Arena das Almas

VII - Dez minutos


Dean apertou o botão e esperou o elevador chegar a seu andar. Estava atrasado para a apresentação de suas habilidades ao fim da semana de treinamento. Bobby, como o ótimo mentor que era, o deixara dormir até tarde ao invés de avisar quando fosse a hora de descer.

Contudo, Dean não se surpreendia com aquele tratamento depois da última discussão. Após a ligação de Bobby para o Distrito 7 para ver se Sam estava bem, como prometera, ficou sabendo da tentativa de bruxaria que quase o matara sufocado e queimado. Dean ficou furioso pelo caçador mais velho não ter acreditado nele quando contou sobre a ameaça de Gordon e os dois acabaram brigando.

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Nem mesmo Jody o acordara, e Jo já havia descido. Quando o elevador abriu as portas, ele entrou correndo e apertou o botão para ir ao andar das apresentações. Porém, ele parou no andar do Distrito 3, e as portas se abriram para que Cassie Robinson entrasse.

Seu olhar se cruzou com o de Dean, mas ela o desviou rapidamente. Houve um longo silêncio cheio de tensão enquanto desciam até o subterrâneo.

Dean não havia falado com Cassie desde que a vira no primeiro dia de treinamento. Não reuniu coragem suficiente, e também não saberia o que dizer. Foi ela quem acabou com tudo há alguns anos, depois de ele lhe contar que era um caçador.

– Sabe, Dean, eu acho que lhe devo um pedido de desculpas – Cassie falou em um tom baixo. Ele não respondeu. – Pelas coisas que falei da última vez.

– Então acredita em mim agora? Que é possível levar uma vida de caçador?

– Sim. – Cassie hesitou. – Esses Jogos provaram isso. Pelo menos você tem uma chance a mais de vencer, não é?

Ele detectou o medo em sua voz.

– Há mais caçadores além de mim esse ano. Não acho que vá ser fácil. Como você está se saindo?

Ela deu de ombros, tentando esconder o nervosismo.

– Melhor do que eu imaginei, acho. Você... já fez alguma aliança?

Dean fechou a expressão. Podia perceber que Cassie queria se juntar a ele, mas aquele era um trabalho que queria fazer sozinho. Precisava voltar para Sam e matar Gordon, e não poderia correr o risco de falhar enquanto se preocupava com outra pessoa. Não se preocuparia. Tinha suas próprias prioridades, e não passaria por cima delas.

– Estou trabalhando sozinho.

– Entendo. – Ela assentiu. O elevador finalmente parou no subterrâneo, em um longo corredor que levava a uma sala ampla em que apenas uma parede era de concreto e as outras três eram de vidro.

Dean e Cassie saíram sem dizer nada e foram até a sala. Os dois primeiros bancos já estavam vazios. Nem um segundo se passou até que Cassie fosse chamada para se apresentar aos Idealizadores e mostrar suas habilidades. Dean foi para o sétimo banco, onde Jo o esperava.

– Boa sorte, Cassie – desejou antes de se sentar.

Ela olhou para trás.

– Para você também, Dean.

Ela desapareceu atrás da porta enquanto seu companheiro de distrito saía.

– Você poderia ter me acordado – Dean disse para Jo em um tom de voz baixo.

– Ninguém vai acordá-lo na Arena – ela devolveu.

Dean pensou no que mostraria aos Idealizadores quando chegasse a sua vez. Teria que ser algo marcante, como Bobby orientou, já que só assim recuperaria um pouco do crédito que perdeu na briga com Gordon. Agora, porém, não eram os tributos que escolhiam o que iriam apresentar; os próprios Idealizadores escolhiam um teste e assistiam para ver as habilidades dos tributos nele.

Uma hora se passou até que ele fosse chamado. Jo ainda esperava no banco. Dean abriu a porta para a sala da apresentação e entrou.

– Dean Winchester, Distrito 7 – anunciou um Idealizador. – Você tem dez minutos para mostrar sua habilidade. – Apontou para o centro da sala onde seu teste se encontrava. Dean ficou boquiaberto. – Precisa fazer um ritual de exorcismo decorado com esse demônio.

Dean se aproximou. O demônio estava com os olhos pretos e tremia por já ter sido atingido com água benta – provavelmente o que o tributo anterior fizera. Estava amarrado por cordas a uma pequena cadeira de metal no meio de uma armadilha do diabo feita com tinta vermelha meio fresca.

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Dean tentou se lembrar das palavras do ritual; nunca o decorara de verdade, já que essa parte normalmente ficava a cargo de Sam. Porém, assim que abriu a boca para começar a falar, o demônio o encarou:

– Dean Winchester... Como se não bastasse eu estar nesse lugar ridículo que é pior que o inferno ainda tenho que cair com o tributo mais atordoado.

– É, camarada – respondeu Dean, sem se deixar abater. Demônios falavam demais para prolongar o próprio tempo na Terra. – Fala enquanto pode, você não vai durar muito mais tempo. Aliás, eu esperava mais do desafio da Capital.

Os Idealizadores pareceram não ouvi-lo, ou então simplesmente o ignoraram. Estavam bem afastados e seguros atrás do campo de força que separava a área de treinamento da cabine de avaliação.

O demônio sorriu.

– Foi até bom nós termos nos encontrado aqui. Acredite, eu não sou qualquer demônio. Você e sua família têm história com a minha espécie, não é?

– É, acabamos com muitos de vocês.

– E, ainda assim, eu estou aqui agora. Eu sei o que te aguarda lá dentro, Winchester – o homem disse, como se de alguma forma aquilo pudesse servir como um coringa para ele, para que Dean ficasse do seu lado.

Mas Dean não trabalhava com demônios.

– Informação não serve de nada se não for usada a seu favor, cara. Você não vai estar aqui até a Arena. Uma pena, não vai ter nem a chance de me ver vencendo sua “espécie”.

O demônio gargalhou tão alto que os Idealizadores passaram a prestar mais atenção. Dean olhou para o cronômetro: agora só tinha oito minutos para mostrar sua habilidade, e ainda nem se lembrara do ritual completo.

– Ninguém nunca vai vencer a minha espécie, garoto – retomou o demônio após sua crise, parecendo ainda achar graça. – Seu pai vem tentando isso há anos e nunca conseguiu. Aliás, veja aonde isso o levou... ou não veja. Ele já está perdido mesmo.

– Se você não percebeu, eu já comecei a destruir vocês desde criança – disse Dean com raiva, embora o comentário sobre John o tivesse perturbado. Será que ele sabia onde seu pai estava? Não, muito improvável. Era um blefe para fazê-lo perder mais tempo. – Logo será menos um. Eu não sou meu pai, e se usar essa boca imunda para falar dele de novo...

– John Winchester – provocou o demônio, vendo sua brecha. – O pai que largou os filhos sozinhos para ir atrás de uma causa perdida, uma vingança. O homem que deixou a mulher ser morta. Que ficou tão obcecado com o trabalho que fez uma criança de quatro anos assumir sozinho a responsabilidade de cuidar do irmão mais novo, protegendo-o com a própria vida e o colocando acima de tudo enquanto ele saía pelo país matando e se embebedando...

O punho de Dean acertou o demônio no nariz, arrancando sangue.

– Seu filho da puta. Você deve ter sido melhor que um homem que criou os filhos sozinhos para ter ido para o inferno, não é? – Dean recuperou o tom irônico após o descontrole. Viu os Idealizadores tomando nota daquilo e resolveu que já passara da hora de agir. – E agora você vai voltar pra lá, já que gosta tanto. Exorcisamus te, omnis immundus spiritus...

E Dean continuou com o ritual, esforçando-se para recordar as próximas palavras. Infelizmente, gaguejou em uma delas, e o demônio, que começara a se contorcer com as palavras purificadoras, aproveitou-se do momento para prosseguir sua fala:

– Eu gostaria de saber por que é que você defende tanto o seu querido papai. Deve ter sido uma grande lavagem cerebral. É porque você o admira? Queria ser como ele, o seu herói? Então me deixe te dizer que ele nunca ligou para você, sua marionete sem opinião própria.

Dean se virou de costas, saindo do círculo da armadilha do diabo, interrompendo totalmente o ritual. Fingiu procurar alguma coisa na mesa de utensílios – em parte, a busca era real, já que precisava do restante do exorcismo -, mas sentiu um peso no peito após aquela frase.

Não podia negar. Sabia que o que o demônio dizia era verdade.

– Pelo mesmo motivo que você procura almas para levar a Lúcifer – falou, em resposta à primeira pergunta, segurando firme um frasco com água benta na intenção de evitar que as mãos tremessem.

Ergueu os olhos para ver quanto tempo lhe restava para se apresentar, mas distraiu-se com a movimentação: os Idealizadores agora estavam todos de pé, os olhos arregalados, chocados. Dean rodopiou para ver o demônio... que não estava mais amarrado à cadeira.

As cordas estavam caídas, soltas, no chão. No círculo da armadilha pintada a tinta vermelha, havia uma falha, onde Dean sem querer pisara para se afastar.

Quando voltou a olhar para a frente, o demônio o fitava, tão próximo que quase pulou para trás.

– Engraçada a sua comparação do pai a Lúcifer. Acho que está no subconsciente. – O demônio fechou a mão em um punho e deu um soco em seu queixo, como o troco pelo soco anterior. Dean sentiu o maxilar se deslocar e cambaleou. – Topei com John uma vez, sabia? – perguntou, avançando para o ataque seguinte. – Assim como topei com sua mãe.

XXX

Ele correu como nunca havia corrido antes; correu sabendo que, se perdesse o passo, morreria, seria capturado mais uma vez. Seus pés disparavam pelo solo, saltando buracos, raízes e pedras.

Atrás dele, os alarmes ressoavam, gritando o aviso de que havia um fugitivo. Porém, o fugitivo não pararia, não agora que finalmente tinha encontrado um meio de escapar. Não sabia para onde estava indo, mas correr para a floresta parecia uma boa opção. Os Pacificadores começavam a sair pelas portas, organizados e segurando as armas. Não tinha muito tempo.

Mesmo com todos os machucados e depois da imensa perda de sangue, o fugitivo não parou. Só pararia quando decidisse que estava a salvo ou longe o suficiente daquele lugar, e isso demoraria a chegar.

Os cortes e perfurações em seu corpo ardiam de modo horrível, lançando ondas de dor a cada passo que dava, impedindo-o de correr mais rápido. Seus pulsos em carne viva devido à corda que o prendia faziam um pontilhado de sangue pela grama. Ele foi obrigado a cortar uma parte de sua blusa e fazer curativos provisórios apenas para evitar ser seguido.

Os Pacificadores gritavam atrás dele para que parasse, mas estava muito afastado para atirarem com precisão. Enfim, ele se embrenhou na floresta fechada, abafando o barulho da perseguição.

E continuou correndo.

XXX

Caído de lado na sala de apresentação, Dean cuspiu sangue quando o demônio desferiu um chute em seu estômago.

– Como assim topou com a minha mãe? – Dean perguntou com dificuldade. Estava esperando que os Idealizadores interferissem, mas, pelo modo como só ficaram parados observando, deduziu que teria que lidar com aquilo sozinho – como sempre.

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O demônio o levantou pela gola do uniforme de treinamento e o manteve de joelhos enquanto o espancava. O primeiro soco deixou seu olho inchado, o segundo abriu um corte no supercílio. Dean tateou pelo chão em busca do frasco com água benta que havia deixado cair na queda e o agarrou.

– Topei com a sua mãe – respondeu o demônio – porque eu estava lá na noite em que ela morreu. Na verdade, eu ajudei a matá-la.

Dean berrou de raiva e destampou o frasco com a água, jogando o conteúdo no rosto do demônio. Ele o largou ao mesmo tempo em que seu rosto soltava fumaça.

Ab insidis diaboli, libera nos, domine... – Dean prosseguiu o ritual de exorcismo, recusando-se a acreditar que aquele demônio era quem matou sua mãe. Ele está mentindo, pensou.

– Acha que eu estou mentindo, moleque? – ele gritou, limpando a água. Em um movimento de sua mão, Dean foi lançado pelo ar para o outro lado da sala, interrompendo o ritual mais uma vez e indo cair em cima de uma mesa de utensílios.

Infelizmente, na queda, cortou a palma da mão em uma faca. Quando atingiu o chão, a mesa virou em cima dele.

– Eu também sei onde seu pai está – disse o demônio, indo para perto dele. – Eu poderia ficar falando sobre isso o dia inteiro. É mesmo uma pena que você já vai estar morto demais para ouvir o que tenho a dizer até lá.

Ele fez flutuar outra faca, apontando-a diretamente para o pescoço de Dean, que tentava se levantar.

Te rogamus – recitou Dean, tossindo. O demônio arregalou os olhos, e a ponta da faca tremeu. – Audi nos – Dean terminou o exorcismo no momento em que a faca foi atirada.

Uma fumaça negra foi expelida brutalmente pela boca do homem e rodopiou até encontrar uma saída no duto de ventilação. Dean se abaixou para evitar a faca, que ficou cravada na parede. O homem que foi possuído caiu de bruços, morto.

O cronômetro no alto marcou o fim dos dez minutos.

– Dean Winchester, seu tempo de apresentação das habilidades acabou – anunciou o Idealizador. – Já pode se retirar e chamar sua companheira de distrito, Joanna Harvelle.