Blood Royal

Capítulo 15


Innocence - Avril Lavigne

LORI E EU ESTÁVAMOS SENTADAS ENVOLVIDAS pelo silêncio reconfortante da biblioteca. As coisas pareciam estar permanentemente em seus devidos lugares, mas ainda assim, cada vez que ela se calava e fitava o vazio, eu conseguia identificar um traço de tristeza em seu rosto. Quem era aquela garota? Por que ela se resguardava tanto?

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— Nunca mais a deixe fazer isso — eu disse. — Ela não é melhor que você. Precisa se defender, Lori.

Ela não respondeu. Seus olhos perderam-se no tapete por um momento e em seguida ela me encarou. Seus cabelos castanhos caíam-lhe como uma cortina em torno do rosto pequeno, empoleirando-se sobre a cadeira, ela abraçou os joelhos próximo ao peito e pigarreou.

— Quer ouvir a minha história? — indagou. — Sinto que posso contá-la a você, não espere nada como um conto de fadas, está mais para um conto sombrio cheio de furos.

— Conte.

Lori suspirou.

— Eu sou a mais nova de cinco irmãos — começou. — Já dá para imaginar o quanto isso pode ser bastante chato, ter cinco projetos de general mandando em você. Eles sempre gostaram de me dar ordens, de me fazer realizar as tarefas deles por eles. Eu sou uma Quatro, você sabe, a coisa toda não é tão ruim. Mas o real problema na minha vida é que, eu não sou filha da minha mãe, entende? Eu sou fruto de uma traição, Alexia. Num momento de insatisfação com a própria esposa, meu pai envolveu-se com uma... uma...

Ela não completou a palavra, mas eu sabia do que ela estava falando. Permaneci em silêncio.

— A questão é que aconteceu o que não deveria, ela engravidou dele. Eu nunca soube quem ela era, só sei que não tinha condições nenhuma de sustentar a ela mesma com um bebê. Logo após meu nascimento meu pai me levou para sua casa. Sua mulher, até então, mesmo arrasada por ter sido traída, me acolheu. Cuidou de mim, me deu tudo o que eu nunca teria tido se ficasse com a outra. De um modo ou de outro ela passou a me amar, me educou e fez por mim tudo o que fez por seus filhos legítimos. Disse que eu deveria chamá-la de mãe, pois havia sido ela quem depositara todo o amor necessário sobre mim.

Ela enxugou os olhos, que a essa altura da história já haviam ficado marejados mais de uma vez.

— Acontece que eu não recebia esse tipo de atenção do meu próprio pai. Ele costumava beber, e sempre gritava a plenos pulmões que eu era responsável por tudo de errado que acontecia na vida dele. Seus outros filhos, por mais que ficassem assustados por vê-lo tendo um acesso de raiva, nunca faziam nada. Eu conseguia superar as noites em que ele apenas gritava, as piores na realidade eram quando ele...

Senti algo se fechar em minha garganta, apertei as mãos sobre o colo.

— Ele batia em você — completei. — Ah, meu Deus, Lori!

Ela começou a chorar, lágrimas delicadas e cheias de uma dor que eu não podia imaginar. Eu queria abraçá-la, dizer-lhe que poderia contar comigo, mas ainda não havia acabado.

— Quando ele me batia era horrível, eu apenas ficava lá, chorando em silêncio sem poder fazer nada. Usava camisas de manga comprida durante dias até os hematomas sumirem; minha mãe cuidava de mim, me dizia que um dia as coisas iriam melhorar, mas eu não conseguia enxergar isso, entende? Eu não tinha esperanças! — ela fungou. — Foi então que aquela carta chegou em nossa casa, eu não pensei duas vezes antes de me inscrever, aquela era a minha chave para um universo alternativo no qual eu poderia ser eu. Conseguir vir para o palácio foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido. Aqui eu sou livre, aqui não existem os olhares cheios de rancor do meu pai, aqui não existe dor. Quando Rowena me agrediu, eu fiquei com medo de que pudéssemos ser mandadas embora. Eu não posso ir para casa, Alexia. Não ainda. Não estou pronta para enfrentar tudo aquilo de novo.

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Ela se calou e eu observei seu rosto. Aquela garota, aquela que a muito eu julgava frágil, havia sofrido muito mais do que eu sequer podia imaginar. Ela era uma fortaleza ambulante e naquele momento eu me peguei admirando-a profundamente. Todas as suas atitudes acuadas passaram a fazer sentido, seu jeito amável, sua insegurança com relação ao príncipe...

— Você não vai passar por mais nada daquilo — falei. — O que quer que tenha acontecido lá fora, acabou. A partir do momento que você entrou aqui sua vida mudou; seu pai nunca mais vai tocar um dedo em você, e eu sei que você também sabe disso. Aquela vida cheia de privações e medo não existe mais. A partir de agora você é Lori Greene, uma garota forte que não deixará ninguém nunca mais pisar em você.

Me desloquei do meu lugar e me ajoelhei perto dela.

— Se você quer ficar aqui, se quer ter uma nova história, precisa começar a se impor. Não pode deixar que intimidem você, jamais. Aqui dentro gostem ou não somos todas iguais, estamos consequentemente dividindo o mesmo barco — segurei a mão dela entre as minhas. — Não se entregue, mostre a eles porque está aqui. Numa selva de leões você não pode ser o cordeiro.

Ela abriu um sorriso fraco e limpou as últimas lágrimas que escorriam por sua bochecha.

— É uma pessoa admirável, Alexia.

Apenas sorri.

Eu havia acabado de ter plena consciência de que haviam pessoas com problemas muito mais graves que os meus, e que eu não era a única a estar procurando por uma válvula de escape. Lori era uma guerreira, e eu estava disposta a ajudá-la a superar seus piores pesadelos.

***

Still Into You - Paramore

— Primeiro passo: seja autoconfiante, ter medo é normal, mas você precisa ignorá-lo. Foque no seu objetivo e pense no que seria capaz de fazer para conquistá-lo.

Lori respirou fundo quando paramos as portas do salão onde jantávamos. Trajava um vestido verde escuro e como um grande golpe, havíamos nos atrasado propositalmente. Ajeitei seu cabelo e sorri.

— Pronta? — indaguei.

— Pronta.

Adentramos o salão e reverenciamos a família real. Contornamos a mesa e nos dirigimos para nossos respectivos lugares. Miranda e Anne como de costume estavam ao meu lado, e Miranda até mesmo sorriu para mim.

— Gostei do que disse a Rowena — comentou, em voz baixa. — Ela é absurdamente insuportável.

— Ela não pode achar que é simplesmente o centro do universo — respondi. — Não me assusta nem um pouco.

Olhei na direção de Lori e a vi sorrindo; conversava de maneira alegre e despreocupada, pensei em todos aqueles segredos que ela carregava firmemente consigo mesma, tendo compartilhado-os apenas comigo. Lembrei-me de quando ela me contara que estar na Seleção sempre havia sido seu sonho, e agora eu podia compreender perfeitamente a razão.

Direcionei meu olhar para a mesa da família real e os observei por um momento. Estavam felizes e o rei e a rainha sorriam enquanto Nicholas lhes contava alguma história. Eu ainda não havia tido nenhuma conversa com ele desde o episódio na ala hospitalar, e ainda assim de alguma forma vê-lo me causava um certo incômodo.

— Precisa comer antes que a comida esfrie — brincou Miranda.

— O quê?

— Nem pisca quando olha para ele — respondeu ela. — Precisa comer.

Desviei o olhar e concentrei-me em meu prato. O conflito que havia surgido dentro de mim consistia em indagar se era tolice ou não sentir raiva dele. Nicholas nunca havia dito nada que indicasse que eu seria a única a beijá-lo, porque esperar por aquilo?

Eu sabia que precisava mudar aquilo, e eu queria mudar.

Enquanto saboreávamos uma deliciosa torta de limão, a conversa seguia empolgada. Depois de ter sido flagrada por Miranda, finalmente me permiti olhar na direção de Nicholas novamente, e me surpreendi ao encontrar seus olhos. Sorri para ele de modo amigável, maneando levemente a cabeça. Ele pareceu surpreso com meu gesto, ainda assim, retribuiu. Voltei-me para as outras e tentei me entreter com a conversa.

— Posso vê-la mais tarde? — Nicholas indagou, caminhando ao meu lado para fora do salão, as mãos postadas atrás das costas.

— Não sei se está merecendo.

Ele riu.

— Vamos lá, senhorita. Conceda-me essa honra.

— Está certo — concordei. — Não apareça muito tarde, existe uma coisa chamada sono da beleza que nós precisamos ter.



Na hora em que havíamos combinado Cali correu até a porta para abri-la ao ouvir as batidas.

— Podemos ir? — indagou ele, estendendo o braço.

— Aonde iremos? — questionei.

— Caminhar um pouco pelo palácio.

The Only Exception - Paramore

Agarrei-me ao braço dele e nos encaminhamos para o corredor. Boa parte do palácio àquela hora estava silenciosa, era possível apenas ver alguns guardas fazendo a ronda e alguns poucos funcionários.

— Sentiu mais dor depois daquele dia? — Nicholas indagou.

— Na verdade não — respondi.

Descemos as escadas e os guardas abriram passagem para nós. Contornamos um enorme busto de mármore e passamos diante de inúmeras pinturas da família real ao longo dos anos. Fitei o quadro em que o rei Clarkson aparecia ao lado da rainha Amberly, juntamente com o até então príncipe Maxon.

— Ela era tão bonita — comentei, admirando a rainha. Possuía um rosto bondoso, gentil.

Nós paramos e Nicholas também observou o quadro. Um sorriso surgindo no canto de seus lábios.

— Meu pai sempre fala dela — comentou. — Diz sempre que ela era uma boa pessoa, minha mãe a admirava muito.

— Uma heroína... — murmurei.

— Sim, apesar de todos os contras evidentes para o meu avô, ela o amou e o defendeu até o último minuto.

Manuseei a cabeça em concordância.

— É tão bonito esse tipo de amor, sabe? — me virei para ele. — Consegue se imaginar amando tanto alguém ao ponto de dar a sua vida por ela? Digo, por tudo o que falaram dele, ela poderia ter desistido, mas não o fez.

— Acredito que ela sempre tenha conhecido um lado dele que mais ninguém tinha visto — Nicholas suspirou. — É isso que eu espero encontrar, alguém que me faça sentir como nunca jamais me senti antes. Espero encontrar alguém por quem valha a pena, me entende?

Concordei com um sorriso e ele continuou:

— Eu não sei como é... estar apaixonado, tenho medo de acabar confundindo as coisas e me enganando.

— Entendo você — falei.

Ele deu uma risada.

— Você? — retrucou. — Duvido muito, com certeza já se apaixonou por alguém.

— É aí que Vossa Majestade se engana. Eu já gostei de alguém, mas gostar não é amar. Todo o meu conhecimento a respeito do amor se baseia em teorias.

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Ele ergueu as sobrancelhas.

— Conte-me então.

— Não, é meio ridículo.

— Eu quero ouvir, por favor, diga.

Suspirei.

— Acredito que amar seja não só viver a vida de outra pessoa, mas sim atribuir suas experiências a ela. Acho que amar se baseia em se apaixonar pela mesma pessoa todos os dias, em apoiá-la nos momentos mais difíceis e estar sempre ali, pro que der e vier — olhei novamente para o quadro. — Acho que foi isso que sua avó fez, ela enfrentou junto do rei Clarkson qualquer dificuldade, ela acreditava nele. Ela morreu por isso.

— E paixão? — indagou Nicholas, fitando o quadro.

— Creio que paixão seja uma coisa física, acho que é quando você gosta de alguém e sente necessidade de tê-la por perto. A questão que pode levantar caso esteja em dúvida é: você seria capaz de qualquer coisa por aquela pessoa? Colocaria sua vida em risco por ela? Se hesitar mediante as respostas, então é paixão, o que num futuro não tão distante pode se tornar amor. Agora, se imediatamente você responder que sim, então não há dúvidas de que esteja amando.

Me virei para ele. Nicholas estava sorrindo.

— São teorias muito interessantes e inteligentes — admitiu. — Posso usá-las quando estiver em dúvida.

Soltei uma risada e empurrei o ombro dele.

— Não vai nada, como se você fosse precisar — apoiei-me ao braço dele novamente e recomeçamos a caminhada. — Terá tempo o suficiente para se apaixonar por alguém, e pode acreditar que daqui até lá terá certeza disso.

Nós adentramos um espaço amplo, banhado pela luz da lua que atravessava as enormes janelas. Nos encaminhamos para o centro dele e Nicholas parou.

— Por que paramos aqui? — indaguei.

— Ainda me deve uma dança, lembra? Ninguém mandou fugir de mim no baile.

— Eu não fugi! — protestei. — Você tinha sumido.

Ele ignorou tudo o que eu falei e abanou o ar com a mão.

— Deixe disso e me acompanhe.

Conduzindo-me pela mão, ele nos aproximou e começou a se movimentar pelo salão silencioso. Nossos passos ecoavam a meia luz e era estranho estar ali sem ninguém por perto.

— Me sinto patética — brinquei.

— Coisa da sua cabeça — ele me fez dar um giro. — Não tem nada de ridículo nisso. Você não sente a energia?

Eu o encarei, Nicholas estava sorrindo desde o momento que havíamos saído. Agora, para variar, havia começado a cantarolar uma música. Nós girávamos pelo salão, tropeçando e errando os passos. Rindo de nós mesmos e da idiotice da situação.

— Não deveriam ficar em pontos muito afastados do palácio, especialmente a essa hora.

Nós paramos e nos viramos rapidamente; o rei Maxon caminhava em nossa direção, parecia sério, mas notei um traço de divertimento em seus olhos. Me afastei de Nicholas e estava prestes a reverenciá-lo quando ele ergueu uma das mãos.

— Não iríamos demorar, pai — apressou-se Nicholas.

— Tudo bem, só estou dizendo que...

Então uma sirene estrondosa ecoou, quase estourando meus tímpanos. Levei as mãos aos ouvidos, mas o gesto era em vão. Nicholas e seu pai trocaram olhares espantados e nós três permanecemos por alguns longos segundos parados.

Então vieram os gritos.

E logo em seguida os tiros.