Eu podia sentir todo mundo me olhando, mas a tempos já havia me acostumado com isso.

Uma coisa que eu havia aprendido desde cedo era ignorar, agir como se nada me afetasse. Quando se é Cato Stroke, as pessoas iram notá-lo.

Estávamos no último mês de aulas. O estranho e gordo professor de Física passava pelas nos dando as células para a eleição da corte do baile de primavera.

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Alguns alunos escreviam em seus papeis, outros estavam escrevendo mensagens de texto uns para os outros. Observei os que estavam rabiscando as cédulas olharem para mim. Sorri. Qualquer outro podia ter baixado os olhos, tentar parecer tímido e modesto, como se se sentissem envergonhados por seu nome estar ali... mas não havia sentido em negar o óbvio.

-Meu nome também está. – Marvel chamou minha atenção, batendo em meu braço.

-Ei, cuidado! – esfreguei o braço.

-Cuidado você. Com esse sorriso estúpido no rosto, como se já tivesse

ganhado e estivesse concedendo aos paparazzi a oportunidade de tirar uma foto sua.

-E estou errado? – sorri mais amplamente, para chateá-lo, e lancei uma

saudação como em um desfile. A câmera do telefone de alguém clicou justo nesse momento, como um sinal de exclamação.

-Eu não deveria permitir você viver – disse Marvel.

-Ok, obrigado. – pensei em votar em Marvel, só para ser amável. Ele era bom para saídas cômicas, mas não tão dotado no departamento do aspecto físico.

Sua família não tinha nada de especial... seu pai era médico ou algo assim.

Colocariam os votos totais no jornal do colégio, e seria bastante embaraçoso para Marvel se ficasse em último ou se nem sequer conseguisse votos.

Por outro lado, seria legal se eu ficasse com o dobro de votos que o candidato mais próximo. Além do mais, Marvel me adorava. Um autêntico amigo iria querer que ganhasse o melhor.

Essa era uma coisa que meu pai sempre dizia:

Não seja bobo, Cato, não faça as coisas por amizade ou amor. Porque no fim o único que realmente ama você é você mesmo.

Dobrei minha cédula para evitar que Marvel visse que eu tinha votado em mim mesmo. É claro, eu sabia que ele tinha votado em si mesmo também, mas isso era diferente.

Foi então quando uma voz chegou da parte de trás da sala.

-Isso é ridículo.

Olhei para o lugar de onde vinha a voz, a louca gótica sentada atrás. Era uma garota gorda, vestida com um tipo de túnica negra longa que normalmente só se vê em bruxas e terroristas, e seu cabelo era um estranho tom de vermelho. Era impressão minha ou ela parecia uma raposa?

-O que é asqueroso, senhorita... senhorita...?

-Foxface – respondeu.

Ri baixo da ironia em seu nome.

-Foxface, aconteceu alguma coisa?

- Sim, aconteceu alguma coisa com o mundo – Ela se pôs de pé como se estivesse dando um discurso. – Algo muito ruim, quando estamos no século XXI e esse tipo de paródia elitista continua se perpetuando. – Segurou alto sua cédula. As pessoas riram.

-É uma cédula para escolher a realeza – disse Marvel.

-Exatamente – disse a garota. – Quem são essas pessoas? Por que deveriam ser tratados como a realeza? As pessoas dessa cédula foram escolhidos apenas pela sua beleza física.

-Isso é genial. Todos votaram, e são esses que eles escolheram. É um processo democrático – a respondi, me levantando.

Ao meu redor se levantaram alguns polegares, houve alguns “muito bem,

cara”, particularmente de Glimmer. Mas notei que as pessoas, sobretudo gente feia, permanecia em silêncio.

-São ovelhas seguindo o rebanho. Votam nas pessoas populares porque é simples. Beleza superficial, cabelo loiro, olhos azuis... – ela me olhava - ... sempre é fácil de reconhecer. Mas se alguém é mais corajoso, mais forte, mais inteligente, é mais difícil de ver.

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-Se fossem tão inteligentes, achariam um jeito de ficarem mais bonitos. Podia perder peso, fazer cirurgia plástica e até mesmo conseguir que raspassem seu rosto e branqueassem seus dentes. – Enfatizei o seu na última frase para que soubesse que me referia a ela e não só a um grupo em geral. – Meu pai trabalha no noticiário. Disse que as pessoas não deveriam ter que olhar para as pessoas feias.

-É isso o que você acha? – arqueou uma sobrancelha – Que todos

deveríamos nos transformar para ser como você quer que sejamos, Cato Stroke?

-Sim – eu disse - É isso que eu acho. É isso o que eu sei.

-Então será melhor que nunca seja feio, Cato. Você é feio agora, por dentro, onde realmente importa, e se algum dia você perder seu atrativo, aposto que não estará suficientemente pronto e forte para recuperá-lo. Cato Stroke, você é uma besta.

Besta. A palavra pertencia a outra época e lugar. Me fez pensar em contos de fadas, e senti uma cócega diferente, como se poros de meus braços tivessem se prendido fogo pelo seu olhar. Esfreguei-os.

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-Essa garota gótica de inglês é estranha – disse a Marvel quando nós

estávamos nos vestindo para Educação Física.

-Arrá, ficou com medo? – ele riu.

-Depois de dez anos vendo sua cara feia, nada mais me assusta.

Mas era verdade. Quando a garota tinha dito isso de que seria melhor que nunca ficasse feio, quando tinha me olhado pela última vez, tinha sido como se soubesse coisas de mim, coisas como que costumava chorar quando minha mãe havia nos abandonado. Mas isso era estúpido. Ela não sabia de nada.

– Me dá calafrios que exista sequer gente assim – murmurei.

-E venha a esta escola supostamente exclusiva para arruiná-la para o resto de nós.

-Alguém deveria fazer algo a respeito.

De verdade acreditava nisso. Tinha tentado agir como se não fosse grande coisa, ser elegido príncipe e tudo isso, mas de certa forma era. Este deveria ter sido um bom dia para mim, mas essa bruxa o tinha arruinado.

Era assim que eu pensava dela: uma bruxa. Normalmente, teria utilizado uma palavra diferente, uma palavra que rimasse com bruta. Mas algo na garota, a forma com que tinha me olhado com aqueles olhos aterrorizantes, de uma cor verde que nunca tinha visto antes, me fez pensar em uma bruxa.

-Alguém deveria dar uma lição nela – falei - Não é diferente de todos os outros. Se pudesse entrar em nosso grupo... entraria. Qualquer um entraria.

E então, soube o que ia fazer.

Depois do treino, procurei a garota pela escola, a encontrando sentada em uma mesa no pátio. Ela tinha um espelho no colo, desses antiquados como de magos, como na Branca de Neve.

-Para que é o espelho? – perguntei, pensando que era difícil que uma garota feia levasse por aí um espelho grande. Difícil para qualquer uma, na realidade. Ela ignorou a pergunta.

-A que devo essa honra? – devolveu com outra pergunta.

-Eu não diria que é uma honra. Só estava... pensando – murmurei.

-Isso deve ter sido uma experiência para você – ela disse sarcasticamente.

-Eu estava pensando no que você disse na aula. E decidi que você tem razão.

-Sério? – perguntou incrédula.

-Sério, de verdade. Por aqui julgamos as pessoas por sua aparência. Alguns como eu... vamos encarar, tenho um aspecto melhor que a média, e o tenho mais fácil que...

-Eu?

Me encolhi de ombros.

-Isso parece certo para você? – ela perguntou.

-Nunca tinha pensado nisso, sabe? Quero dizer, não posso evitar ser como nasci – respondi.

-Interessante – ela disse.

-Você é mesmo bastante interessante – falei, sorrindo.

Ela olhou seu relógio, como se tivesse algo para fazer.

– É isso que você veio me dizer?

Bruxa.

-Na realidade não. Eu estava pensando no que você disse, e pensei que talvez devia... expandir meus horizontes um pouco - essa era uma frase do meu pai. Sempre estava me dizendo que devia expandir meus horizontes, o que normalmente significava trabalhar mais – Você sabe, conhecer outros tipos de pessoas.

-Pessoas feias? – ela perguntou.

-Pessoas interessantes – corrigi.

-Como eu?

-Exatamente. Então me perguntava se, hum, se viria comigo no baile da

semana que vem.

Ela me olhou, e as partes verdes de seus olhos pareceram brilharem e a ponto de ferver os lados de seu nariz ossudo. Impossível. Então sorriu. Foi um modo estranho de sorrir, intrigante.

-Sim. Sim, quero ir com você – respondeu por fim.

É claro que queria.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.