Bulletproof Wings

Lembro-me daquele tempo


Jungkook acordou de repente, erguendo-se logo da cama, assustado. Lembrou-se do seu pesadelo, onde havia um piano em chamas. Aquele piano era a coisa que o conectava a Yoongi, desde que tinham conhecido. Um instrumento musical em comum. O piano é uma coisa tão mágica… Só quem toca é capaz de compreendê-lo. E eles dois sabiam disso. Aquele piano os unia. Sempre fora o símbolo da amizade deles… E ardia em chamas naquele pesadelo.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Aquela briga com Yoongi tinha destruído tudo. A amizade deles já estava abalada desde que ele tinha voltado… Desde que Jin morreu. Mas tudo o que Yoongi dissera sobre Jungkook tinha acabado de vez com aquilo.

Jungkook abaixou a cabeça. Tudo foi tão rápido… Como era possível? Como era possível ele ter tido vontade de morrer, e morrer assim, em um acidente de carro? Parecia completamente surreal. Ali, morto e longe de Yoongi, ele conseguia ver claramente que estava errado ao desejar sua morte… Se poderia fazer algo para mudar aquela situação, precisaria estar vivo. Precisaria dizer a Yoongi que não desejava o fim da amizade deles, quantas vezes fossem necessárias para que ele entendesse.

Jungkook colocou os pés para fora da cama e ficou pensando em tudo aquilo. Finalmente, enxergou um papel no chão de madeira, perto da cama. Levantou-se e pegou.

Era um desenho de Yoongi. Um desenho que ele tinha feito havia pouco tempo, quando ainda estava vivo… Mas o desenho tinha uma mancha vermelha no olho esquerdo de Yoongi. Ele não tinha feito aquilo com o papel… Mas percebeu que tinha feito aquilo com as próprias mãos, durante aquela briga horrível da qual ele não queria se lembrar, embora parecesse ser a única coisa capaz de vir à sua mente.



— Aqui, Tae! — Falou Namjoon. — Esse portão está perfeito.

— Está mesmo, hyung. Que cor eu escolho?

— Hum… Amarelo. A lata tá cheia. Vê se capricha, hein, Taetae.



Yoongi estava se sentindo horrível. Deitado na cama do motel, estava começando a ficar sóbrio, começando a se lembrar… E a se arrepender. Ah, a consciência… Ela pode ser uma tortura, e Yoongi se dava conta disso cada vez mais.

Primeiro, ele olhou pro lado. Olhou para aquele travesseiro, aquele lençol. Uma cama tão branca o lembrava da pureza. E a cama e a pureza, juntas, o faziam lembrar de Hoseok. Hoseok estava sempre dormindo. Sempre tão frágil, tão inocente, tão puro. Ele não merecia a morte, mas ela o levou.

O garoto sentou-se na beirada da cama e pegou no bolso seu isqueiro. Ele o acendeu e o apagou várias vezes. Pensou em Jimin, no dia de seu falecimento. Ele havia encontrado o isqueiro junto às cinzas que Jimin queimara. Ele o havia segurado. Havia fechado seus olhos. A despedida era uma coisa horrível. Ele queria ter estado perto de Hoseok, queria ter dito adeus… mas estava dormindo. Ah, que arrependimento.

Finalmente, a lucidez o permitiu sentir suas dores. Resquícios de uma briga que havia nocauteado a única coisa que havia lhe restado de bom: sua amizade com Jungkook. Ah, ele era só uma criança tola. Havia errado? Sim, mas ele ainda era só uma criança. O que Jungkook sabia sobre a vida, sobre o amor? Nada. Ele não sabia nada.

Yoongi não conseguia acreditar nas coisas que sua memória lhe sussurrava… Como poderia ter dito aquelas coisas horríveis para ele? Nunca chegara a pensar tal coisa. Jungkook, de fato, não era um assassino. Yoongi pensou em pegar seu celular e ligar para o seu maknae, mas não encontrou o aparelho… Certamente havia ficado na casa. Será que Jungkook ainda estava lá? Olhou pela janela. A noite tinha caído, devia ser muito tarde.

Ainda com o isqueiro nas mãos, Yoongi percebeu uma luz avermelhada tomando conta de alguns pontos na parede do quarto. Ouviu o som: eram sirenes.

— Quando eu tinha quinze anos, eu não tinha nada.

Yoongi virou a cabeça. Parecia ouvir algo a mais. Mas o que poderia ser? Eram apenas sirenes! Não havia nada demais naquele som. Talvez um assovio. Ele já ouvira várias vezes sirenes como aquela. Mas, estranhamente, algo o estava chamando. Ele hesitou o quanto pôde. Aquela impressão tola de que havia algo de novo nas sirenes só poderia ser um resquício de álcool. Mas continuou inquieto com aquele som, porque aquilo que o estava chamando parecia, de alguma forma, ser Jungkook.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Yoongi sentiu em seu coração, bem mais do que antes, que deveria ir. Ele não sabia se o encontraria, mas precisava dizer a Jungkook que não pensava como a bebida deixara transparecer. Ele se levantou, guardou o isqueiro e saiu do quarto. Desceu rápido as escadas e saiu do motel, correndo em direção às sirenes.

Não sabia se eram de um carro de polícia ou de uma ambulância, mas não teve que andar muito para descobrir que era a segunda opção. Aparentemente, havia ocorrido um acidente de carro. Vários curiosos já se amontoavam ao redor do acontecimento, dificultando um pouco o trabalho dos paramédicos. Yoongi sentia cada vez mais que havia algo errado, então se aproximou.

Havia muitas pessoas na sua frente, mas algo parecia o estar puxando. Ele as empurrava nervosamente, queria ver o que estava acontecendo, até que finalmente chegou na beirada do círculo imaginário. Seu coração pareceu parar.

Havia apenas um carro, evidenciando que se tratava de um atropelamento, e não de uma batida. O carro não tinha sofrido quase nada. O homem que parecia ser o motorista estava sentado na ambulância. Os paramédicos faziam um curativo na cabeça, que provavelmente batera no volante. Outros dois paramédicos estavam abaixados no chão, ao lado da vítima que havia sido atropelada. Yoongi levou a mão à boca.

Era Jungkook. Ele estava horrível. Muito machucado, parecia ter levado uma surra. A posição de seu corpo era estranha, ele parecia ter quebrado alguma coisa. Uma poça de sangue se acumulava ao seu redor. O primeiro médico colocou a mão em seu pescoço, tentando encontrar pulso. Ele olhou para o outro e balançou a cabeça negativamente.

Jungkook não tinha resistido.

Yoongi não aguentou mais olhar para aquilo. Deu meia volta andando rapidamente entre os curiosos. Ele não conseguia chorar. Tinha caído em um poço de desespero. Ele tinha dito tantas coisas horríveis, e não podia fazer mais nada. Não podia dizer que era mentira. Não podia pedir perdão. Tentou afastar um novo pensamento que surgia, mas não teve êxito: pensou que era culpa dele. Havia uma grande chance de aquele acidente não ter acontecido se eles não tivessem brigado.

Ele não conseguia lidar com aquilo. No começo, tinha achado que conseguiria superar a morte de Jin. Conforme eles foram indo, continuava julgando-se capaz de lidar com aquela falta. E ele realmente era. Mas não era capaz de lidar com uma coisa: a culpa. Quanto mais pensava, mais sentia culpa por tudo. Por não ter contado a verdade a Jin, por não ter estado em casa para cuidar de Jimin, por não estar acordado para ajudar Hoseok e, mais do que tudo, por ter sido um péssimo amigo para Jungkook. Havia deixado sua tristeza guardada — ele nunca chorava — nos confins de sua mente, ignorando a presença da dor. Mas esse recalque foi crescendo sem que ele se desse conta, até que se tornou raiva. Uma raiva sem razão.

Quanto mais Yoongi pensava, mais se achava horrível. E decidiu que não merecia estar ali.



— Está indo bem, Taetae.

O mais novo olhou para Namjoon, que ainda estava encostado no portão com o pirulito na boca, observando-o fazer suas traquinagens com o spray amarelo. Sorriu satisfeito. Nos últimos tempos, Namjoon era tudo pra ele.

De repente, uma luz vermelha passou sutilmente pelo rosto de Namjoon, mudando completamente sua expressão. Ele deu um tapinha de leve em Tae.

— Polícia. Vamos.

Tae olhou para o lado, constatando que Namjoon estava certo. Pegou a mochila de qualquer jeito e os dois saíram correndo pela calçada, se divertindo com a situação. Mesmo com seus esforços, acabaram sendo alcançados. Os policiais os seguraram e o encostaram no carro. A luz vermelha dançava pelos rostos divertidos.



Yoongi entrou no quarto trazendo um galão de gasolina recém comprado em um posto ali perto. Abriu o galão e jogou o líquido por todo o quarto. Fazia tudo com calma: mesmo que os sentimentos se misturassem em sua mente como vapor, ele nunca extravasava. Não sentia culpa por estar causando prejuízo, porque odiava aquele lugar, odiava o patrão, odiava sua vida. E não havia jeito de mudar aquilo.

Finalmente, jogou longe o galão vazio, acendeu o isqueiro e o jogou. O fogo demorou algum tempo para tomar conta do quarto. Esse tempo foi, para Yoongi, um tempo de lembrança. Ele se recusou a pensar em todas as coisas ruins que sucederam a viagem de Jungkook. Pensou apenas do antes, se lembrando daquele tempo em que eles eram o Bangtan Sonyeondan: simples crianças indo atrás de seu sonho de brilhar nos palcos. Simples amigos que faziam de tudo juntos, e que achavam que estariam juntos para sempre. Ele não sabia o quão precioso era aquele momento; só sabia que era um momento feliz, um momento que parecia eterno, mas que durou tão pouco comparado ao que planejaram: entrou em combustão, queimando um por vez, causando um incêndio irreparável em tudo o que haviam construído. Mas não era naquilo que Yoongi pensava.

Enquanto o fogo se aproximava do seu corpo, ele não protestou. Não só porque não tinha esse direito, mas porque ele desejava acabar com sua dor, aquela dor que ele nunca deixava transparecer. Em sua mente, não passava mais a culpa, não passava mais a tristeza. Só queria ir embora dali. Queria encontrar os outros, queria reviver aquele tempo.

Aquele tempo do qual se lembrava enquanto as chamas se apossavam do seu corpo.