Após o Apocalipse

Sobre Milagres e Redenção


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Lançou-lhe um último olhar, como se suplicasse para que parasse e simplesmente entregasse-se de uma vez por todas: seria o melhor a fazer. Mas aquela escolha não cabia a si, mas sim a ele. Ele, o irmão que um dia tanto amou, e que por tanto tempo tentou salvar. Levara muito tempo para compreender que, de fato, aquele era outro dos testes de seu Pai - como o próprio Lucífer dissera.

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- Senhor? - Chamou-o serenamente na manhã que sucedeu o “fim” (era como estavam chamando). Deus caminhava tranquilamente por seu jardim, apreciando a beleza do Paraíso. Quando percebeu que Miguel também estava ali, sorriu-lhe.

- Diga. - Assentiu, embora já soubesse a respeito de que o arcanjo quisesse conversar (é que Ele sempre prefere ouvir o que temos a lhe dizer, com nossas próprias palavras).

- Pai... Sobre o que aconteceu ontem... Se não fosse o Senhor... - Começou pouco desconcertado. O criador aproximou-se do filho, pousando uma das mãos por sobre seus ombros, como num pedido mudo para que se calasse e apenas escutasse-O.

- Agiste bem; nunca duvidei que o faria. És leal e, sobretudo, um filho obediente: por isso sempre confiarei em você. - Falava o encarando orgulhoso. O anjo levantou os olhos, não sentindo-se merecedor de tantos elogios, e O fitou confuso.

- Mas, Pai... Eu errei... - Persistiu. Deus continuava a sorrir.

- Seu irmão tinha razão: foi tudo um teste. - Perplexo, Miguel arregalou levemente os orbes - Deseja saber qual foi a missão que lhe designei realmente?

- Fui incumbido de matar o Dragão, que corrompeu a Serpente que induziu o Homem a pecar. - Respondeu muito convicto; esta fora a tarefa que Deus deixara, desde o início. No entanto, para seu maior espanto, Este balançou a cabeça numa negativa, justificando-se:

- No Inferno, todos são prisioneiros... Até mesmo Lucífer. Então, por que condenar alguém que já foi julgado? - Aquilo perturbou-o em demasiado. Sempre acreditou estar cumprindo a vontade do Pai quando se encontrava equivocado (durante tantos anos!). Um misto de revolta e frustração apossou-se de si, entretanto, se conteve: não começaria a questionar ou desafiar Deus, não agora; se assim Ele queria, haveria de ter um bom motivo para isso. Não voltou a insistir mais no assunto: considerou que o melhor fosse esquecer... Pelo menos, até que Lucífer voltasse: estava ciente de que o Diabo não havia morrido na noite passada.

Foram necessários cinco anos depois daquela manhã no Jardim do Éden para que Miguel finalmente compreendesse qual era o porque que buscava para sanar suas tantas indagações.

- Não faça isso. - Pedia uma vez mais. Porém, Satã o fitava com o mesmo semblante desdenhoso, carregado de ira e, em seu olhar, a determinação que conhecia como a típica teimosia de seu caçula; ele não iria parar, não estava disposto a escutar. Havia sido consumido pelo ódio... E pensar que por tanto tempo permanecera vivendo como uma das criaturas que mais repudiava, apenas para estar ao lado dela. Sim, amar Alice era o que impulsionava-o a continuar, pois estava certo de que só assim os irmãos finalmente deixar-no-iam em paz: estando mortos. Porque, do seu ponto de vista, os anjos haviam tornado-se escravos da raça humana, e os poucos corruptos que restaram preferiram escolher qualquer lado da Guerra Civil que instalara-se entre os irmãos, do que se aliar a ele: o Diabo. Tinham se esquecido do quanto Lucífer era querido e adorado no Paraíso... Mas não importava: em breve, poderia se vingar. E seus olhos miravam indiferentes o ser que mais detestava em todo Universo por considerá-lo um desertor do pior tipo: Miguel abandonara-o quando mais necessitara de seu auxílio; havia lhe espancado quando, nas suas próprias palavras, ”Desrespeitara o Criador”. Absurdo! Então por que dar-lhe-ia ouvidos quando podia simplesmente ignorá-lo?

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- Você realmente não faz ideia... Quanto tempo ficou naquela jaula, hã? Uns poucos dias? Não imagina o que seria passar a eternidade trancado ali, sofrendo, sozinho... - Sussurrou a última palavra amargamente.

- É exatamente isto que desejo que entenda! - O comentário fez com que o outro rangesse os dentes. Suspirou - Recorda-se do propósito que procurava tanto entender? - Lucífer pareceu intrigado, embora tentasse não demonstrar interesse - Enfim, eu o encontrei; estava certo: era um teste.

- Claro... Mas você preferiu, uma vez mais, não enxergar a verdade, por causa dessa sua fé cega em Deus. - Vã gloriou-se, com um largo sorriso triunfante que exalava arrogância, o qual aos poucos se desfez, conforme ouviu-o prosseguir:

- Mas está errado: Ele não fez isso sem um objetivo. - Lucífer contorceu sua expressão numa careta diante do paradoxo - O tempo todo estive também equivocado; no entanto, nos últimos cinco anos, venho refletindo muito a respeito de uma breve conversa com Papai na primeira manhã que deu início a um novo começo e pôs fim a essa Guerra estúpida que insistíamos, erroneamente, em travar. Minha missão nunca foi derrotá-lo, Lucífer: foi redimí-lo. - Só então Satã assumiu uma postura fria e inexpressiva. Os dois anjos encararam-se por um longo momento.

- E quem disse que quero redenção? - Disse por fim, rompendo o silêncio que havia instalado-se entre ambos.

- Não entende? Você pode voltar... o tempo todo... Finalmente, esqueceremos tudo, e o amaremos exatamente como antes: só o que precisar fazer é se arrepender. - Ele ouvia as palavras do irmão atentamente.

- Me arrepender? NUNCA! - Bradou indignado - Vós sois quem necessitam desculpar-se prostrados por tudo que submeteram-me!

- O QUE? - Vociferou irritado com tamanho orgulho - Nunca reconhece seus erros, sempre culpando a todos, menos a si mesmo: NÃO MUDA NUNCA!

- JÁ DEVIA ESPERAR POR ESTE MESMO DISCURSSO, NÃO É? - Gritou, completamente descontrolado, para depois, seguir em tom mais baixo - É sua única justificativa? Só o que tem a dizer? Não há uma só vez na qual nos encontremos sem que você repita essa mesma ladainha: e quer saber? Eu estou farto. - Falou de modo ameaçador.

- É sua oportunidade... - Não pode continuar, pois foi bruscamente interrompido pelo mais novo.

- QUE SE DANE ESSA MALDITA REDENÇÃO, EU NÃO SINTO NENHUM TIPO DE REMORSO POR NADA DO QUE FIZ: A VERDADE É QUE TORNARIA A FAZER TUDO OUTRAS MIL VEZES SE PUDESSE!!! - Miguel não esperava por aquilo: de repente, tudo ficou caótico e turvo. As portas do Inferno haviam sido abertas uma vez mais.

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Apesar de tudo ter alterado-se tão drasticamente naquelas poucas horas, olhar para o horizonte continuava sendo reconfortante. E pensar que talvez amanhã, eles não pudessem contemplar a beleza do nascer do Sol, como vinham fazendo todos os dias, desde o “fim”. Aquela poderia ser a última vez que ambos poderiam observar o despontar daquele astro tão magnífico ao leste do infinito do céu, que ia mesclando pouco a pouco o laranja dos raios de luz ao seu azul colbato natural. E pensar que muitos se esquecem de apreciar maravilhas como esta... Tudo porque empenham-se em buscar milagres grandiosos, quando estes simplesmente surgem a todo e qualquer momento, para os olhos que desejem admirar a tamanha beleza contida em sua simplicidade. E pensar que tudo poderia terminar naquela noite... de novo.

- Não se arrepende? - Kali questionou-lhe de súbito. Gabriel sorriu.

- E por que? - Ergueu uma de suas sobrancelhas num gesto sarcástico, como se afirmasse não entender aonde a mesma desejava chegar.

- Escolher deixar de ser um anjo, apenas para ficar comigo... - Concluiu com o olhar ainda fixo no horizonte. Não sabia se teria feito a mesma coisa por ele. O fato é que ainda não entendia o amor em sua total plenitude, e às vezes, ficava confusa. Porém, Gabriel já compreendia melhor este sentimento, e por isso conseguia lidar melhor com o mesmo; e tinha fé de que, algum dia, Kali nutrisse algo parecido por si. Não era a toa que ficara conhecido anteriormente como "O Arcanjo da Esperança"... Aquele que nunca deixaria de acreditar.

- Eu sempre te amei. - A frase foi dita tão repentinamente e as palavras usadas foram tão comuns, mas isto bastou para fazer com que o coração da morena disparasse como nunca. Se fitaram por um longo instante em silêncio antes de continuar - Faria qualquer coisa se pudesse passar somente mais um minuto ao seu lado... - Falou, tomando as mãos dela entre as suas, beijando-as em seguida. O Sol nascia ao longe, mas os dois estavam muito entretidos mirando um ao outro para notar. As lágrimas corriam depressa pelo rosto de Kali, onde um sorriso sincero brotava. As pessoas estão sempre buscando milagres, quando estes encontram-se próximos de nós o tempo todo: o amor é o maior de todos.

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Redenção: não precisava disso; não queria isso. “Isso”... Pra que? Quando podia fazer o que quisesse, e não ser somente outro um soldado estúpido como o mais velho. Por muito tempo pensou sobre voltar para casa; bastava pedir desculpas. Mas por que o faria se não estava errado?! Estava agindo exatamente como o cego que insistia em caminhar rumo ao abismo sem dar ouvidos aos inúmeros avisos que lhe faziam - a parábola ilustrada por Miguel. Entretanto, Lúcifer não se importava: não desejava estar certo, só o que queria era desafiar tudo e todos, por meramente estar com raiva... Raiva de si mesmo... Por tê-la perdido... Para alguém como... Ele: Samuel Winchester. Um rapaz que assemelhava-se consigo de muitas formas: era o filho rebelde, o que ia contra as ordens do Pai, aquele que era tido como “diferente” por seguir suas próprias ideologias... “Assim como é no Céu, também deve ser na Terra”, como Gabriel disse certa vez. Mas, ainda assim, os dois eram muito diferentes: enquanto ele possuía um objetivo específico, o jovem ainda não sabia ao certo o que faria com sua vida. Chegava a ser irônico: Dean, que sempre alegara que poderia permanecer na vida de caçador eternamente, constituíra uma família; enquanto que ele, que tentara diversas vezes levar uma “vida normal”, por assim dizer, nunca tivera sucesso. Seria isso mesmo o que desejava? A verdade é que Sam se fazia as mesmas perguntas naquele mesmo instante...

- Minha Alice... - Suspirou - Como você me faz falta! Por favor, volte pra mim.

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