Lutei para manter a atenção no quadro durante as aulas. Sentar atrás foi uma má ideia, se eu ficasse na frente talvez a criatura irritante não ficasse me atormentando de cinco em cinco segundos.

Primeiro ele queria saber se o meu nome era Brisa mesmo. Ignorei. Perguntou minha cor favorita. Não respondi. Pediu meu número de telefone ou celular. Limitei-me a encará-lo e fazer uma careta. Ele sorriu.

Ah, o que eu fiz para merecer isso?

No recreio meus tímpanos estavam a ponto de decretar suicídio, mas ele não deixou de me fazer perguntas.

– Então, quantos anos você tem? – ele disse com a cara mais cínica.

– Se eu responder você vai me deixar em paz?

– Você me responde e eu penso no assunto.

Sentei-me no banco mais distante do refeitório.

– Dezesseis.

– Até que enfim me respondeu alguma coisa. Você deveria me tratar com o respeito que eu mereço.

Bufei, imaginando quanto tempo ele continuaria me atormentando.

– Então me explica, você tem certa fixação por Deus, não é? Só anda com essa Bíblia de um lado para o outro.

– Te incomoda?

– Nem um pouco.

– Ótimo.

Abri a Bíblia e comecei a ler.

– Então – ele me interrompeu novamente. -, você sempre afasta todas as pessoas, assim como faz comigo?

– Só as irritantes.

– Como eu? – ele disse sorrindo e apontando para si mesmo com o polegar.

– Sim, como você.

– Acho que eu devia estar realmente lisonjeado! – ele fez uma cara de sarcasmo.

Focalizei em um ponto atrás dele onde as jogadoras faziam uma rodinha em torno de um pobre coitado. Quando elas iriam se cansar de bancar as valentonas?

– Você já fez parte do time de vôlei, certo? – ele me arrancou dos meus pensamentos.

– Certo.

– Como conseguiu um lugar no time com essa altura?

Bem, eu não sou baixinha, não tanto, quer dizer. Um metro e sessenta e quatro não era tão baixo assim.

– Eu era a líbero.

Ele se manteve calado enquanto íamos para a sala, o que foi realmente um milagre. Por onde passávamos, grupos de meninas cochichavam sobre a nossa aproximação.

Na sala, ele virou-se para mim.

– Brisa...

– Garoto – eu o repreendi com o olhar. – Você poderia ficar calado só por esses dois últimos horários?

Ele deu um sorrisinho e acrescentou:

– Claro.

E justamente hoje tinha que ter aula de literatura. Não que eu não goste de ler, ler um bom livro é quase como respirar para mim, mas... Os livros da escola... Estão esfarelando-se de tanto tempo que estão na biblioteca. Há quanto tempo foram escritos? Uns três mil anos , talvez?

Olhei para o lado e Adriano tinha a cabeça apoiada sobre os dois braços cruzados em cima da carteira. Um filete de baba escorria pela sua bochecha. Eca, pensei. Detesto dizer que os últimos horários foram os mais longos de toda a eternidade. Quando o sinal finalmente tocou, pus meu caderno cuidadosamente na mochila e me levantei aos poucos, evitando ao máximo o menor ruído que pudesse acordar a criatura.

Quando finalmente parecia livre, dei um passo e minha carteira veio junto. Minha perna ficara enroscada em uma das pernas da cadeira. E novamente eu me surpreendo com o tamanho da minha habilidade motora.

– Estava pensando em me deixar aqui sozinho? – ele disse levantando-se. – Que maldade...

– Olha – eu o adverti. – Me deixe em paz, Ok?

– Então... – ele falou enquanto saíamos da escola. – Que tal sair comigo no final de semana para tomar um sorvete?

Dei-lhe as costas como resposta.