Após o Apocalipse

Memórias – Parte II


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- Como eu sou estúpido... - Disse se levantando da cama e indo em direção a janela. Suspirou e refletiu a respeito de tudo o que fizera até o momento. Sentiu-se mal por Alice o odiar tanto. Ele sabia que estava apaixonado. Não suportaria que ela enxergasse-o como um monstro, tal qual Miguel - Alice... você não vai me perdoar mesmo, não é? - Perguntou, ainda de costas.

- ... - A menina havia se sentado na cama de costas para a janela. Ainda trajava o vestido de noiva.

- Alice... Não me obrigue a te fazer responder! - Lucífer virou-se. Sentia como se um nó tivesse se formado em sua garganta. Por que vê-la tão triste e saber que ele era o motivo dessa angústia fazia com que quisesse que Dean tivesse atravessado aquela espada em seu peito?

-O que quer que eu diga?

- Eu sei que você me odeia por tudo o que eu fiz, mas... você tem que me entender!

- Te entender?! - Ela riu seca - Te entender mesmo quando me sequestra? Me ameaça? Me força a fazer tudo o que você quer? Até mesmo me obrigando a se casar com você? Querendo me levar pra cama? Mesmo já estando dormindo com outra? - Sua voz estava carregada de fúria.

- Olha... - O anjo parecia aflito - O que eu disse na Igreja... é meio que...verdade.

- O que? - A morena o encarou confusa.

- Esse casamento... Foi mais pra te ter ao meu lado do que para adquirir poder. Eu já disse... Eu te amo! - Estava agora parado, atrás da jovem.

- Você não me ama!

- Amo sim! - Disse se ajoelhando na frente dela - Te amo tanto que estou engolindo todo o meu maldito orgulho e implorando seu perdão... Olha, eu sei que eu errei muito, mas se você gosta de mim, se você sequer sente pena de um pobre coitado como eu, não me odeie, por favor!

- Eu achava que gostava de você... Mas depois de tudo o que aconteceu, não sei se ainda... - Ela falava mirando o nada.

- Por favor... - Lucífer não parecia o mesmo Satanás sádico e irônico de a pouco: ele estava implorando o perdão de alguém. Seria aquilo realmente possível? - Eu façoqualquer coisa!

- Então me deixa ir pra casa... - Alice fechou os olhos e mordeu o lábio inferior.

- Alice... - Falou enquanto a envolvia num abraço. Sussurrou em seu ouvido - Eu não posso te perder... Mesmo que você me odeie pelo resto da eternidade, não iria aguentar viver sem você...

- Lucífer...

- Não faz isso comigo! Por favor, não me deixa... - A adolescente depositou sua mão em uma de suas faces. Ele toma esta para si e beija sua palma, delicadamente. Ela o olhou surpresa - O que foi?

- Seus olhos... estão sangrando... - Disse mostrando sua mão que estava suja de sangue.

- Eu estou chorando... lágrimas de sangue. - Concluiu levando suas próprias mãos ao rosto.

- Por que você está chorando?

- Porque você vai me deixar... - Virou o rosto. Não podia encará-la.

- Isso não vai dar certo. Você é...

- Um monstro. - Ele fechou os olhos.

- Não...

- Monstros também amam... e choram. - A cena era mesmo comovente. Alice também se apaixonara em meio tudo aquilo, porém, temia pelo futuro de ambos.

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- Sammy? - Riu - Nunca sequer conversaram...

- Mas você usa o corpo dele. Isso é tão estranho...

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Alice encarava-o perplexa. Sammy se arrependera por ter sido tão impulsivo. Agora não sabia o que dizer. Desviara o olhar do rosto da garota e encarava o nada. Após alguns instantes, ela fê-lo voltar à realidade:

- Por que você me beijou?

- Desculpa, eu... Sei lá o que deu em mim... - Parecia constrangido. Permanecia sentado no chão, segurando a menina pela cintura, que estava sentada em seu colo. Ao perceber como se encontravam, Alice tratou de se levantar e caminhar em direção a janela; mais uma vez fitava a chuva, deixando-o sozinho, sentado no chão.

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Alice o olhava surpresa. Dissera coisas terríveis e estava arrependida. Nunca fizera isso antes. Havia magoado Sammy e agora sentia-se mal. De repente, o abraçou. Soluçava com a cabeça enterrada em seu peito, como já fizera antes.

- Me perdoa...

- Tudo bem. - Correspondia ao abraço. Nenhum dos dois disse mais nada. Até que Lucífer voltou - O que aconteceu? Por que está chorando?

- Nada... - Fungou, sem encará-lo. Sentiu um cheiro muito bom. O fez novamente. Não havia reparado naquele perfume antes. O anjo riu.

-Você está mecheirando?

- Não. - Falou afastando-se depressa, com as faces rubras. Ele se inclinou em sua direção e encostou o nariz na curva do pescoço da menina.

- Não tem problema: eu também gosto do seu cheiro... - Sentiu o perfume uma última vez antes de se afastar. Alice ficara mais corada. Ele sorriu - Eu te amo...- Murmurou.

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- Acontece que EU sou seu marido, Sammy é só a droga do meu receptáculo! - Parecia frustrado - Por que estava preocupada com ele, hã? Lembre-se que possuo apenas o corpo dele: esse com quem você conversa SOU EU!!! - Gritou. Depois que percebeu ter assustado a garota, voltou ao tom gentil e carinhoso que só usava com ela - Olha, eu sei que isso é muito estranho, mas sou eu que te amo, não ele. Por isso, se você pensou...

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- Por que você sempre faz isso comigo? - Suspirou - Às vezes, você me irrita, mas eu te amo tanto... - Dizia enquanto acariciava seu rosto.

- Para de repetir que me ama! - Ela berrou de súbito, se afastando - Pareço ser uma coisa pela qual você está obcecado... Isso me assusta!

- Mas é a verdade! - Falou, a puxando para perto, segurando seus pulsos - Eu te amo, Alice! Você me ama?

- Não. - Suas palavras eram ríspidas -Você é completamentelouco!

- Argh! - Rosnou. Estava furioso - Escuta aqui, já estou cansado de ser bonzinho com você: eu tento ser gentil, e é assim que você me paga, é? De agora em diante, vai me obedecer, fazer tudo o que eu disser, quando eu quiser. Do contrário, mando meus demônios lançarem sua família no fogo do Inferno agora mesmo, 'tá legal?

- ME SOLTA! - Tentava se libertar, em vão.

- Não!

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O anjo respirou profundamente. Sentou-se na cama e a fitou, aparentemente, frio. A garota apenas retribuía o olhar que lhe era lançado com curiosidade. Ele gostava de Alice. E sempre conseguia o que queria. Parecia egoísmo, mas Lucífer era assim: possessivo.

- Entendo. - Concordou sorrindo, carinhoso. Fez sinal pra que esta se aproximasse e se sentasse ao seu lado. Gesto ao qual a morena correspondeu, um pouco hesitante - Sei que, às vezes, sou um pouco... difícil de lidar. Mas gosto de você. Por isso sou assim: é a forma como cuido das minhas coisas. - Envolveu ambas as mãos da pequena - Sei que você me acha louco, tem medo de mim e...que não me ama. - Disse a última frase com certo pesar - Mas, pra ser franco, não me importo: desde que você esteja aqui. Não posso te perder... Ainda que me odeie pelo resto da eternidade, não iria aguentar viver sem você... - As palavras foram exatamente as mesmas daquela noite.

- O que você quer que eu faça? Finja te amar? - Sua voz denotava sarcasmo.

- Por que não? - Sorria insano. Naquele momento, ela teve certeza de que o anjo havia perdido a razão.

- Porque não seria verdade. Eu sei. Você sabe.

-Tudo bem:não faz diferença. Não vou desistir de você. - Deu de ombros. De repente, deitou-se na cama. Pousou a cabeça no colo da morena, surpreendendo-a - Quer brincar com o meu cabelo?

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O pincel ia colorindo aos poucos o desenho feito a lápis. A aquarela logo dava vida ao retrato que Alice fizera de Lucífer... Este continuava parado, na mesma posição, enquanto ela concluía a obra.

- Já está acabando? - Perguntou impaciente. A menina riu.

- Quase. Foi você que me pediu pra te desenhar... Então, não reclame! - O comentário fez o mesmo franzir o cenho.

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- Pare de pensar nisso! - Soava como uma ordem, quando era um simples pedido - Esqueça de tudo e todos, por que é tão difícil? Eu estou aqui: QUE SE DANE O RESTO! - Exaltou-se.

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- Lucífer! - A voz doce e melodiosa de sua esposa o fez parar e fitar a porta: Alice o olhava assustada, enquanto Miguel tinha uma de suas mãos sobre seus ombros, seu semblante frio e inexpressível.

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- Alice, saía.

- Lucífer, por favor... - Disse, ignorando a ordem, e caminhando em sua direção.

- VOCÊ ME ESCUTOU: SE AFASTE DE MIM! - Gritou, exaltado.

- ME ESCUTA VOCÊ! - Respondeu em igual tom, pondo-se frente a frente com o marido - Eu não aguento mais... - Deixou que as lágrimas banhassem seu rosto.

- Alice, não... Não... PARA DE CHORAR! - Estava confuso e desesperado. Vê-la naquele estado só fazia com que ele se sentisse pior - MIGUEL, SEU DESGRAÇADO: ISSO TUDO É SUA CULPA! - Encarava o irmão com ira.

- Ouça sua esposa, Lucífer! - Miguel estava ao lado de Dean, que assistia a tudo imóvel - A menina tem razão... Todos estamos exaustos: chega!

- NÃO! - Respirou, tentando recompor-se. Prosseguiu ainda ofegante - Isso... só acaba... quando... EU... disser que... basta!

- ISSO É LOUCURA! - Foi a vez deste perder o controle - PARE DE AGIR COMO UM MALDITO DESERTOR E VOLTE A SER MEU IRMÃO! - Desabafou.

-É tarde de mais...- Voltou seu olhar para o nada.

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- Acho que é o Sam:estãodisputando o controle. Como naquele dia... – Miguel respondeu pouco alterado.

- É, mas isso não aconteceu! - Apontou para o rapaz, que se contorcia de dor.

- LUCÍFER! SAMMY! - A garota gritava, desesperada: não sabia se ambos ficariam bem.

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Subitamente, Alice sai de seu transe e vai em direção ao marido, passando pelo arcanjo, que não tenta detê-la.

- PAREM! - Pede uma última vez, se colocando entre ambos.

- Alice, CUIDADO! - O Winchester não pode impedir o que se sucedeu: a espada de Lucífer a atingira num golpe certeiro, fazendo-a ir de encontro ao chão.

- NÃO! - Ele grita, desesperado, soltando a espada.

- O QUE VOCÊ FEZ? - Miguel a toma em seus braços e lhe lança o olhar que ele tanto odeia: desaprovação.

- Alice... - Sussurra ao vê-la se distanciando nos braços do irmão. Encara Dean que se aproxima ligeiro, pronto para desferir o golpe final. Fecha os olhos e respira pesadamente, aguardando o pior.

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- Qual seu nome? - Perguntou, visivelmente constrangida, desviando o olhar.

- Luc...ian.

- Lucian? - Riu.

- É, Alice: o que é tão engraçado? - Fitava-a divertido.

- Como sabia o meu nome? - A jovem ficara surpresa.

- Você sabe... - Disfarçou, nervoso - Um cara tem os seus meios quando estáinteressado. - A garota ia dizer algo mais, no entanto foi interrompida com a chegada da professora de Biologia.

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Tantas lembranças... Tantos “Eu Te Amo”, sustentados por mentiras, mentiras e mais mentiras. Revolta, medo, dor, angústia; Alice estava uma vez mais confusa. Outra vez Lucífer atordoava-a: as recordações caóticas que possuía do mesmo, ora gentil, ora rude, faziam-na refletir; ele a amaria de verdade? Em cada um desses momentos dissera-lhe que sim, mas já não tinha tanta certeza.

- Alice... - Começou, para ser repentinamente cortado pela mesma.

- Não. - Disse seca, encarando-o profundamente nos olhos - Eu achei que você me amava; acreditei em cada “Eu Te Amo”. Me apaixonei por você... - A essa altura, sua voz já estava embargada pelo choro, enquanto grossas lágrimas escorriam por sua face - Eu realmente te amei. Por que fez isso comigo? Quando vai parar de me fazer sofrer? Sou só uma “coisa”? Outra de suas posses? Por que é sempre tão cruel?

- Eu não... - As inúmeras perguntas o afligiam e vê-la naquele estado o fazia esquecer-se da presença de Dean, Azazel e Sam; apenas Alice importava naquele momento. Não queria que ela odiasse-o: não outra vez. Não suportaria - Olha, eu abri mão de tudo: do poder, da minha vingança... por você. Eu... Eu te amo tanto!

- Então por que mentiu? Por que fez dos últimos cinco anos uma terrível farsa?! - Ela não queria ouvi-lo, não podia; não iria perdoá-lo, não novamente. E ele sabia...

- Não, por favor, de novo não! - Pediu em meio ao desespero que assolou-o - Já te perdi antes... Eu não posso, não consigo e NÃO QUERO viver sem você! EU TE AMO! - Agora bradava. A morena meneou a cabeça numa negativa, incrédula quanto às palavras deste. Lucífer sentiu medo; como nunca havia sentido antes: temeu perdê-la e desta vez para sempre. E foi sem pensar que a agarrou pelos ombros, segurando-a de forma possessiva e violenta - VOCÊ NÃO ENTENDE! - Gritava.

- SOLTA ELA! - Foi do mesmo jeito impulsivo que o Winchester caçula sacou o Colt, disparando contra o mesmo, que caiu inconsciente imediatamente. Correu ao encontro de Alice e afastou-a dali.

- MESTRE! - Azazel que permanecera calado até o momento aproximou-se de Lucífer. Não entendia o porque de ter desaparecido; não apenas ele, mas muitos outros aguardavam pelo seu retorno. A luta com Crowley fora difícil, porém conseguira escapar; sem Lilith, Ruby, Megan ou Alastair, encontrara-se perdido. Como procuraria Satã? Continuava a ser um servo leal. E naquele momento mostrar-se-ia fiel. Dean estava pronto para disparar contra o mesmo que, distraído, concentrava-se em acordar Lucífer. Entretanto, a chegada de Ben, que descia as escadas depressa, acompanhado da mãe, fez com que abaixasse o revólver.

- LISA! - Berrou - NÃO MANDEI VOCÊS FICAREM NO QUARTO? - A situação o deixara muito nervoso e preocupado.

- Ouvimos os gritos! - Explicou também alterada - O que está acontecendo?! - Parecia tão ou mais aflita quanto o loiro.

- Encontramos o Diabo, o que queria? – E foi tomando-a pelo braço que rumou ao lado do filho para entrada, onde o irmão já encontrava-se, junto de Alice, que chorava copiosamente.

- O QUE? - Não teve tempo para responder, pois Castiel surgiu tão subitamente quando não o fazia há anos.

- Cass?! - Os três (Alice, Sam e Dean) fitavam-no confusos e surpresos.

- Sabemos que Lucífer está aqui; vim para tirá-los do alcance dele. - Não mudara nada: ainda usava o mesmo receptáculo, Jimmy Novak, o mesmo sobretudo bege, o mesmo terno negro e a mesma gravata azul marinho, tal qual os olhos, que ocupavam-se em analisá-los minuciosamente.

- Hum. - Por mais que a situação fosse estranha, inapropriada e inusitada, o loiro sorriu-lhe; um sorriso franco: era bom saber que sempre contaria com ele quando precisasse ser salvo - Valeu, Cass. Ah, e... A propósito: senti a sua falta. - Ainda que continuasse a não compreender muito bem as emoções humanas, o anjo correspondeu ao gesto, para desaparecer, levando-os consigo, logo em seguida.

- NÃÃÃÃÃOOOOO!!! - O grito estridente de Lucífer cortou a atmosfera; empurrou Azazel, afastando-o de si bruscamente. Ainda que fosse um dos servos que mais apreciava, era um demônio: um ser de existência indigna e repugnante, no seu modo de ver. Colocou-se de pé tão antes despertou, porém, era tarde de mais: o irmão partira, levando consigo os amigos e sua amada. Foi tomado pela cólera: era tarde de mais.

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