As Cem Melhores Historias Da Mitologia
Apolo e Dafne
Apolo era considerado um ás da pontaria, desde que abatera a serpente Tifão, a fera que
perseguira sua mãe, Latona, quando o deus era ainda criança. Um dia Apolo caminhava pela
estrada que margeava um grande bosque, quando se encontrou com Cupido. O jovem deus, filho
de Vênus, estava treinando a sua pontaria, solitariamente, em cima de uma pedra.
Sem ser notado, Apolo parou para observar a postura do jovem. Com um dos pés
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!escorado sobre uma saliência da rocha, o deus do amor procurava ganhar o máximo de equilíbrio
para assestar com perfeição a pontaria. Seu braço esticado, que segurava o arco, era firme sem ser
demasiado musculoso; o outro, encolhido, segurando a flecha, tinha o cotovelo apontado para
suas costelas, enrijecendo o seu bíceps; todo o conjunto, desde o porte até a dignidade dos
gestos, demonstrava grande elegância, e mesmo os músculos das pernas pareciam distendidos,
como a corda presa às duas extremidades do arco.
Apolo não conseguiu deixar de sentir uma certa inveja diante da graça do seu involuntário
rival. Não podendo mais se conter, saiu das sombras e revelou ao deus do amor a sua presença.
— Olá, jovem arqueiro. Treinando novamente a sua pontaria? — disse Apolo, pondo um
indisfarçado tom de ironia na voz.
— Sim — disse Cupido, sem virar o rosto para o outro. — Quer treinar um pouco,
também?
Apolo, imaginando que o outro debochava dele, reagiu com inesperada rudeza:
— Ora, moleque, e quem vai me ensinar alguma coisa? Você?
Cupido, guardando suas setas, já se preparava para se retirar, quando Apolo o provocou
novamente:
— Vamos, treine, treine sempre, garotinho, e um dia chegará a meus pés! — disse o deus
solar, com um riso aberto de triunfo.
Cupido, no entanto, revoltado com a presunção do deus, sacou de sua aljava duas flechas:
uma de ouro e outra de chumbo. Seu plano era acertar em cheio o peito de Apolo, com a
primeira flecha.
— Vamos provar agora, um pouco, da minha má pontaria! — disse o deus do amor,
mirando o coração de Apolo.
Num segundo a seta partiu, assobiando ao vento e indo cravar-se no alvo com perfeita
exatidão. Apolo, sem perceber o que atingira seu peito — pois as flechas do deus do amor
tornam-se invisíveis assim que atingem as vítimas —, sentou-se ao solo, abatido por um langor
nunca antes sentido.
Mas Cupido ainda não estava satisfeito. Por isso, enxergando Dafne, a filha do rio que se
banhava no rio Peneu, mirou em seu coração a segunda flecha, a da ponta de chumbo, e a
disparou. Enquanto a primeira seta provocava o amor, esta, endereçada a Dafne, provocava a
repulsa. Assim, Cupido dava início à sua vingança.
— Divirta-se, agora! — disse Cupido, sumindo-se no céu com seu arco. Apolo, após
recuperar suas forças, ergueu-se e entrou no bosque, como que impelido por alguma atração
irresistível. Tão logo atravessou as primeiras árvores, seus olhos caíram sobre a bela ninfa, que
secava os cabelos, torcendo-os delicadamente com as mãos.
— Se são belos assim em desalinho, como não serão quando arrumados? -perguntou ele,
já bobo de amor.
A ninfa, escutando a voz, voltou-se para o lugar de onde ela partira. Assustada ao ver que
aquele homem de louros cabelos a observava atentamente, juntou suas vestes e saiu correndo,
mata adentro. Apolo, num salto, ergueu-se também.
— Espere, maravilhosa ninfa, quero falar com você.
Nunca em sua vida Dafne havia sentido tamanha repulsa por alguém como sentia pelo
majestoso deus solar. O pior e mais feio dos faunos não lhe parecia no momento mais odioso do
que aquele homem que a perseguia com fúria.
— Afaste-se de mim! — gritava Dafne, enojada. Apolo, acostumado a ser perseguido por
todas as mulheres, via-se agora repelido de forma tão definitiva.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Por que foge assim de mim, ninfa encantadora? — dizia, sem compreender. Sem saber
como agir diante de uma situação tão inusitada, o desnorteado deus pôs-se a falar de si, da sua
beleza tão elogiada por todos, de seus dotes, suas glórias, seus tributos e as infinitas vantagens
que Dafne teria em juntar-se a ele, o mais cobiçado dos deuses. Mas o mais belo dos deuses
desconhecia um pouco a mentalidade feminina, senão teria falado mais da bela deusa em vez de
falar tanto de si próprio.
Ao perceber, porém, que a corrida desenfreada da jovem acabaria por deixá-la extenuada,
o deus gritou:
— Espere, diminua o seu passo que diminuirei também o meu! A ninfa, reconhecendo a
gentileza de seu perseguidor, diminuiu um pouco o ritmo.
Apolo, no entanto, que diante da diminuição da distância vira aumentar os encantos da
sua amada, acelerou involuntariamente o seu passo, renovando o terror na amedrontada Dafne.
— Mas que canalha! — indignou-se a ninfa, tomando novo impulso para a corrida, mas já
estava exausta e não era páreo para Apolo, o deus do astro que jamais se cansa de percorrer o
Universo, todos os dias.
Sentindo um peso nas pernas, Dafne voltou o rosto aterrado para trás e percebeu que as
mãos do deus quase tocavam os seus fios de cabelo. Contornando a mata, retornou outra vez à
margem do rio Peneu, clamando pela ajuda do velho rio:
— Socorro, Peneu! Faça com que eu perca de vez esta beleza funesta, já que ela é a causa
de todos os meus sofrimentos! — disse, disposta a entregar à natureza todos os seus dons em
troca da liberdade.
Dafne, a alguns passos do rio, deu um salto, pretendendo atingir a água. mas seu
tornozelo foi agarrado pela mão firme de Apolo, fazendo com que seu corpo caísse sobre a
grama verde e fofa das margens. Um suspiro forte escapou de seus lábios entreabertos, com o
impacto da queda. Ainda tentou rastejar em direção à água, porém sem sucesso. Apolo, cobrindoa
de beijos, recusava-se a largá-la. Finalmente, com um suspiro de alívio, a ninfa sentiu que seu
corpo começava a se recobrir com uma casca áspera e grossa, enquanto seus cabelos viravam
folhas esverdeadas. Descolando finalmente seus pés da boca do agressor, Dafne sentiu que eles
se enterravam na terra, transformando-se em sólidas e profundas raízes.
Apolo, ao ver que sua amada estava para sempre convertida numa árvore
— um loureiro -, ainda tentou extrair do resto de seu antigo corpo um pouco do seu
calor, abraçando-se ao tronco e procurando-lhe os lábios. Não encontrou a suavidade do antigo
hálito da ninfa, mas apenas o odor discreto da resina.
Apolo, desconsolado, despediu-se levando consigo, como lembrança, algumas folhas,
com as quais enfeitou sua lira. Enfeitou também a fronte com estas mesmas folhas, em
homenagem a Dafne — a mulher que nunca foi nem jamais será sua.
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