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Alvoroço, repleto de gritaria e outros ruídos estrondosos, que Dean Winchester pôde definir em uma única frase:

- ESTAMOS SENDO ATACADOS! - Disse aos brados, correndo para fora, após trocar um breve olhar preocupado com Sam. De imediato, seu irmão e Miguel o acompanharam até o salão principal, onde depararam-se com anjos e demônios travando uma batalha árdua. Tinham uma visão privilegiada de tudo no lugar em que encontravam-se: enxergavam Raphael empunhando sua lâmina poderosa, mandando todos aqueles que cruzavam seu caminho de volta para as terras sombrias de onde acabavam de sair; na extremidade oposta, Tessa ceifava as criaturas das trevas; noutro ponto, Crowley e Megan, que agora necessitavam de armas para se defender, tentavam a todo custo derrubar os oponentes que empenhavam-se, de forma em demasiada agressiva, em feri-los (o preço por haverem cedido a deserção); Zachariah e Balthazar, envoltos pela fumaça negra, lutavam para livrar-se da mesma; foi quando Gabriel e Kali vieram ao encontro dos três, que ainda presenciavam a cena com ar de espanto.

- Lúcifer os mandou, ele sabe onde nós estamos... - Começou ofegante - Mas não compreendo, como isto é possível?! Quer dizer, em tão poucas horas... - Balbuciava atordoado.

- Esperem! - O semblante da ex-pagã iluminou-se como quem acabara de ter um lampejo - Miguel, não faz muito tempo que me disse que algumas armas se perderam na Terra desde a última Guerra... - Falava voltada para o anjo, que assentiu, entendendo aonde a morena pretendia chegar - Uma destas é, inclusive, o colar de Sísifo, não? - Ao ouvir a menção daquele nome, Dean franziu levemente o cenho. Conhecia a história daquele que foi considerado o mais astuto dos mortais na mitologia greco-romana; de certa forma, os dois se assemelhavam muito: ambos desafiavam seus destinos, indo contra forças sobrenaturais para realizar seus respectivos propósitos, enganando a própria Morte uma dúzia de vezes. Em uma destas ocasiões, o rapaz aprisionou uma ceifadora fazendo elogios a sua beleza, pedindo para enfeitar seu pescoço com um colar, que não passava de uma coleira. Desde a Antiguidade, este colar tornara-se um mito e, aparentemente, uma das muitas armas celestes.

- Tem razão: ele deve ter escondido algumas desde a última vez; o colar, por exemplo, que de certo poderia fornecer a nossa localização ao mesmo. - Miguel concordou pouco frustrado - Estamos em desvantagem agora: Lucífer saberá onde nos encontrar, porém, não fazemos ideia de sua atual localização... - Bufou irritado consigo mesmo por não ter empenhado-se mais em ajudar o irmão quando poderia tê-lo feito. De certo modo, sentia como se fosse o culpado por tudo. Foi quando a chegada de um ser extremamente poderoso chamou a atenção de todos no recinto: sua mera presença bastou para afastar grande parte da fumaça negra e fazer com que muitos dos demônios fugissem, estranhamente assustados; a penumbra encobria a face macabra do ser que surgira, no entanto, ao mirar o rosto frívolo do mesmo, Dean reconheceu o olhar indiferente e inescrupuloso, que encontrou-se nesse exato momento com o seu: o cruel Alastair, que lhe causara tanto sofrimento no Inferno. Imediatamente a cólera apossou-se de si, e teria tomado o Colt em suas mãos e atirado sem pensar duas vezes contra este, se a arma não estivesse em posse de seu irmão caçula. Foi quando notou que Sammy não estava mais ao seu lado. “Alice...” Pensou.

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O rapaz corria depressa, atravessando em poucos instantes os imensos corredores, sem importar-se com os berros atordoantes vindos de outras partes da fortaleza, que sofria um terrível ataque. Em seus devaneios, só perguntava-se onde a garota estaria, porém, no seu íntimo, já conhecendo o Diabo, imaginava que este a tivesse levado consigo: e suas suspeitas se confirmaram depois de procurar pela morena incessantemente, até dar-se conta de que as ruínas encontravam-se estranhamente silenciosas. Caladas deliberadamente: algo estava errado.

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Aos poucos, Alice foi despertando, ainda que o perfume continuasse a confundir os seus sentidos; sentou-se com certa dificuldade sobre a relva macia e olhou em volta, notando que o cenário era repleto de árvores e altos arbustos. Uma floresta... Sim, mas onde exatamente?

- Não importa... - Ouviu-o sussurrar de repente - Está segura aqui. - A figura sinistra de Lucífer surgiu em meio ao breu, fazendo com que a menina se distanciasse um pouco, suas costas encostando-se contra um dos troncos - Não vai começar a fugir de mim agora, não é? - Indagou num sorriso que soou forçado. Percebendo a reação de Alice, continuou - Tudo bem? Você parece apreensiva...

- E por que não estaria? Fui sequestrada pelo próprio Satã. O que esperava? - Usava de sarcasmo para expressar-se. O fato é que sentia um misto de raiva e revolta pelo mesmo, apesar de amá-lo - Você não vai mudar. Sempre será o mesmo egocêntrico de sempre, numa busca vã por poder. Tão cruel e possessivo; pra ser sincera, não sei porque ainda gosto de alguém como você... - Confessou baixando os olhos. Lucífer suspirou, aproximando-se da mesma a passos hesitantes.

- Olha, eu já pedi desculpas: sei que faço isso mesmo, às vezes sem nem perceber, mas não é que seja mau ou que não goste de você, eu te amo! É meio que um traço próprio da minha personalidade: ser sagaz. - Admitiu indiferente.

- Não acredito. - Ouviu-a incrédulo - Se importasse-se realmente comigo ou com nós, teria dito a verdade desde o início; além disso, agora que todos sabem, está começando tudo de novo (o que mostra que você já esperava por algo do tipo, já que do contrário, não teria alcançado tanto em tão pouco tempo). - Concluiu nervosa - Eu queria te odiar... Mas não consigo.

- Então me ame! - Pediu num murmúrio, abaixando-se para ficar a sua altura - Eu te amo, mais do que a minha própria vida, mais do que essa Guerra estúpida, e juro que se você me deixar, eu me mato, ouviu? Me jogo de um abismo, corto minha garganta com a espada de Miguel, qualquer coisa! - Falava como quem perde a razão, apertando os pulsos dela contra si fortemente, o que só convencia a garota ainda mais da insanidade deste.

- Você está se ouvindo?! - Comentou perplexa - Está dizendo que vai cometer suicídio só porque não pode ter tudo o que deseja?

- Acontece que você não é um mero capricho minha cara: tornou-se minha obsessão, que me viciou por completo, enlouquecendo-me, perdi a razão...

- Ninguém diria que algum dia você já teve bom senso... - Cortou-o bruscamente. Lucífer percebeu que Alice falava sério. Nesses anos todos, pensava que ela era ainda a mesma garotinha de cinco anos atrás, porém, agora se dava conta de que a menina havia crescido. E tudo o que mais desejava era esquecer... Ele, os Winchesters, o fim do mundo... Entretanto, não iria deixar jamais que isso acontecesse.

- O que eu posso fazer? - Perguntou-lhe afim de descobrir o que tanto incomodava a morena em si.

- Tente ser... Menos sagaz. - O Diabo não pode evitar sentir uma pontada de ironia em seu tom.

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Não se ouviam mais gritos, ou qualquer outro som perturbador: apenas os passos dele caminhando lentamente na direção de Dean Winchester. Ambos sustentando o olhar um do outro. No semblante do loiro, amargura, rancor e, sobretudo, ira; na face do demônio, apenasindiferença. Parou de andar quando estava há uma distância de uns poucos metros dele.

- Alastair... - Disse por fim. Miguel estava a seu lado, e parecia surpreso com a chegada deste também. Os outros, Tessa, Raphael, Megan, Crowley, Balthazar, encontravam-se ao seu redor, e pouco atrás, Gabriel e Kali fitavam-no com o mesmo olhar apático.

- Dean Winchester. - Falou por fim - Soube por aí que você anda espalhando que foi o meu melhor aprendiz. - A provocação fez com que o loiro pensasse imediatamente em Lilith. Naquela noite... Quanto tempo já fazia que não torturava pobres almas?! A última vez fora seu próprio mestre, o carrasco que lhe iniciara naquela vida; não gostava de lembrar desse dia, pois fora a primeira vez que Sammy se mostrara tão ou mais cruel que o pior torturador do Inferno...

- O que você quer?! - Indagou entre dentes.

- Não é óbvio?! - Retorquiu arqueando uma de suas sobrancelhas num gesto que confundiu o outro.

- Por que mandou os demônios embora?

- Não os expulsei, foram eles que fugiram de mim... - Alastair sabia o quanto inspirava medo naqueles seres repulsivos.

- Se não os trouxe, por que está aqui? - Dean já estava perdendo a paciência com a criatura diante de si. Um breve silêncio instalou-se.

- Vim me juntar a você e seu exército. - Respondeu por fim; a expressão perplexa dos demais não se comparou a de descrença do jovem.

- Por que?! - Tal qual Azazel, ele também não compreendia.

- Naquela noite... Eu estava aqui... Eu O vi... E Ele falou comigo. - Todos ali estavam cientes do que se tratava: a primeira vez que Deus se manifestara na presença de todos desde o início de tudo. Bastaram estas poucas palavras para que toda raiva que consumia Dean simplesmente cessasse.

- Pode nos levar até Lucífer? - Quem questionou-lhe foi Samuel, que surgia no ponto mais alto das escadarias, fazendo com que todos se voltassem para mirá-lo.

- Posso. - Disse frio - Preciso retribuir um favor que Alice me prestou...- Os dois encaravam-se profundamente nesse instante: como se tentassem decifrar a alma um do outro.

- Gabriel. - Miguel chamou. Este prontamente assentiu com um meneio de cabeça, esperando as ordens do irmão mais velho - Encontre Joshua. Pergunte o que ele sabe sobre o Papai. Volte o mais depressa possível.

- Claro. - Concordou num tom sarcástico, saindo resmungando - Sou sempre eu! “Gabriel, diga a Maria que ela dará a luz ao Messias”; “Gabriel, vá falar com Maomé”; “Gabriel, dê um jeito no Apocalipse”... Devo ser mesmo um mensageiro, já que vocês só me chamam pra mandar recado... - Bufava. Em meio a isso, Dean notou que entre os que estavam reunidos ali, faltava um dos seus. Saiu a procura do mesmo, porém, não o encontrou; sentou-se do lado de fora e simplesmente esperou. Miguel cuidaria de tudo agora: ele era quem devia assumir aquilo, ser o responsável, desde o início. Que fizesse sua parte, pois Dean estava farto.

- Castiel. - Murmurou. “Primeiro Sam, e agora você... Aonde foi que se meteu?”

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