*Narrado por Avery Hopper

Arrumei mais uma vez o cinto na cintura, deixando a bainha do lado direito, onde eu conseguiria retirar minha soqueira com lâmina mais facilmente. Essa arma era de Carol, mas foi passada para Daryl depois de sua morte. Ele, por sua vez, deu para minha mãe, que me entregou a faca sob muitas recomendações de cautela e responsabilidade. Era bom ter uma arma mais letal, já que eu havia sobrevivido por seis meses completamente desarmada. Eu ainda não estava muito boa com a faca, mas com tempo e uso eu sabia que pegaria o jeito.

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Glenn, Patrick, Carl, Scott, Mika e eu andávamos pela floresta à procura de algumas frutas ou qualquer coisa comestível. Havíamos encontrado pequenas árvores com amoras vermelhas. Ainda não estavam totalmente maduras, mas era o que tínhamos.

– Tudo funciona do jeito que deveria – Mika comentou enquanto nos aproximávamos das árvores. – Minha mãe costumava dizer isso para mim.

Começamos a pegar as frutinhas e colocá-las dentro de um saco plástico enquanto Mika falava com Scott sobre levar amoras para Sarah e, consequentimente o bebê.

Quando me dei conta, Carl estava ao meu lado. Achei isso muito estranho, já que não conversávamos há muito tempo e eu não pretendia fazer isso, já que tínhamos ideias diferentes, e nenhum de nós estava disposto a ceder.

– Não estávamos brigados? – perguntei num tom provocativo tentando não olhar para ele.

– Não vamos deixar de conversar por causa...

– Já deixamos de conversar – cortei a fala dele rapidamente.

– Tá bom, então será que podemos voltar a conversar?

– O que você está pretendendo?

– A gente podia conversar em outro lugar. Tem umas árvores mais afastadas ali – Carl sugeriu apontando para um local um pouco distanciado. Andamos até as árvores mais altas enquanto Glenn nos seguia com o olhar.

– Agora vai me dizer o que você quer?

– Eu proponho uma aposta – Carl foi direto. Aquilo era estranho e infantil, principalmente vindo dele, que odiaria esse comentário. Mas, no final, eu não poderia esperar muito de Carl. Desde a prisão, até a saída e os meses passados ele só tinha agido como uma criança egoísta. Tudo seria tão mais simples se ele aceitasse a felicidade do pai... – O que me diz?

– Não sei... – parei para pensar um pouco. Eu ainda estava com raiva dele, mas no fundo éramos amigos e eu queria mostrar que ele estava errado porque me preocupava. Se a aposta pudesse me ajudar com isso, eu aceitaria. – Pode ser. Mas só se eu puder escolher o que vamos apostar.

– E o vencedor pode escolher o que quer, mas nada de morte.

– Feito – apertamos as mãos e olhei ao nosso redor. Eu precisava avaliar algo que me trouxesse a vitória.

Eu não tinha muitas opções. Talvez escalar uma daquelas árvores, mas amoreiras não eram fáceis de escalar e não podíamos demorar muito. Eu não era melhor que Carl em muitas coisas, então as opções eram poucas. Ao meu lado havia uma colina grande e pouco íngreme, que poderíamos subir. Ele poderia ser melhor com isso, mas eu era mais leve e isso poderia me dar uma possível grande vantagem.

– Poderíamos subir isso aqui – apontei para a colina.

– Você sabe que não vai ganhar de mim. Sou mais rápido – antes que eu pudesse revirar os olhos, Carl se colocou em posição de corrida. – Já! – mal deu tempo de pensar em algo. Ele começou a correr e eu tive que segui-lo.

Carl tinha uma pequena vantagem sobre mim. Eu tentava pensar em alguma coisa para passá-lo, mas era impossível. Continuei correndo atrás dele evitando pensar na derrota, que já era quase certa. Finalmente cheguei ao final, dez segundos depois dele. Deitei-me no chão dramaticamente enquanto tentava voltar a respirar normalmente. Carl se apoiava nos joelhos, e tentava não demonstrar cansaço.

– Você... roubou – disse com dificuldade.

– Essa... Essa é a desculpa dos perdedores – ele retrucou. – Eu ganhei e eu escolho.

– Nada de mortes – acrescentei me levantando.

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– Você sabe – Carl se aproximou e eu comecei a entender o que ele pretendia.

– Eu não vou te beijar! – exclamei irritada.

– Isso não é morte, então está valendo. Eu venci e você não pode questionar. Qual é, não vai ser tão ruim assim!

– Pra você! – exclamei novamente para irritá-lo, e acabou funcionando. – De qualquer forma, vou ter que pagar isso, então que seja rápido. Só uma coisa. Ninguém pode saber o que aconteceu aqui! Nem o Patrick! Ele vai contar pra todo mundo e minha mãe não pode saber!

– Que seja! Vamos logo? – concordei com a cabeça e ele se sentou ao meu lado.

Aquilo era muito estranho para mim. Era como minhas amigas faziam na escola, simplesmente combinavam de beijar alguém na saída da escola e pronto. Isso acabava com todo o romantismo dos livros e filmes. Eu me perguntava o que as mães liam para elas na hora de dormir, porque com certeza não eram contos de fadas. Carl começou a se aproximar mais um pouco e fechou os olhos. Quando eu ia fazer o mesmo, algo me chamou a atenção e eu virei o rosto.

– Ei! – ele reclamou quando seus lábios tocaram a minha bochecha, mas eu não tirei os olhos do que eu via no horizonte.

Olhando para baixo, eu pude ver uma rodovia. Seguindo ela por alguns metros para o lado esquerdo havia uma imensa construção branca, com uns dez andares e um enorme jardim na entrada, onde havia uma placa muito convidativa com o nome do estabelecimento. “Hotel Dallas”. Abaixo desse nome havia quatro estrelas douradas. Mesmo sendo imponente, o hotel era mais uma das vítimas do abandono do apocalipse.

– O que foi? – ele perguntou. Peguei sua cabeça com minhas duas mãos e a direcionei até que ele pudesse ver o hotel. Carl ficou por um tempo apenas observando o local, até que ele finalmente saiu do transe. – Temos que mostrar isso para os outros.

Carl disparou colina abaixo e eu dei um pequeno sorriso antes de segui-lo. Antes eu o considerava muito imaturo, principalmente por causa de suas atitudes, mas esse último ato mostrava o contrário. Eu poderia jurar que Carl decidiria explorar o hotel, sem se importar com os riscos e com os outros.

*Narrado por Gabriela Hopper

Estávamos arrumando as coisas para ir embora quando Daryl me lançou aquele mesmo olhar inexpressivo de sempre, mas eu sabia o que significava. Ele se afastou do local onde o grupo estava até sumir em meio às árvores, e, pouco tempo depois, e comecei andar discretamente para trás. Talvez não fosse necessária tanta sutileza, já que todos estavam atarefados preparando tudo para a nossa saída, mas eu não queria que ninguém suspeitasse de nada. Quando eu finalmente iria me virar para entrar na floresta mais densa, alguém me surpreendeu.

– Gabriela – me voltei para Sarah. – Está tudo bem?

– Sim, eu só vou pensar um pouco antes de sairmos – menti. – E você? Está bem?

– Sim, só estou muito cansada. Eu preferia descansar, mas temos que continuar andando – ela falou. – Bem, acho que vou deixar você pensar agora.

Sorri antes de continuar a minha pequena caminhada de costas caminhada até o interior da floresta. Quando notei que já estava fora da visão de todos, senti uma mão me puxando pela cintura e, rapidamente, me virei para ver Daryl.

– Estava procurando alguma coisa? – ele disse.

– Já encontrei – falei com o mesmo sorriso malicioso que ele carregava nos lábios. Coloquei as minhas mãos em volta do pescoço dele, enquanto ele me puxava para mais perto, me beijando.

Nossos beijos sempre tinham a mesma intensidade absurda do primeiro, mas tudo era novo, como se nunca fosse se tornar algo enjoativo. As correntes elétricas e o calor que percorriam meu corpo tornavam a minha relação com Daryl cada vez mais viciosa. Era como uma droga que eu necessitava a cada minuto.

– Vou falar com a Avery, acho que é importante que ela saiba primeiro sobre nós dois – disse finalmente quando conseguimos parar. – Até agora você não me disse o que acha importante.

– Estou com você – ele respondeu e eu sorri pela reposta inesperada.

– Mãe? – escutei uma voz um pouco distante me chamar.

Antes mesmo que eu pudesse dar uma resposta à altura para ele e dizer o quanto minha vida parecia não ter sentido sem sua presença, Daryl adentrou na mata e eu fiquei de costas para o som dos passos, esperando que se aproximassem.

– Mãe? – Avery repetiu.

– Oi – dei de ombros e falei com um tom indiferente, mas não me pareceu convincente.

– Preciso te dizer uma coisa – ela deu um pequeno salto, mostrando toda a sua animação e inquietação. – Mas tem que ser junto com todo mundo. Por acaso você viu o Daryl? Ninguém viu ele até agora.

– Por que eu saberia onde ele está? – me arrependi de dizer isso no momento em que notei que essa fala praticamente me entregava, mas Avery estava tão animada que nem se importou com aquilo.

Ela me puxou pela mão até o nosso acampamento quase todo desmontado. Todos estavam lá, inclusive Daryl, com aquela mesma expressão inexpressiva. Avery se juntou a Carl, no centro do círculo que todos formavam.

– Encontramos um lugar – os dois disseram ao mesmo tempo depois de se entreolharem.

– Que tipo de lugar? – Sasha perguntou.

– Um lugar seguro – Avery falou. – É um hotel abandonado na rodovia. Ele é enorme e parece ser bom.

– Acho que podemos avaliar isso – Rick disse. – O que acham?

– Estamos andando há tanto tempo. Por que não dar uma olhada? – Tyreese disse e todos concordaram.

*Narrado por Sarah West

Antes que qualquer decisão fosse tomada, um pequeno grupo formado pelo antigo Conselho da prisão, Carl e Avery seguiu até a colina para verificar o hotel. Eu agradeci por essa decisão, já que não aguentava mais andar e não queria ter que fazer o mesmo percurso duas vezes. Poucas pessoas permaneceram no acampamento, e a espera foi angustiante.

Eu me sentia extremamente cansada, mas isso era absolutamente normal. Minha respiração era pesada e parecia ser insuficiente, o que me dava a sensação de falta de ar permanente. Nesse dia, o bebê estava mais quieto, o que tornava as coisas mais suportáveis, uma vez que os chutes eram cada vez mais fortes. Não sabia exatamente quanto tempo, mas o parto deveria acontecer em menos de três meses, e um ponto fixo seria muito útil, porque não podíamos ficar mais que dois dias em um mesmo ponto na floresta. Eu sabia das dificuldades que encontraria no parto, mas torcia que fosse diferente do de Lori. Esse fantasma me atormentava sempre que pensava no assunto, eu já havia até achado uma explicação para o problema dela, falta de ocitocina no sangue, um hormônio que promove as contrações musculares uterinas durante o parto.

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Fiquei tanto tempo perdida nesses pensamentos que, quando me de conta, o grupo que havia saído já se aproximava do acampamento e, pelas suas expressões animadas e esperançosas, o lugar parecia ser bom.

– Então? – Gabriela perguntou sem conter a curiosidade ao meu lado.

– A estrutura parece ser boa. O lugar é grande, e não temos certeza se tem algum problema lá dentro. Podemos dar uma limpa no hotel e, se tudo der certo, passar umas noites lá – Rick falou. Mesmo com um tom pouco animado, interpretei aquilo com algo bom.

Sem mais palavras, com as coisas já empacotadas, tomamos um rumo diferente do que havíamos seguido por meses. Depois de passarmos por algumas árvores pequenas, chegamos ao pé da rodovia, onde era possível avistar, um pouco distante, uma enorme construção de dez andares. O Sol estava exatamente no centro, e esse era o momento mais quente do dia, mesmo que isso não pudesse reduzir a sensação de frio.

Mesmo estando cansada, eu me esforcei para andar mais rápido, acompanhando a pressa do grupo. Depois de poucos minutos de caminhada, paramos de frente para um enorme jardim, com flores murchas e gramado alto. O silêncio que dominava o local era assustador, acompanhando o terrível abandono do que, um dia, foi um importante e movimentado hotel de quatro estrelas. Atravessamos o caminho de pedras que cortava jardim até chegarmos aos estilhaços de uma antiga porta de vidro já derrubada.

O saguão tomava conta da maioria do andar. A decoração e as paredes eram predominantemente beges e douradas. No centro havia um grande guichê de madeira nobre desgastada. Mais ao fundo, pude duas escadas curvadas que se uniam no final, levando ao segundo andar. Abaixo delas havia um elevador que, pelo longo tempo de desuso, não deveria mais funcionar.

O local estava um pouco escuro e frio. Continuei admirada, observando os detalhes do teto, que lembravam os afrescos das igrejas romanas. Mika caminhou vagarosamente pelo saguão, com os olhos brilhando. Ela finalmente chegou ao centro e emitiu uma exclamação vislumbrada, e depois se voltou para todos.

– Podemos viver aqui? – essa frase tirou todos de seus pensamentos, e, de certa forma, era o que eu queria perguntar.

– Vamos dar uma olhada – Michonne sugeriu com um ar sério.

Todos se dispersaram pelo saguão, andando meio desnorteados. Depois de alguns segundos de observação, sentei-me em uma das cadeiras douradas com acentos aveludados, soltando um suspiro cansado. Fiquei com os olhos fechados por uns instantes e desejei poder ficar naquela posição pelo resto do dia. Meu sossego teve fim quando senti o bebê voltar a chutar. Rick passou a mão pelos meus cabelos e se posicionou ao meu lado. Inclinei minha cabeça para trás e deixei que ele continuasse, pois aquilo me dava uma ótima sensação de paz.

– Então, o que você acha? – ele perguntou.

– Acho que vale a pena tentar.