequer subir até meu quarto, estou usando essa roupa e não sei quando conseguirei subir e trocá-la.

—Por que simplesmente não pinta algo em cima do que ele escreveu ou coloca um quadro?

—Eu não quero subir lá, só isso.

—Vai se acostumar, logo encarará tudo com normalidade.

—Isso só acontece com pessoas como você, não com pessoas como eu. — ela se vira para ele, vendo-o a meio palmo de si e soltando um quase grito de susto. Não esperava que ele estaria tão perto. — Puxa... — ela disse, avermelhando. — Você é sorrateiro.

—Como um gato... — ele disse, muito naturalmente. — E você se assusta muito facilmente.

—As circunstâncias não estão me ajudando muito a permanecer calma.

—Ficar nervosa não vai melhorar nada.

—Eu não tenho escolha... — ela disse, e uma vontade de chorar surgiu sem aviso prévio. — Não consigo me controlar, e se quer saber... — ela o empurra, saindo andando. — Não quero que me veja chorando. Estou cansada, minhas duas mãos estão doendo, meu corpo está como se tivesse sido atropelado por um ônibus e eu estou tão nervosa que poderia sentar no chão e chorar até o fim do ano... — Sherlock segurou o braço dela, puxando-a de volta, passando os braços por sua cintura e abraçando-a. Os rostos ficaram tão próximos que era possível um sentir a respiração do outro. Violet não sabia o que fazer. E se esquecera de como respirar. — Sherlock... — ela murmurou. — O que está fazendo?

—É só pedir que eu te solto.

Violet não queria que ele a soltasse. Na verdade, aquilo era tão bom que ela estava quase pedindo para ficar daquele jeito para sempre. Ela pensou nisso enquanto sentia o rosto dele colado ao seu, e daí estremeceu ao pensar que talvez ele já soubesse o que ela estava pensando.

Ele apertou o abraço. Seu corpo era tão quente que não se fazia mais necessário nenhuma blusa. O coração de Violet retumbava tão alto que talvez acordasse todos em Londres se continuasse daquela forma. Ondas de calor percorriam seu próprio corpo, e suas pernas começavam a perder força e equilíbrio. Uma das mãos dele subiu por suas costas, apoiando sua nuca e fazendo-a derrear levemente a cabeça para trás.

—Sherlock... — ela arfou. — Eu acho que vou desmaiar...

—Não se preocupe... Eu cuido de você.

Ela teve de passar as mãos por trás do pescoço dele para conseguir se apoiar. Sentia seu mundo inteiro rodar velozmente, deixando-a completamente tonta. Mal conseguia respirar, parecia que o ar estava se recusando a entrar nos pulmões dela. Ele estava tão perto. Perto demais...

Ele aproximou ainda mais o rosto. Ela fechou os olhos. Podia sentir todo seu corpo vibrar, cada célula pular de excitação. Sentiu um roçar em seus lábios, e pressentiu o que estava por vir...

E então ela acordou...