– Gata, tenho um babado pra te contar! – Laura gritou na outra linha, assim que atendi ao telefone.

– O que foi? Você tá grávida? – Brinquei, enquanto digitava no computador da recepção. Desde que comecei a trabalhar com Daniel, as coisas estavam totalmente diferentes. Não implicávamos um com outro, a única coisa que ele queria era os cinquenta relatórios que pediu na mesa dele no fim do dia. E agora eu o odeio muito mais que antes.

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– Não, sua idiota. – Ela bufou e eu dei uma risada contida. Tecnicamente, celulares eram proibidos no trabalho. – Não, mas agora é sério. Você tá sentada? Se não tá senta porque é uma bomba.

– Nossa, Laura, você tá me assustando. O que aconteceu?

– O Antônio engravidou uma menina. – Ela falou rápida e eu parei de digitar, prendendo a respiração. – E eles vão se casar.

– O quê? Quando isso aconteceu? Que menina? – Disparei, o coração a mil. Não, não, não podia ser verdade.

– Eu não sei quando aconteceu, amiga! Quem me contou foi a Fátima, irmã da Gisele que é melhor amiga da Thais, que tá grávida de mais ou menos uns dois meses. – Explicou meio embolado, mas por incrível que pareça eu entendi perfeitamente.

– Thais Azevedo? Do terceiro ano? – Perguntou e ela murmurou, confirmando. Dei uma risada sem humor. – E você acha que Antonio vai casar com ela por causa disso? Pelo amor, é o Antonio, ele não se casa.

– Mas vai ter que casar baby. Esqueceu que a mãe dela é aquela advogada super famosa, e que o pai dela é delegado? Fatinha disse que caso Antonio não cassasse com a menina, eles ameaçaram o acusar de estupro. – Continuou e eu apenas escancarei a boca. Toni havia se ferrado todo. Por que eu não tinha pena dele? Ah é, porque ele sai comendo São Paulo inteiro e nem se dá ao trabalho de usar prevenção. – Lena, tá ai? – Chamou e só então percebi que não havia falado nada.

– Hm, to sim. Olha Laura, a conversa tá muito boa mas eu preciso voltar ao trabalho. Nos vemos depois?

– Claro! – Concordou, sempre animada. Eu não sabia se chorava ou se dava um ataque de raiva. – Nos vemos no aniversário da Mari.

– Ok, até lá. Beijos, amiga. – Desliguei, jogando meu celular de qualquer jeito dentro da mochila. Encarei a tela do computador, sem necessariamente vê-la. Não surta, Milena Vasconcellos, não surta! Ordenava a mim mesma, bufando enquanto duas lágrimas idiotas escapavam dos meus olhos. Limpei-as rapidamente, e logo o telefone – da recepção, não o celular - começou a tocar.

– Sim? – Atendi, tentando fazer a minha voz não soar como uma bezerra recém-nascida.

–Milena, você fez o relatório que eu pedi? – A voz de Daniel soou do outro lado. Merda, merda.

– Fiz... Metade. – Respondi culpada.

– Só a metade? Traga-me eles aqui. – Ordenou, parecendo irritado. Murmurei um sim senhor e desliguei, pegando os relatórios que já estavam impressos e entrando em sua sala.

– Aqui está, senhor Daniel. – Coloquei-os em sua mesa e me virei pra sair da sala, sem nem olhar em seu rosto. Porém quando já estava perto da porta, Daniel me chamou.

– Espera! Você está bem? – Perguntou e eu respirei fundo.

– Estou. – Respondi, sem me virar pra ele.

– Você ainda não percebeu que não adianta mentir pra mim? Eu sei que não está. – O homem tentou de novo, e finalmente eu virei pra encará-lo.

– Desde quando você se importa?

– Milena, é a única coisa que eu faço desde que te vi falando com a sua mãe no telefone. – Retrucou um pouco indignado. Franzi o cenho.

– Não necessariamente. Nas ultimas duas semanas você gastou bastante tempo sendo um idiota. – Zombei.

– O que aconteceu? – Ele se levantou, ignorando totalmente a minha frase.

– Ah...bom, eu gosto de um garoto, o Antonio, há anos. Ele sempre soube disso, e me usa só pra “satisfazer” as suas vontades. E agora eu descobri que ele engravidou uma menina, e bem, eles vão se casar. – Disparei de uma vez. Espera ai, por que diabos eu estava contando sobre a minha vida pro meu chefe?

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– Nossa, você deve estar se sentindo péssima, né?

– Eu estou me sentindo uma estúpida, isso sim! Cara, como eu pude deixar ele me usar desse jeito, por tanto tempo? Poderia ser eu no lugar dessa menina. Burra, burra, burra! – Explodi, gritando comigo mesma.

– É, é muita burrice mesmo. – Concordou e eu o encarei, indignada. – O que foi?

– Não era pra você concordar, seu Zé mane. Era pra vo... Ah, quer saber, esquece. Você nem deve estar interessado na minha história mesmo. – Suspirei, colocando a mão na maçaneta. Mas Daniel me impediu mais uma vez, segurando meu ombro.

– Ei, Milena, espera. É claro que eu estou interessado. E quer saber a minha opinião? Acho esse Antonio um moleque imaturo que não merece que você fique assim por causa dele. – Falou sério, me encarando nos olhos. Dei uma risada sem humor.

– É meio difícil quando não tenho como me distrair.

– Talvez você tenha. – Sorriu, puxando a minha mão. – Vem comigo.

– O que? Daniel, não podemos sair agora. Estamos em horário de trabalho. – Chiei, mas o seguindo.

– Ah, eu não tenho mais nenhum cliente hoje. Então estou nos dando folga. – Respondeu, sapeca. Revirei os olhos, me soltando de sua mão e pegando a mochila. – Vamos? – Assenti e nós saímos da sala.

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– Não vou assistir a esse filme! – Exclamei, batendo o pé.

– Qual o problema com esse? – Daniel bufou, impaciente. Eu o entendia. Era a sétima vez que eu falava essa frase desde que começamos a olhar o catálogo de filmes no cinema. – Tem sangue, gente morta, tudo o que você precisa pra se distrair.

– Lógico que não. O que eu preciso agora é de um pote de sorvete, uma caixa de lencinhos e uma comédia romântica pra eu chorar e gritar aos plenos pulmões porque a minha vida não é assim. – Retruquei, segurando a risada ao vê-lo arregalar os olhos.

– Pensei que você não fosse esse tipo de garota. – Comentou, desviando os olhos pro cartaz com homens armados a nossa frente.

– Eu sou mal educada, mas ainda sou uma garota. – Respondi, e dessa vez foi ele quem segurou a risada. – E se você contar a alguém que eu acabei de admitir isso, eu corto a sua cabeça de baixo.

– Vá comprar a pipoca que eu compro os ingressos. – Ignorou minha ameaça, jogando uns trocados pra cima de mim. Rolei os olhos, pegando as notas e indo até o balcão. Pedi dois potes grandes de pipoca e duas cocas. Olhei pra trás, e ao ver que Daniel estava ocupado com os ingressos, cuspi no seu pote. Uma pequena vingancinha por me fazer assistir aquele filme nojento. Caminhei até ele, o entregando seu pote cuspido e sua coca. A fila pra aquela sessão não estava muito grande então logo entramos.

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– Daniel – Sussurrei pra ele, meia hora depois do filme começar. Eu estava entediada e enojada por causa de todas aquelas cenas sangrentas, então decidi conversar. O homem se virou pra mim.

– O que foi?

– Qual é o seu objetivo na vida? – Perguntei de repente. Daniel fez uma careta.

– Que tipo de pergunta é essa? – Implicou, mas quando viu que eu ainda o encarava, suspirou fundo. – Me tornar um advogado conhecido, formar uma família, ser saudável até os 80 anos...

– Só isso? – Interrompi, indignada. – Vai dizer que nunca quis saltar de paraquedas, ir até o espaço, nadar com tubarões?

– Prefiro manter os pés no chão, obrigado. – Sorriu fraco, voltando seus olhos pro filme.

– Mas qual é a graça de sonhar se não for tirar os pés no chão? – Insisti novamente.

– Você perguntou meus objetivos, não meus sonhos. – Ele retrucou.

– Então quais são os seus sonhos, Daniel? – Corrigi, olhando no fundo de seus olhos. Ele sustentou o meu olhar. – O que você quer nesse exato momento?

– Beijar você. – Murmurou mais pra ele do que pra mim. Prendi a respiração, surpresa.

– Então por que não faz isso? – Murmurei de volta, me aproximando mais.

– Porque eu sou o seu chefe. – Arqueou as sobrancelhas e eu bufei. – E eu prometi.

– Aqui, você é só um conhecido. – Coloquei as mãos na sua nuca, sorrindo fraco. – E acho que não me importo de você quebrar essa promessa. É por uma boa causa.

– Você não existe, garota. – Daniel riu contra o meu pescoço, fazendo os pelos do meu braço se arrepiar. Antes que eu pudesse responder, o homem segurou meus cabelos fortemente com a mão, grudando sua boca na minha. Mordi seu lábio inferior, o provocando. Daniel grunhiu e pediu passagem com a língua, a qual eu assenti automaticamente. Beijávamos-nos de um jeito diferente, feroz, desesperado. Eu arranhava sua nunca e ele bagunçava meus cabelos. Minutos depois, separei o beijo, desesperada por ar.

– Você acabou de tornar o filme muito mais interessante. – Sorri maldosa, quando me recuperei.

– Shiu. – Sussurrou se inclinando pra me beijar mais uma vez. E eu, feliz da vida, permiti.

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– Não sabia que você era mestre no quesito corações despedaçados. – Comentei horas depois, na praça de alimentação, enquanto roubava uma batata frita da sua caixa.

– Eu tenho duas irmãs mais velhas e três mais novas. Lidei a minha vida inteira com mulheres e seus corações despedaçados. – Respondeu, dando um tapa em minha mão quando tentei pegar outra. Fiz bico. – Você tem suas próprias batatas.

– As suas estão mais gostosas. – Resmunguei, mas ainda assim comendo uma batata da minha caixa. – Então suas irmãs foram as únicas mulheres com quem lidou? Tipo, nunca teve uma namorada?

– Claro que tive namoradas. – Daniel falou rapidamente, quase que como se sentisse ofendido. Homens. – Minha última se chamava Mônica. Nós namorávamos há dois anos e fazíamos faculdade juntos.

“Durante as férias de verão, resolvemos viajar pro Rio de Janeiro e ficamos hospedados numa pensão caindo aos pedaços na frente da praia. O filho da dona era um vagabundo surfista que se chamava Eduardo. Mônica ficou louca por ele. Eu voltei. Ela não.”

– Nossa, que triste. – Eu disse séria, mas segurando a risada por dentro.

– Eu nem gostava tanto dela assim. – Deu de ombros, dando um gole na sua coca. – E acho que eu até entendi. Se me chamasse Romeu e conhecesse uma Julieta, eu me sentiria na obrigação de ficar com ela. * - Ele argumentou, pensativo, e eu involuntariamente dei uma gargalhada. – Fiquei sabendo que eles tiveram gêmeos no início do ano.

– Ai meu Deus! – Exclamei, já sem ar. Daniel já estava quase me abanando quando meu celular tocou, me fazendo dar um pulo. – Oi, mãe. – Atendi, a voz estranha por causa do riso contido.

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– Querida, onde você está? A festa da sua irmã já começou. – Ela falou do outro lado da linha e eu paralisei. Daniel me olhava preocupado e eu só encarava o nada, de olhos arregalados.

– Puta merda! Eu esqueci! – Bati a mão na testa. – Ai, mãe, desculpa, eu esqueci totalmente!

– Como assim você esqueceu? – Exclamou de volta, sua voz histérica sendo abafada pelo barulho da praça de alimentação. – Milena, onde você está? Que barulho todo é esse?

– Eu estou... Em lugar nenhum! Na verdade, eu já estou indo pra casa, mãe, chego ai em 20 minutos. Não surte! – Desliguei rapidamente, não a dando chance de responder. Peguei minha mochila e olhei culpada pra Daniel, que apenas suspirou.

– Vou começar a cobrar. – Brincou, pegando a chave da sua moto e levantando. Sorrindo, corri até ele e beijei sua bochecha.

– Muito, muito obrigada!

– Não agradeça agora. Depois você vai me compensar decentemente. – Comentou, malicioso. Rolei os olhos, pegando em sua mão e o puxando em direção ao estacionamento.

* “Eduardo e Mônica” é uma música muito conhecida da banda Legião Urbana. Desde então, o nome do casal se tornou tão clássico quanto Romeu e Julieta.