Beyond Kingdoms: The Lemniscus Crystals

POV Yeri - Capítulo 2: "Dark Sheep"


◊ 852 estações após a ascensão da Família Torgu, cliclo de Phanor

Os corpos pálidos jaziam no chão, sem sangue, com seus corações espalhados pela clareira, com símbolos rústicos entalhados neles. Ela odiava o gosto do sangue orc, mas não achava nenhum outro tipo de carne há um ciclo, quando tinha se afastado bastante da capital élfica, onde os animais eram atraídos pela prosperidade do local.

Ela tentava sair de perto daquela raça demoníaca há invernos, mas ela não era muito boa em se localizar e não era sempre que Estér dava o ar da sua graça, por isso, sempre acabava perdida. De qualquer forma, em momento nenhum da sua curta vida ela soube realmente onde estava.

Ao longe, já se via os picos brancos da montanha marrom, e como nunca os tinha visto antes, sabia que devia estar no caminho certo, que seria um lugar perto da fronteira élfica com um povo qualquer que ela suspeitava ser orcs ou anões, pela abundância que eles apareciam em sua frente. Carne de anão era melhor que a dos orcs.

Seus olhos amarelos e de pupila afilada, estavam se certificando de que todos os desenhos estavam corretos, rodeando o local da carnificina atentamente.

Você deveria matar o garoto” Estér se pronunciou pela primeira vez naquela lua, e ela já estava minguando.

– Ele é meu estoque de comida – Sussurrou para que o anão não a escutasse.

Yeri tinha encontrado o garoto duas noites atrás, quando dizimou outro grupo de orcs. E ela só o chama de garoto pelo tamanho, já que o anão tinha o rosto completamente envelhecido e a barba grande e espessa. Ele era um prisioneiro dos orcs e quando ela o libertou, sem querer, ele passou a segui-la.

Depois de tentar se comunicar com ele várias vezes, descobriu que ele tivera sua língua cortada fora. No final das contas, a besta sempre agradecia por ter uma audição boa, afinal, não conhecia aquela pessoa de passos muito leves, e nem pretendia. Mataria ele assim que não achasse mais o que caçar.

– Mrök – Disse e os corpos se iluminaram numa luz azulada e bruxuleante.

Para o anão, a dança das almas era linda, principalmente acompanhada de uma melodia aguda, mas a garota já estava acostumada com isso, e achava repugnante o jeito como as almas de contorciam em dor, e suas vozes agonizantes só faziam arranhar seus tímpanos. Mas, em respeito, não desviava os olhos, nem tampava os ouvidos, apenas encarava.

O espetáculo acabou e ela se virou e saiu andando, sendo seguida pelo anão. Só queria achar um lago e tirar os resquícios de sangue que ficaram impregnados em sua pele, mas sabia que não ia achar. Tem ás vezes que a esperança é a última que morre, mas não tinha esperança onde ela estava indo, e se estivesse perto, ia ficar com carência de muitas coisas.

A questão era que não sabia onde queria ir. No seu décimo inverno, Estér lhe dissera que havia uma terra de ninguém chamada Tríplice Fronteira, onde elas deviam ficar até que uma missão lhes fosse concebida pela sua deusa. A tríplice fronteira, pelo que sabia, era onde a terra dos orcs, do elfos e dos humanos se encontravam, uma no meio das montanhas dos Anões do Sul, que ninguém se apossava pela enorme quantidade de plantas venenosas e pela falta de chuva. Além das lendas que diziam que todos que iam até lá ficavam loucos, pois qualquer som produzido se propagaria eternamente pelas paredes da montanha que rodeavam aquela terra no meio do nada.

O anão puxou suas vestes, chamando-lhe a atenção, e ela o olhou irritada, não precisava que ele lhe avisasse sobre o felino negro que estava a uns vinte passos a sua esquerda, ela sentia o cheiro do animal desde o dia anterior, quando ele ainda estava longe.

Ela esperava que ele os atacasse, mas viu-o tomar sua forma humana e os olhar com um sorriso presunçoso. Falou algo na língua anã, uma das poucas línguas que Estér não dominava, logo, ela também não, mas o anão pareceu se irritar com o que ele disse.

– Você entende essa? – Tentou novamente.

Yeri não abaixou a guarda em nenhum momento, ele era uma besta negra, o erro da criação causador da quase extinção da sua raça, os puros de sangue demoníaco.

– O que você quer? – Ela disse cautelosa e furou seu dedo na ponta da adaga, que roubara de um elfo, presa na sua cintura, sentindo o sangue pingar negro no chão.

– Antes eu só queria o seu anão, mas eu mudei de ideia. É muito raro achar uma fêmea da minha espécie, vou te levar pra casa, mesmo você sendo uma escória – Falou com asco.

Ela mal teve tempo de reagir, ele era mais rápido e mais forte, afinal, era a elite por uma razão. Só sentiu sua cabeça bater contra algo, uma árvore talvez, e apagou.

(x)

Acordou atordoada e tentou levantar, sentindo todo o corpo doer, estava deitada em um lugar macio, mas não desejava continuar naquele lugar. Usou os cotovelos para içar o corpo com cuidado, o que mais latejava era sua cabeça.

– Você até que é bonitinha – Uma voz feminina e áspera fez com que ela virasse o pescoço muito rápido para ver quem era, sentindo a dor aumentar – É uma droga, a mulher elegante falou – Você vai continuar sentindo dores por um tempo, é para aumentar a probabilidade de você ter uma cria negra.

– Eu – Respirou – Não vou ter um filho – Rosnou, como odiava a civilização.

– Você não tem escolha – Ditou séria – Comeremos em pouco tempo, você se alimentará direito e a primeira ninhada que terá será do meu primogênito.

Assim que ela terminou de falar, Yeri sentiu o cheiro de carne atingir suas narinas, ela inalou com força, carne de anão.

– Mãe, deixe-a – O homem que a sequestrou falou.

A garota percebeu que ele estava com elas o tempo todo, notando o quão fraco estavam seus instintos. “Fuja”, Estér disse, e ela mordeu o lábio inferior, não é como se fosse fácil fazer o que ela mandava, sua cabeça doía de mais para pensar em um plano decente, além do quê, evolutivamente falando, ela pertencia a uma raça inferior, e certamente morreria se tentasse algo.

– Se divirta com esse lixo – A mulher disse antes de sair da tenda.

– Meu nome é Klaus – Ele sorriu. Bonito e horripilante. Um dos símbolos da superioridade negra eram os nomes, só eles e os brancos tinham nomes. E Yeri – Do que eu devo lhe chamar?

– Como eu devo lhe matar? – Disse sarcástica, sabia que não era possível, mas estava irritada.

– Arisca, hm? Isso vai ser divertido.

Várias mulheres, humanas, entraram na tenda e tiraram suas vestes, ela não tinha forças para resistir. Elas lhe banharam com panos úmidos e a vestiram novamente com roupas coloridas, sob o olhar do homem. Elas a forçaram a ficar de pé e ela sentia as pernas bambas. Arrastaram-na para fora e fizeram com que se sentasse a uma mesa repleta de machos de suas espécie e umas duas fêmeas.

Era um banquete. Com vários tipos de carne que fizeram com que ela se perguntasse quão longe da montanha estava. Treze invernos desperdiçados. Pensou em se recusar a comer, mas sentia muita fome, talvez pela droga, e o olhar de Klaus sobre si lhe dava medo. Quando todos acabaram de se alimentar, ele pegou-a pelo braço e arrastou-a de volta a tenda.

A jogou sobre a cama e de relance ela notou que o braço estava avermelhado, se debateu contra o abuso, arranhando todos os lugares que alcançava, recebendo mais agressividade em resposta.

Permita-me”, Estér falou com raiva, lágrimas escorriam pelo rosto de Yeri.

– Mate-o – Gritou entre os soluços.

A besta podia não ser a real sacerdotisa, mas era o corpo dela, e o corpo devia se manter puro em sua religião, que menosprezava homens.

Sentiu a dor crescer e todos os machucados que já teve em seus dezessete invernos de existência voltaram a se abrir. Sua visão nublou e passou a ver tudo como uma espectadora, como se estivesse em um sonho. Sentiu a mão formigar ao ver ela perfurar o peito de Klaus sem que precisasse de ordem para tal, não tinha o controle de seu corpo e não tinha muito tempo antes que perdesse muito sangue. Deveria sair daquele local o mais rápido possível, ou morreria.