Após os guardas levarem-no, seu pai deixou o estúdio. Não ficaria para ver seu filho ser massacrado. Esperaria do lado de fora, para a remota possibilidade de o filho ser liberado.

Às 20h em ponto começava o programa. A música subia, a platéia gritava e milhões acompanhavam do conforto de suas casas. Na prisão, ou nas prisões, os condenados cantarolavam juntos o tema instrumental de abertura.

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O apresentador J. Sinclair entrava sempre sorridente, correndo um trotezinho sem graça.

– Boa noite, senhoras e senhores, estamos começando mais um: 5 perguntas para a liberdade! – Que entre o convocado!

Dois guardas governamentais entraram com Irwin algemado pelas mãos e pés. As algemas eram ligadas a uma corrente que circundava sua cintura. Ele foi conduzido para a câmara de gás, que daria fim a sua vida caso errasse alguma das perguntas.

Quando os presos do XXIII Centro Integrado de Serviço Prisional viram seu representante pisar o palco, foram à loucura. Gritavam como guerreiros medievais vendo seu líder enfrentar o inimigo que desejava fazê-lo sangrar.

Devidamente arrumado e assentado na cabine, com fones de ouvido e microfones ligados, ouvia o apresentador narrar com intensa dramaticidade as regras do show.

– Vamos para a primeira pergunta de cinco. Lembrando que se você errar, a câmara se encherá de gás e você estará eliminado... Do planeta - prosseguiu, arrancando gargalhadas dos presentes – A categoria é: História. Primeira pergunta: Na primeira guerra mundial o Império Britânico, a França e o Império Russo formavam a Tríplice Entente e sob a liderança dos franceses lutaram contra a tríplice Aliança, que era formada por quais países? Sessenta segundos para a resposta – silêncio total no auditório. Irwin não esboçou reação. Apenas olhava para o apresentador, estático. Depois de cerca de dez segundos, inclinou-se levemente para frente, o suficiente para o microfone captar sua voz e respondeu:

– Alemanha, Império Austro-Húngaro... – hesitou e prosseguiu - e Império Otomano.

– Resposta... Certa!

Festa nas casas, refeitórios prisionais e auditório. Um certo homem de cabelos e bigodes brancos vibrava, contido, em sua sala: “Aquele monte de livros serviram para algo” – falava consigo mesmo.

Prosseguia o programa e os nervos permaneciam sempre à flor da pele.

– Vamos à segunda pergunta desta noite e o tema é.... Regime Extremo: Em que ano foi suplantada a antiga Constituição e a Carta universal dos direitos humanos?

– Lembro-me como se fosse ontem...- disse Irwin com segurança – Ano 2049.

Antes que o apresentador confirmasse a resposta, a platéia já explodia, pois era uma questão não muito difícil.

Irwin estava eufórico. Queria conquistar sua vitória pessoal perante a Nova Ordem instituída.

– Terceira pergunta, e o tema é... Ciências: No ano de 2018, uma bactéria afetou drasticamente os cachorros, sofrendo mutação e matando milhares de seres humanos em seguida nas extintas América do Sul e América do Norte, culminando assim no necessário extermínio de todas as raças de cães do planeta. Como ficou conhecida popularmente a Bactéria HC beta-11? – O apresentador lia a pergunta e sabendo da iminência da morte do condenado, fazia caras e bocas, dando o tom dramático, enquanto aguardava a resposta. Sabia que, pelas regras do governo, as perguntas seriam feitas mediante análise dos interesses dos presos, baseadas nos livros que liam, nas conversas que tinham etc. De qualquer forma, seria impossível que uma pessoa decorasse uma enciclopédia completa, e errar seria uma questão de sorte. Ou azar.

– O nome da doença deriva do Latim, mas... – forçou a mente, pois fazia décadas que a praga fora erradicada – Catulinus Morten era o nome – Não sabia ao certo se havia acertado. Chutara por uma breve lembrança, mas poderia ter errado uma das palavras. Uma música de suspense pairava no ar e o apresentador confirmou a resposta positivamente.

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Por força de lei, o apresentador não podia ficar entrevistando o condenado, sob pena de o canal de Tv pagar uma multa milionária e o showman encarcerado por quebrar uma lei. No máximo perguntava-se o nome do prisioneiro e faziam-se as perguntas. Desse modo, e devido à alta audiência, enchia-se o programa com propagandas de patrocinadores, desrespeitando totalmente a dor e agonia do preso.

Dessa vez Irwin sentiu o gosto do gás na boca. Respondeu sem muita convicção, o que poderia decretar o seu fim. Limpou o suor da testa esfregando as mangas compridas do blusão laranja e preparou-se para seguir.

Voltando dos comerciais, o apresentador com seu sorriso irritante anuncia a penúltima pergunta.

– A quarta pergunta é: Qual o nome do biogeneticista inglês que em 2027 após a primeira clonagem de um ser humano bem sucedida da história, possibilitou a clonagem de órgãos humanos para transplantes?

Mais uma questão que deixou Irwin totalmente em dúvida. Já havia lido sobre esse assunto, com toda certeza, porém confundia dois cientistas renomados na descoberta do procedimento correto a ser utilizado na clonagem de humanos. Um deles era Michael Phillip Wilman e o outro, recordava-se apenas do primeiro nome, Benny. Um deles foi o responsável pelo procedimento correto. O outro conseguiu, a partir da técnica criada pelo primeiro, criar órgãos humanos em laboratório, com o intuito de serem utilizados em transplantes, não necessitando assim de que se criassem clones humanos para retirada de órgãos, sendo descartados em seguida.

Mas não adiantava saber de toda essa informação, pois se errasse a sala se encheria do maldito gás verde que o sufocaria até a morte, diante de milhares de pessoas.

Em sua cabeça, o sobrenome Phillip soou mais Inglês do que Benny. Não sabia explicar sua lógica, porém os sessenta segundos já se esgotavam e ele tinha que jogar as cartas na mesa. Não havia tempo para blefe, então Michael Phillip Wilman foi a resposta. E resposta correta.

No presídio de origem do preso, todos estavam excitados. A testosterona pairava no ar. Prisioneiros de olhos fixos na tela da grande Tv. Por alguns instantes até mesmo os guardas relaxaram da posição de sentinelas e assistiam a tudo de cima do mezanino que cercava o local. Os chapéus estavam postos em cima da mesa, juntamente com o dinheiro das apostas que faziam entre si.

No programa, Irwin estava perto do objetivo final, onde sua sorte seria lançada numa escolha que ele mesmo faria. Se escolhesse a porta certa, estaria livre, mas ainda faltava uma pergunta. Apenas uma. E ela foi feita. Deveria responder quantos estados compõe o país atualmente. Como qualquer aluno do primário, que não necessariamente um expert, saberia responder que cinquenta unidades da federação compunham o país, porém algo lhe disse que tudo estava muito fácil. A pergunta mais simples de todas seria justamente a última? Será que estavam facilitando para poder aumentar a audiência no fim do programa e assim lucrar com os patrocionadores, ou não?

O tempo urgia. Irwin estava com as mãos suando. Sabia a resposta, mas queria esperar mais. Olhava o relógio gigantesco que ficava sobre o palco principal e os segundos não o ajudavam, seguindo sem dó. Faltavam poucos segundos para o fim do tempo, quando se lembrou de algo. Um estado americano havia sido suprimido e se unido a um outro próximo, depois que a população, quase na sua totalidade, fora dizimada à época da Catulinus Mortem.

– O tempo está se esgotando, bom homem. Sabe qual é a resposta? – O apresentador deixara sua voz em um timbre mais grave que o habitual.

O homem na cabine suava. O diretor em sua sala estava de pé. Os guardas, prisioneiros e demais funcionários estavam prestes a explodir de ansiedade. Jason, o companheiro de cela era um dos mais agitados. Enquanto todos estavam quietos esperando a confirmação do apresentador, ele quebrava o silêncio da falsa mansidão gritando: “Vamos, garoto! Não deixe eles decidirem por você! Não lhes dê esse gosto!”.

Do lado de fora do estúdio, sozinho, sentado na calçada, o velho homem, o pai do escolhido, olha para as estrelas com o olhar perdido quando escuta as vozes ensandecidas gritando no interior do prédio. Seu filho havia acertado a última uma pergunta.

Lembrou-se, em cima da hora, que o estado Rhode Island havia sido incorporado à Conecticute. A nação parou para assistir ao programa. Até mesmo as pessoas que não tinham o hábito de assistir o show, normalmente não resistiam em sentar-se de frente a Tv quando o condenado conseguia passar para a fase seguinte: As 5 portas.

A tranca da cabine foi aberta e a atração ovacionada. Imaginou os presos cantando seu nome, como na saída da prisão, e lembrou-se novamente daquele sentimento de bem estar proporcionado no provável último dia de sua vida. Sorriu e acenou. Estava com uma expressão estranhamente tranqüila para quem tinha quatro portas de desvantagem contra apenas uma.

O apresentador o lembrou do que deveria fazer e ele foi conduzido até uma grande porta de aço ser fechada atrás dele. Seguia agora em silêncio, sozinho, por um corredor largo, iluminado por grandes luminárias presas no alto de suas paredes de concreto. Parecia um túnel que levava a um bunker, pensou naquele momento.

Alguns passos adiante e Irwin estava de frente para as cinco grandes portas. As luzes mais fortes se acenderam e ele ouvia o ruído das lentes das câmeras, controladas de algum lugar fora dali, regulando o foco para ajustar a imagem. Era chegada a hora e ele deveria escolher qualquer uma das portas. Somente uma traria a liberdade. Em pé, de frente para as portas, desviou o olhar para a parte de baixo, tentando ver alguma movimentação atrás de uma delas, porém nada de anormal notou. Pensou que provavelmente, atrás de alguma delas, deveria haver um pelotão de fuzilamento com alguns soldados loucos para acabar com sua vida.