Bipolar

Um pacífico passeio pelo parque


Chacoalhei minha cabeça, tonto. Na minha frente, um homem me encarava, sentado no chão, assustado. Atrás de mim meu pai estava com o mesmo olhar. "Ótimo, mais uma briga...?"... Não. Aquilo era diferente. Diferente de tudo o que eu já fizera.

Ao invés de machucar alguém inocente, eu tinha protegido alguém. O meu pai. Eu não tinha visto a cena, mas podia imaginar que tinha sido algo como nos filmes, onde um herói surge do nada. Mas não... Eu não era um vilão. Era um herói. Então por quê...?

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O ladrão que a pouco estava atacando o meu pai agora estava sentado, coberto de hematomas e machucados causados por socos. Seu lábio sangrava, e seu nariz também.

Eu não podia colocar tudo a perder, então continuei com minha postura.

─ Quem é você? ─ Tentei parecer sério, contendo o medo.

─ N-Não sou ninguém! P-Por favor, deixe-me ir! Não irei mais atrapalhar sua família! ─ Ele parecia a ponto de chorar. ─ Por favor, n-não ligue para a polícia!

─ Tch. ─ O fitei com desgosto. Ele tinha atacado meu pai, nunca que eu deixaria aquilo passar em branco. ─ Não tenho pena de você.

Amarrei-o com uma corda que o Bruno trouxera, enquanto a Ana ligava para a polícia.

Finalmente, fui até meu pai. Ele estava estupefato, e confuso.

─ Você... Você não deveria ter feito aquilo! Sabe o quão perigoso e imprudente isso foi?! ─ Uma reação inesperada, posso dizer.

─ Como assim?! Eu estava te protegendo! ─ Retruquei, inconformado.

─ Não precisava ir tão longe! Ele estava armado! Poderia ter morrido! ─ "Oh, então era apenas preocupação, uh?", pensei.

─ E-Eu... ─ Cerrei os punhos ─ ...N-Naquele momento, eu não me importei em morrer! Eu não poderia ter deixado meu pai daquele jeito! Além do mais, eu não estava na minha personalidade habitual...

Aquelas palavras o calaram. Ele parecia pensativo, e em um certo tipo de conflito consigo mesmo. Abaixei a cabeça, e pus as mãos nos bolsos. As juntas dos meus dedos doíam, estavam machucadas.

─ ...Obrigado. ─ Sua voz estava trêmula, mas pude ouvir claramente. Dei um sorriso.

A polícia chegou não muito depois, e o "suspeito" foi preso até o julgamento. Provavelmente não ficaria muito na cadeia, mas fazer o quê, né?

Mais importante que isso, foi o meu comportamento. Minha outra personalidade agiu certo pela primeira vez! Mas... Por quê?!

[...]

Uma semana se passou desde aquele dia. As coisas estavam meio tensas em casa, mas acho que isso é meio normal nessas situações, não? O único que não tinha mudado nada era Crow.

─ Será que eu consigo te ensinar a falar? ─ Pergunto, com o animal em pé no meu dedo. Ele virou a cabeça, confuso, e grasnou. ─ É, acho que isso seria meio difícil...

Era sábado. Um sábado entediante e sem nada pra fazer. Como a Ana tinha ido para a casa dos tios, também não dava pra sair com ela ou jogar video-game. Como fazia um tempo que o Crow não praticava o voo, decidi ir até o parque, onde quase não tinha ninguém.

Abri meu armário, troquei de roupa, peguei um saquinho de comida para o Crow e uma garrafinha com água (nunca se sabe), avisei minha mãe, e saí. Eu gostava de sair com o meu corvo assim, porque as pessoas me olhavam com ele no ombro ou no braço e pensavam que eu era algum lorde do mal, ou pelo menos era o que eu fantasiava. Lembro-me de um dia que eu comprei uma fantasia de Drácula (só que num modelo todo preto) e saí na rua a usando e com a ave no braço, no anoitecer. Tá, eu admito, ainda faço isso às vezes. É muito legal.

Chegando ao dito cujo parque, Crow imediatamente saiu voando. O observei com um sorriso, e me recostei na parede, tentando não perdê-lo de vista. Em algum momento, ele veio até mim, com uma minhoca na boca, e me olhou nos olhos. Entendendo o que queria dizer, assenti com a cabeça, ele engoliu o animal e voltou a voar. "Esse corvo é mais humano que qualquer coisa...", pensei.

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Uma criança que passava de bicicleta por lá ficou encantada com o meu animal de estimação. Eu não sei se eu já falei, mas eu amo crianças. Mostrei a ele todas as coisas que o Crow sabia fazer, e o menino ficou com brilho nos olhos.

─ Seus pais estão aqui também? Ou você está sozinho? ─ Perguntei, para puxar assunto. Ele parecia ter uns 10, 11 anos de idade.

─ Só o meu irmão chato e o amigo dele. ─ O garoto respondeu, sem dar muita importância. Olhei em volta, e vi um adolescente que pensei ser o tal irmão. Porém, não vi o amigo dele. Também tinha a possibilidade de esse ser o amigo, mas acho que seria mais difícil de isso ser verdade, já que este não era o responsável.

─ Tá falando com quem, Cauã? ─ O sujeito veio até nós com as mãos nos bolsos. Bem estilo "sou o melhor de todos", sabe?

─ Esse cara tem um corvo! Não é demais?! ─ O menino disse, todo feliz.

─ Eu ein, nunca vi alguém te- ─ O rapaz ia terminar de falar, mas parou quando me viu claramente. Foi aí que eu percebi quem ele era. "Ah, qual é, acho que eu tenho um imã que atrai confusão...", pensei. ─ Você!

─ Eu! ─ Dei um sorriso amarelo.

─ O que faz aqui, depois de arranjar briga com o nosso grupo?! ─ "Merdamerdamerdamerdamerdamerda[...]", eu repetia essas palavras incessantemente na minha cabeça enquanto o jovem se aproximava. Era aquele carinha lá que eu encontrei na feira de livros.

─ Você se conhecem? O que aconteceu? ─ O pequeno estava confuso (ok, ele não era tão pequeno assim, mas gosto de chamá-lo desse jeito), fazendo perguntas sem parar.

─ Cauã, espera aqui, eu vou conversar um pouquinho com esse... Cara. ─ Ele deu um sorriso amigável que me deu medo, depois me puxou pela manga, até outro lugar. Obviamente Crow bicou ele. ─ Ai, porra! Tira esse bicho daqui!

Fiz sinal para o animal parar, mas ele, pela primeira vez, não me obedeceu. Você sabe que bicadas de corvos podem arrancar sangue e fazer grandes estragos, certo? Pois é, isso era um problema.

─ Chega! ─ Falei estritamente, e dessa vez ele parou e pousou na minha mão. Relutante, mas o fez.

─ Chega digo eu! ─ O "Sr. Problemático" me deu um olhar mortal, e PAF! Um soco bem no meio da cara! Crow ficou furioso, mas eu o parei antes que tudo começasse de novo.

E lá estava eu, mais uma vez, metido em uma briga com um motivo do qual eu não tive culpa.