O despertador tocou sem parar.

O barulho era incrivelmente alto e irritante, ou nem tanto assim – talvez fosse apenas para ela, cujo humor não estava em seus melhores dias. Tateou com uma das mãos até conseguir encontra-lo e, em seguida, o bateu. Só se esqueceu de regular a força e acabou por mandar o despertador, que apenas cumpria o propósito para o qual foi criado, para longe. Suas peças se espalharam para todos os lados ao se chocar contra a parede, soltando seus últimos grunhidos antes que finalmente fosse silenciado.

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— Irritante... – resmungou ela, ainda com os olhos cerrados e totalmente enrolada pelas cobertas.

Não estava com qualquer vontade de sair das cobertas naquele frio matinal, o qual havia se tornado muito pior depois da tempestade da noite anterior. Ela estava prestes a voltar a dormir, mas como forma de vingança, uma das molas do despertador saltou para fora e empurrou uma engrenagem presa na sua ponta em direção a um dos livros na prateleira sobre a cama, o qual caiu sobre a cabeça da garota, arrancado assim um gemido de dor.

— Eu já entendi... Eu já entendi... – reclamou enquanto saía da cama, ainda enrolada nas cobertas. – Que frio.

Ela alugara aquele quarto tinha algum tempo. Ficava no segundo andar de um pub, onde normalmente alguém da idade dela não tinha qualquer permissão para frequentar, muito menos alugar um dos quartos. Um problema simples que com uma certa quantia de dinheiro, a idade em si não importava.

Um dos motivos pelo qual escolheu aquele lugar era sua localização, tornando praticamente impossível encontrar algum conhecido ali, pois seus frequentadores eram em grande parte trabalhadores industriais – os quais passavam o dia todo nas fábricas e metalúrgicas produzindo peças e montando aqueles tais automóveis que pouco a pouco tomavam as ruas das cidades grandes.

O outro motivo era a discrição. Muitos dos clientes ali eram pessoas comprometidas se aventurando em outros casos, assim como aqueles que apenas queriam ficar sozinhos e não serem encontrados. E como dito anteriormente, bastava pagar a quantia certa de dinheiro que você nunca esteve naquele local, ou ninguém nunca viu você por ali.

Os quartos eram relativamente pequenos, contendo apenas uma cama de solteiro e uma cômoda com três gavetas. O quarto que ela havia alugado possuía algumas prateleiras com livros antigos sobre a cama e uma pequena mesa com luminária, não importando muito para ela, que só aparecia algumas vezes na semana para fazer suas pesquisas e dormir logo em seguida. Os livros nas prateleiras eram registros e documentos antigos onde ela precisou passar por algumas dificuldades e apertos para consegui-los.

Apesar de ter um quarto no dormitório da academia, não queria fazer suas pesquisas lá porque sabia que estava sendo vigiada, havia sentido os olhos de alguém sobre ela algum tempo atrás. Não importasse em que parte ela estivesse, sempre sentia que havia alguém por perto a vigiando constantemente, mas ela nunca conseguiu descobrir quem era. A presença só a seguia enquanto estivesse dentro do território da academia e, uma vez que estivesse fora dos limites dela, a presença parava de lhe seguir e desaparecia.

As cobertas caíram, revelando seus longos cabelos negros e a pele pálida tão alva quanto neve, quando ela parou estática diante do relógio em frente a cama.

— Merda... Estou atrasada.

◊◊◊

— Por favor, me deixe ir.

Pediu a garota, presa contra a parede e sem qualquer forma de sair dali.

— Por que? Não quer ficar com a gente aqui? Está ficando tão divertido.

Os alunos que passavam por ali desviavam o olhar ou procuravam nem mesmo saber o que estava acontecendo. O grupo de quatro garotos que cercava a garota encarava feio quem quer que tentasse se aproximar para ajudar – tinham a aparência um pouco mais velha, o que informava serem alunos de anos superiores.

— Sabe, você até que não é nada ruim – disse o garoto com um sorriso malicioso. – Mesmo para uma mera plebeia.

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— Isso soa engraçado vindo de você, Ethan – caçoou outro garoto do grupo. – Achar uma imunda como ela bonita.

— Eu não disse que ela era bonita, disse que não era nada ruim – refutou ele, com certa irritação na voz.

— Por favor, me deixem ir embora – pediu a garota mais uma vez, a voz rouca e quase chorando.

Seu corpo pequeno e delgado não era forte o suficiente para se livrar das mãos daquele que a prendia contra a parede. Seus pulsos finos pareciam prestes a quebrar conforme ele apertava com mais força, causando uma dor incomoda. Ela não parava de tremer, estava com medo e em choque, sem poder fazer nada para revidar ou escapar dali.

Os alunos que passavam por eles não pareciam ter qualquer intenção de ir socorrê-la daquela situação mesmo que seus olhos lacrimejantes implorassem por ajuda. Ela também não os culpava ou amaldiçoava algum deles por aquilo, era uma atitude natural para eles: evitar se envolver com problemas alheios ou se arriscar por outras pessoas, ainda mais quando se tratava de apenas uma plebeia como ela.

Tudo o que ela podia fazer era tremer e implorar de maneira impotente diante daquela situação.

— Aliás, eu estou curioso sobre essa tiara de flores. Elas são de verdade?

O garoto, Ethan, pegou uma delas de maneira bruta e puxou fora, fazendo a garota soltar um grunhido de dor no mesmo instante. Isso arrancou uma série de risos dos garotos que a cercavam, vendo que toda vez que eles arrancavam uma flor ou botão da tiara na cabeça dela, ela reagia com um grunhido, contorcendo o rosto em dor.

— E-Ei!

Alguém gritou chamando a atenção do grupo.

— Vocês não acham que... que estão sendo covardes?!

Era um garoto franzino, cujos os cabelos castanhos e encaracolados cobriam a parte esquerda dos olhos. Ele devia ser mais novo que os membros daquele grupo e isso fez com que eles o encarassem e caíssem na gargalhada logo em seguida, debochando da aparência magricela e franzina dele.

— É amigo dela?

— O que é que você quer aqui, moleque?

Foram as perguntas que o grupo lançou enquanto ainda estava com lágrimas nos olhos por tanto gargalharem. Depois, dois deles andaram calmamente em direção ao garoto e o encararam de cima para intimida-lo e o deixar com as pernas bambas.

— Não acham que... que estão sendo covardes demais...? Cercando uma... uma garota sozinha em grupo? – disse ele, evitando olhar os olhos dos dois diretamente.

— E? Vai fazer alguma coisa por acaso?

— Vai, seu merdinha, faz alguma coisa.

Eles o empurravam de um lado para o outro o provocando para fazer alguma coisa, mas sabiam que ele não faria nada porque não podia fazer nada, era fraco demais. O empurraram mais algumas vezes até que ele caísse de costas contra o chão, em seguida começaram a pisá-lo.

— E então, vai fazer o quê?

— Não vai revidar? Revida, seu merdinha?

Ethan e o outro garoto também começaram a gargalhar daquela cena. Não demorou muito para que os alunos que passavam por ali começassem a se juntar para observar o que estava acontecendo – alguns observando chocados, outros achando engraçado, e haviam aqueles que se mantinham indiferentes.

— Por favor, pare! – implorou a garota. – Deixe-o em paz, ele não fez nada para vocês.

— Não enche, vadia. Não está vendo que isso é muito engraçado?

A cena durou por alguns instantes, o garoto caído no chão com as roupas todas sujas e o rosto machucado com pequenos ferimentos. Ainda insatisfeitos, eles decidiram ir mais além e cada um deles resolveu pisar sobre uma das mãos do garoto, pressionando levemente os dedos dele contra o chão enquanto arrancavam gritos de dor.

— Parem com isso, por favor!

Antes que qualquer um ali pudesse perceber o que foi que aconteceu, um dos agressores foi jogado contra o chão sem qualquer piedade.

— Ei, você tá legal? – perguntou alguém.

— O que...? Quem é? – perguntou o garoto, confuso, os olhos embaçados pelas lagrimas dificultando sua visão.

Em pé em frente a ele havia a figura de uma garota. Seus cabelos eram longos e tão pretos quanto a própria escuridão. Os olhos calmos eram tão negros quanto breu e tinham longos cílios. Em contraste com seus cabelos e olhos pretos, a pele era de um puro alvo, como a própria neve – podia-se ver até mesmo algumas de suas veias sob a pele. Seu rosto, belo e sereno, era complementado pelos pequenos lábios rosado e a pequena pinta sob o lado inferior esquerdo.

— Sua vadia imunda! – o outro gritou garoto, partindo para cima dela com violência.

Ele não se importava se era uma garota bonita, ela havia os atacados, era motivo mais que suficiente para revidar. Sem hesitação alguma, ele avançou e tentou agarrá-la pelos cabelos, mas ela desapareceu do seu campo de visão.

Com um rápido movimento, a garota segurou a mão de seu agressor e a torceu para trás, fazendo com que ele se contorcesse de dor. Em seguida, o golpeou com o nó dos punhos na garganta. Assim que ele caiu de joelhos segurando o pescoço enquanto tinha dificuldade para respirar, a garota o segurou pelos cabelos e o acertou no nariz com o joelho – sangue jorrou. Como se não fosse o suficiente, colocou seu pé direito sobre a cabeça dele e começou a pressioná-la contra o chão com o seu peso.

Aconteceu tão rápido que os alunos reunidos ali só conseguiram reagir instantes depois – alguns gritando em apoio a ela, outros gargalhando dos dois que apanharam feio.

— Quantos? – ela perguntou, se aproximando do resto do grupo. – Quantos você arrancou?

Ethan, que até pouco tempo gargalhava, agora mantinha uma expressão séria e aborrecida.

— Quantos? – perguntou ela mais uma vez.

Seus olhos, antes calmos e serenos, agora estavam tomados por um vazio profundo. A cada passo que ela que se aproximasse deles o ar ficava cada vez mais pesado para respirar, deixando todo os pelos do corpo dos garotos eriçados – os instintos deles gritando para que corressem para longe daquela garota o mais rápido que pudessem.

Tomado pela ansiedade e precipitação, o terceiro garoto avançou sobre ela com os punhos erguidos numa tentativa de acertá-la de frente, e tudo o que a garota fez foi simplesmente segura-lo pelo punho para o torcer com um rápido movimento. Pelo som e o grito de dor que veio em seguida, todos ali congelaram. Ela acabara de quebrar o pulso de alguém sem qualquer pingo de hesitação e com tamanha frieza.

O garoto caiu no chão gritando de dor e agonia segurando o pulso quebrado.

— Quantos ele arrancou... Nina? – ela perguntou novamente.

— Você é amiga dela, não é? – observou Ethan, o último deles, se afastando de Nina e indo em direção a ela. – Você é bem bonitinha até.

Ele parou diante da garota e colocou a mão no queixo, estava avaliando melhor o rosto dela. Era realmente linda quando vista de perto, assim como seu corpo, o qual era cheio de curvas volumosas e acentuadas. Uma beleza rara que ele havia visto poucas vezes naquela academia mesmo estando ali há quase três anos. Pela cor do laço no uniforme dela, devia ser do primeiro ano, significando que ela era mais nova do que ele.

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— Cabelos e olhos tão pretos quanto a própria escuridão, uma pele tão alva quanto a neve. Os boatos não estavam mesmo mentindo sobre você, Nebrissa Valentine, ou será que devo chamá-la de "Princesa Intocável".

Assim que disse aquilo, os alunos em volta começaram a murmurar entre si, alguns soltando exclamações de susto e surpresa. Naquela academia havia alguém famoso o suficiente para que quase ninguém desconhecesse sobre sua existência, mesmo que muitos nunca a tenham visto até então.

— Como eu estou de bom humor, estou disposto a deixar essa passar em branco. Afinal, você acabou de agredir alguns amigos meus na frente de todos, não é mesmo? E como eu sou filho de um nobre bem influente, posso fazer com esse pequeno incidente nunca tenha acontecido. O que me diz?

— Quatro... – murmurou ela.

— Quatro?

— Duas flores e quatro botões. Foi o que você arrancou dela.

— E o que isso tem...

Nebrissa o interrompeu com um chute no rosto, o qual fez com que Ethan fosse jogado contra a parede próxima onde ele prendeu Nina antes. Sangue se espalhou por seu rosto, tanto pelo nariz quebrado quanto pelos lábios estourados, uma dor aguda e infernal vindo junto.

— Sua puta imunda! Eu estava disposto a esquecer o que você fez, mas agora não tem mais perdão! Eu vou te queimar até não restar nada!

Ethan ergueu a mão direita em direção a ela, onde surgiram faíscas que logo se transformaram chamas. Com um estalar de dedos ele lançou uma rajada de chamas, mas a força e controle foram fracos demais e acabaram por passar longe, em direção ao céu, dissipando logo em seguida.

— Que controle de poder mágico mais horrível – comentou ela, suspirando de pura decepção.

— Sua vadia! Eu vou acabar com você!

Irritado pelo comentário anterior, ele se levantou e correu em direção a ela com o punho ainda em chamas. Mirou o rosto e tentou acertá-la com um golpe rápido, mas foi impedido por uma mão que segurou seu pulso com força o suficiente para fazer com que as chamas neles se extinguissem.

— Acho que vocês estão exagerando um pouco. Que tal pararmos por aqui? – sugeriu o homem, pressionando o pulso de Ethan com mais força.

— Quem é você?! Como ousa atrapalhar!? Eu ainda não acabei! Não até eu acabar com essa vadia imunda!

— Helena, tem algum problema se eu deixar esse garoto inconsciente? Ele não tem cara de que vai obedecer quietinho.

— Creio que sua atitude será justificável.

— Ótimo.

— O que!? Quem você pensa que...

Com um rápido e simples movimento, Raleigh acertou um peteleco na testa do garoto. Aquilo foi o suficiente para fazer com que ele ficasse inconsciente e desabasse no chão no mesmo instante, deixando todos ali estáticos enquanto se perguntavam quem era aquele homem e o que estava fazendo ali. Raleigh não parecia estar com muita paciência para explicar qualquer coisa e apenas pegou o corpo de Ethan e o colocou sobre o ombro.

— Bem, eu vou levar esse aqui. Você pode cuidar dos outros três, Helena?

— Não se preocupe, eu já solicitei uma equipe para levá-los para a enfermaria da academia.

— Certo, então eu vou na frente. Ei, garoto, consegue andar?

Perguntou Raleigh assim que se aproximou do garoto que tentou ajudar Nina antes, o qual ainda estava caído no chão sem conseguir entender direito o que foi que aconteceu ali. Assim que percebeu que Raleigh estava falando com ele, acabou por tomar um susto.

— Ah, sim! Consigo, sim! – respondeu nervoso.

— Me acompanha, vou te levar para enfermaria também.

— Certo!

O garoto o acompanhou segurando um dos braços, o qual estava dolorido depois de levar tantos chutes. Assim que passou por Nina, ainda estava caída de joelhos com uma expressão pasma e aliviada ao mesmo tempo, ele sorriu satisfeito por ver que ela estava bem.

— Ah, é – Raleigh parou. – Vocês duas aí, preciso que venham comigo também.

— C-Certo...

Nina, apesar de ainda estar abatida pelo que aconteceu, se levantou e caminhou em direção ao homem que havia lhes chamado. Nebrissa também obedeceu e o seguiu, mas manteve certa distância enquanto o observava e o analisava com cautela. Estava receosa e apreensiva, inquieta pelo fato de suas mãos não pararem de tremer desde alguns instantes atrás.

Eu não senti qualquer rastro da presença dele se aproximando... — pensou, encarando a mão que não parava de tremer. Quando me dei conta, ele apenas estava ali. Não tive tempo nem mesmo para reagir, sem falar que...

O motivo pelo qual estava inquieta e apreensiva com Raleigh foi pela maneira de como ele apareceu diante deles. Nebrissa não sentiu qualquer presença se aproximar e nem mesmo passar por ela. Os outros alunos também pareceram não notar Raleigh passando por eles até que percebessem que ele estava ali.

Eu nunca vi aquilo... dissipar o poder mágico de alguém as com as mãos nuas...— lembrou-se daquele momento, observando a mão que Raleigh usou para segurar o pulso de Ethan. Esse homem... Quem ele é?