Apenas uma garota...

Capítulo 13 - Experiências e lembranças insanas


Acordei me sentindo pior. Todas as articulações do meu corpo e a minha cabeça doíam terrivelmente e eu sentia minha respiração incompleta. Sentindo-me fraca e indisposta, levantei-me e me dirigi ao quarto da minha mãe: vazio. Olhei as horas: 7:11 P.M. Ela certamente já tinha ido ao trabalho. O estranho: onde estava o tenente? Minha mãe o responsabilizara de ficar comigo.

Senti-me agoniada. Eu não consigo respirar. Peguei um sobretudo da minha mãe e o vesti. Estava um pouco frio, eu vestia apenas um pijama e precisava pedir ajuda. Desci a escada o mais rápido que pude, quase caindo durante o processo, e finalmente cheguei a porta. A essa altura, minha cabeça doía ainda mais e eu me sentia horrivelmente zonza.

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Preciso respirar.

Abri a porta e vi na esquina da direita a Ms. Jackson arrumando o seu jardim e, na esquina da esquerda, Mr. Pendlebury despedindo-se de Adele. Cambaleante, caminhei a passos trôpegos, tentando chegar à esquina. Tentei chamar a atenção, mas eles estavam conversando sobre alguma coisa importante. Eu preciso respirar. Pontos negros dançavam diante dos meus olhos e eu não conseguia ouvir nada que não fosse minha respiração falha.

— Shelly?! – ouvi a voz alarmada de Adele como se ela falasse através de um travesseiro.

Cambaleei para a pista e, depois de ouvir o ruído de freio de um carro, senti uma batida forte no meu abdômen. Senti-me lançada e fui ao chão, batendo a cabeça no asfalto, e a última coisa que vi foi a janela do quarto de Jaden, onde através dela pude ver a Ms. Zhou com o rosto banhado em lágrimas.

*********

Depois daquele momento, foi tudo um borrão para mim. Gritos desesperados foram comuns. Lembro-me de pessoas me pedindo para eu manter minha consciência, mas eu não conseguia. Uma espécie de torpor me puxava suavemente para a inconsciência. E ela era melhor, pois quando conseguia ouvir algo, não conseguia não sentir dor. A dor abdominal era algo absurdamente doloroso, a da cabeça era latejante. Vez ou outra, eu entreabria os olhos só para fecha-los novamente, vendo um rosto borrado que deveria ser o da minha mãe.

Todas as imagens já registradas por mim ficaram embaralhadas na minha mente, como se houvessem sido jogadas para o alto e caíssem em slow motion, assim como eu. Caindo dentro de mim mesma. Pedaços de mim mostrados para a minha consciência. Senti meu corpo virar mingau; a razão, a mesma coisa. Os sentimentos estavam aleatórios. Noção de espaço e tempo foram perdidos.

E então, eu estava de novo com meus seis anos de idade, ouvindo uma conversa do começo da escada.

— Ann, precisamos manter minimamente a amizade. Por Marie.

— É por Shelly que não quero sua influência sobre ela. E também, não faço ideia do porquê você criar essa vontade súbita de revê-la. Tem dois anos que você não aparece, Marcos! Não liga para a sua filha, não dá notícias... Eu deveria enxotá-lo daqui. – minha mãe o olhava com raiva, mas suspirou. — Porém, vou deixá-lo vê-la. Já pode descer, Shelly.

Vermelha de vergonha, desci as escadas. Minha mãe me olhou com um sorriso compreensivo e um tanto triste também.

— Sentiu saudade, Marie?

— Um pouco. — respondi, desconfiada. Porque ele me fez uma promessa que não cumpriu.

— Ficarei esse fim de semana em Vancouver. Que tal acamparmos?

— Acampar?

— Sim. Ver as estrelas e a lua. Você quer?

— Se mamãe deixar, eu vou.

— Você pode ir, Shelly.

— Então eu vou porque minha mãe deixou.

Visitei outra cena do meu passado. Eu havia acordado de um dos meus pesadelos horríveis gritando e tinha uns 5 anos na época. Minha avó, Agnès Revenry, adentrou o meu quarto. Havia uma curiosidade: ela só falava comigo em francês. “Temos que valorizar nossa herança”, ela dizia.

— Vamos lá, pequena guerreira. — sua voz era firme, mas nunca notei nenhum traço de crueldade nela. — Damas Revenry não choram por seus sonhos.

— Mas vovó, foi horrível... — balbuciei, trêmula.

— Sim, eu sei. — ela passou a mão pelos meus cabelos. — Contudo você precisa ser forte. Acha que consegue?

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— Não sei. É tudo tão triste...

— Eu sei, minha querida. Só seja firme, sim? Não se deixe abater.

— Quero a minha mãe... — reclamei, ainda chorando.

— Nem sempre ela poderá estar com você, sabe? Agora vamos dormir, certo?

— Vovó, é horrível, acredite em mim... — Meus soluços soavam tristes.

— Eu acredito, mas não posso lidar com eles por você. Você terá que achar uma saída.

A cena mudou.

De repente, lá estava eu com 4 anos de idade. Eu tinha acabado de acordar e estava descendo as escadas quando vi meu pai com uma mala na porta.

— Papai? — chamei. Ele voltou-se, parecendo um bandido pego em flagrante.

— Marie? Você deveria estar dormindo. É cedo ainda.

— Você vai viajar, papai? — indaguei, inocente.

— Seu pai está indo embora, Shelly. — ouvi a voz amargurada da minha mãe vinda do sofá, onde ela estava sentada.

Revivendo a cena, pude ver o quanto aquela separação doeu nela, o quanto ela não parecia consigo mesma.

— É verdade, papai? Por quê?

Ele parecia triste e chateado.

— Porque ele dá mais valor ao dinheiro, Shelly. Dá mais valor ao exército.

— Ann, não envenene a menina. — o tenente aproximou-se de mim. — Papai vai embora porque não pode mais ficar. Sua mãe não entende agora e nem você poderá entender também, mas é difícil para mim também.

— O senhor vai me abandonar. — E eu comecei a chorar. Queria não ter rogado uma praga tão boa naquela época.

— Não, não é verdade, eu virei sempre aqui, certo? Mandarei cartas, vou ligar...

— Só vá embora logo, Marcos. — minha mãe soou dura e autoritária. — Não faça promessas que não pode cumprir.

Ele suspirou. Eu continuava a olhar a situação, chorando. Então, ele olhou para mim e me afirmou algo que me traria desgosto e raiva futuramente, raiva por ele nunca mais ter sido tão sincero como foi quando me disse aquilo:

— Marie, você é meu maior orgulho. Eu sempre estarei lá por você. Não se esqueça disso.

E então, ele partiu. Fechou a porta, fazendo cessar a luz do nascer do sol diante dos meus olhos, e fez minha mãe chorar como eu nunca a tinha visto chorar.

Em algum momento, eu apareci em uma sala totalmente escura, onde os sonhos reviravam-se e misturavam-se diante dos meus olhos. Sangue, morte, suicídios, tiros, mutilações e tudo o que tinha direito estava presente naquela sala escura.

Eu estava sozinha. Shelly, não entre em pânico. O local cheirava a morte, a ferrugem, era escuro e eu estava só. Não entre em pânico.

Algumas pessoas extremamente magras arrastaram-se no chão negro, na minha direção. A mensagem era clara.

— Eu não posso ajudar vocês. — Tentei ficar calma, mas eles estavam ficando rápidos. — Eu não posso ajudar vocês! Por favor, me deixem em paz! – pedi, desesperada.

As pessoas se levantaram com uma força nova, me encarando com raiva e ódio. Soube o que fazer: correr. Corri com todas as forças que pude até que me deparei com uma parede de vidro. Fiquei dividida entre gostar ou não da parede, pois meus pulmões imploravam por ar, contudo, o bando de criaturas não totalmente humanas me cercara. Encostei as costas na parede, desesperada.

— Deixem-me em paz! Por favor, me deixem em paz! Perdoem-me! Eu queria ter ajudado vocês, mas não tive como! – gritei, chorando. – Desculpem-me! Não é minha culpa!

Subitamente, senti o vidro rachar. Despenquei como se fosse em um abismo. Senti meu corpo cair, contudo fui puxada por alguém. Tentei ver quem era, todavia, tudo ficou escuro novamente.

Lá estava eu, entre seis e sete anos, passeando no Oakridge Centre com a minha mãe quando pedi para ir ao banheiro. Quando saímos, ela encontrou uma colega de trabalho e ficou segurando minha mão. Se isso nunca aconteceu com você, você nunca teve infância. Fiquei olhando as pessoas e, em determinado momento, minha mãe soltou minha mão, mas não saí de perto dela.

Entre os transeuntes, vi uma mulher andando com passos meio duros e a realidade pareceu se desfazer, as luzes desfocadas e tudo como se fosse duplicado em um tom meio amarelado. O mundo parecia estar em câmera lenta. Comecei a andar lentamente.

A mulher continuava andando normalmente, entretanto, era como se houvessem várias dela e vi que ela fazia algo perigoso. Na época, não pude compreender, mas depois, percebi que ela trabalhava na máfia. Não por maldade, e sim por necessidade.

Os cenários se sobrepunham um após outro com uma vibração estranha, como se não fossem reais, ainda com aquele tom amarelado. Ao mesmo tempo que isso ocorria, o shopping continuava lá. Então, vi o momento em que ela morreria: uma rua, um beco escuro, pessoas encapuzadas, confusão, e então o tiro fatal na cabeça, o ruído de um revólver soando como se estivesse acontecendo.

Gemi, levei minhas mãos à cabeça e apertei meus olhos, como se eu houvesse levado o tiro na cabeça. Quando olhei ao redor, tudo havia voltado ao normal. Com algum esforço, saí correndo atrás da mulher.

— Moça! — chamei, meio desesperada, a cabeça doendo a cada passo dado. Doía tanto... — Moça!

Quando a alcancei, ela me olhou, surpresa.

— O que foi, garotinha?

— Tome cuidado. — pedi. — Evite becos escuros, por favor. Deixe de fazer coisas perigosas. Fuja.

— Shelly! — minha mãe me chamou, segurando meu braço. — O que deu em você, menina?

— Eu... — Não soube o que dizer. Voltei-me para a mulher. — Só não faça nada perigoso.

— Desculpe o inconveniente. — minha mãe pediu e saiu me arrastando. A dor de cabeça era forte. Parei e levei minhas duas mãos à testa. — Shelly, o que foi?

— Minha cabeça está doendo.

— Vamos para casa, então. Já compramos o que precisávamos para a Páscoa, certo?

— É — concordei, meio fraca.

— Vamos pegar um ônibus.

Fomos para um ponto de ônibus e quando pudemos nos acomodar no transporte, encostei em minha mãe e tudo ficou escuro.

— Shelly. Shelly.

Uma voz doce me chamou. Abri os olhos lentamente. Eu estava deitada em uma espécie de coberta, num chão barrento.

— Você precisa ver isso.

Uma garota morena de cabelos longos, negros e trançados estava sentada de costas para mim. Sentei-me.

— Que lugar é esse? – indaguei olhando ao redor. Tudo deserto a não ser quando eu olhava para baixo.

Aparentemente, estávamos em uma colina e, ao descê-la, logo estaríamos em uma aldeia indígena. Havia uma fogueira no centro do círculo de tendas e alguns índios estavam lá, assando algo no fogo. As mulheres cuidavam das crianças. Ela olhou para mim, os olhos estreitos cor de âmbar extremamente penetrantes. Pausa para descrição.

Ela era uma índia. Usava uma gargantilha grossa e artesanal com um enfeite minimamente estranho, mas bonito, usava um vestido simples. Tinha um rosto jovem e, ao mesmo tempo, experiente. Era bonita.

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— Por que perguntar onde quando a pergunta mais interessante é quando? – ela questionou sorrindo, olhando para cima, divertida como uma moleca. Fiz o mesmo e eu nunca havia visto estrelas tão brilhantes.

— Onde...

Ela pegou minha mão rapidamente e saímos voando.

— Eu só posso estar delirando. – murmurei, perdida. Olhei para baixo. A aldeia ficava cada vez mais distante. Pude ver campos, florestas. Era tudo tão bonito... – Quem é você?

Quase soltei a mão dela ao ver sua aparência. Havia mudado radicalmente. Os cabelos tornaram-se ondulados e castanho-claros, sua pele estava mais clara e não havia absolutamente nenhum traço ou enfeite indígena, apenas uma saia até o joelho, sapatos pretos e uma camisa branca. Seu rosto era o de uma adolescente e apenas os olhos continuaram os mesmos: cor de âmbar extremamente penetrantes. Ela riu.

— Desculpe, não pude me furtar dessa brincadeira. Pode me chamar de Elizabeth.

Olhei para cima novamente. As estrelas se aproximavam. Houve qualquer lapso em minha mente em que, subitamente, estávamos em uma sala com piso de cerâmica branco, paredes verdes, uma luz fraca, uma mesa, duas cadeiras, uma janela de vidro fumê que refletia minha imagem: assustada, vestida com meu moletom e meu jeans.

— Onde... como... hã? – eu simplesmente não consegui completar uma sentença.

Ela sorriu, divertida.

— Estamos em um lugar bem peculiar.

— Por quê aqui? O que é isso aqui?

— Não é nada além de uma lembrança. – Elizabeth explanou.

— Uma lembrança? – perguntei quase afirmando.

— Uma lembrança.

— Mas... uma lembrança? Como podemos estar dentro de uma lembrança? E que lembrança seria essa? Eu nunca estive aqui. – aquilo era estranho. Não fazia sentido.

— Você pode respirar um pouco, por gentileza? – ela reclamou cruzando os braços.

— Desculpe.

— É normal e não faz sentido. Por isso, não poderemos ficar muito tempo por aqui. Quanto a você nunca ter vindo aqui... Talvez seja uma lembrança mais minha do que sua.

Ela não era exatamente esclarecedora. Olhei para Elizabeth. Havia qualquer coisa nela que mexia comigo. Algo...

— Vamos ao foco, não temos muito tempo. – ela cortou meus pensamentos.

— Foi você quem me pediu para impedir a morte de Eleanor. — reconheci sua voz.

— Sim.

— Por quê?

— Algumas coisas não merecem acontecer.

— Ok, eu acho. Qual foi o lance da aldeia indígena? – perguntei antes de qualquer coisa.

— Um lugar bonito. Achei que você precisava de um após a série de sonhos loucos. Uma pausa, se é que você me entende.

— Você é Deus? – indaguei.

Ela gargalhou.

— A última coisa que eu sou é Deus, vá por mim.

Eu acreditei. Se Deus fosse aquela criatura irritante e sarcástica, o mundo estaria perdido. Ou não. Só sei que nada sei.

— O que é você, então? – quis saber.

— Uma alma amiga. – ela respondeu com simplicidade.

— Viva ou morta?

Ela sorriu com a pergunta.

— Mais viva do que nunca. Porém, em sua realidade, o meu corpo está inutilizado para uma alma.

— Então você está morta. – deduzi.

— Sim. Não se assuste, por favor.

— Você não é a primeira alma morta com quem eu sonho. — comentei, tentando deixá-la minimamente confortável. Às vezes, ser empática era um saco.

— Geralmente você sonhava com as almas mortas antes delas morrerem no seu mundo, mas tudo bem, vamos ao ponto. Eu tentarei lhe ajudar com Jaden. – A cada informação dita, meus olhos ficavam mais abertos.

— O que você sabe sobre meus sonhos? Você pode ajudar? Dá para evitar esse futuro?

Elizabeth suspirou e passou a mão na testa.

— Há tanta coisa a ser dita em tão pouco tempo...

— Você pode me ajudar? – indaguei.

— Posso. Mas vai demorar um pouco até que as coisas se desenrolem.

— Outra coisa: por que eu tenho esses sonhos?

— Aí é para outro momento. – ela respondeu me olhando preocupada. Ouvi passos. – Bem, hora de sair daqui.

Tive qualquer lapso e estava em um local diferente. Surgi de frente a uma janela em que o sol, mesmo seus raios estando fracos, fez meus olhos arderem. Olhei minhas mãos e percebi que pareciam um pouco translúcidas. Virei-me e vi que estava em um quarto de hospital. Elizabeth encontrava-se encostada na outra parede, braços cruzados, cabeça baixa.

Entre nós duas, havia um leito de hospital com alguém deitado nela. Vi a cabeça da minha mãe encostada no leito, virada da direção do rosto da pessoa. Ela estava sentada em uma cadeira, os cabelos ruivos brilhando como fogo cobrindo seu rosto. Uma espécie de segunda pessoa, exatamente igual a minha mãe, flutuava levemente sobre ela, na mesma posição do seu corpo. Um arrepio de ansiedade e medo passou pela minha espinha quando deduzi e vi que meu corpo estava deitado ali. Eu estava com um arranhão meio cicatrizado na cabeça. Elizabeth me olhou e me puxou pela mão. Subitamente, estávamos em um jardim.

— O que houve comigo? – indaguei meio desesperada e zonza.

— Você foi atropelada. Com a batida na cabeça e as complicações na sua respiração...

— Afinal, o que eu tinha?

— Pneumonite.

— Por isso eu não estava conseguindo respirar.

Ela concordou com a cabeça e prosseguiu:

— Você bateu sua cabeça meio forte. Quase criou um coágulo, mas os médicos resolveram. O principal problema foi a asma e essa pneumonite. Os médicos estão preocupados por você ter apagado por tanto tempo. Eles acharam que é sensibilidade aos anestésicos e antibióticos, por isso, aliviaram parte de sua medicação hoje pela madrugada.

— Há quanto tempo eu estou apagada?

— Uma semana.

— O quê?!

Ok, gastei muito tempo da minha vida lembrando da minha vida. Que útil.

— Pois é. Você tem que voltar. Não se preocupe com o tempo gasto, não foi em vão. Portanto que você não reconstrua as mesmas armadilhas de novo...

Olhei para Elizabeth.

— Tem tantas coisas que eu preciso perguntar.

— Eu estarei mais acessível. Confie em mim. Agora vá! – ela exclamou a última frase com firmeza, me empurrando.

Abri os olhos repentinamente e estava de volta ao quarto do hospital. Olhei para a minha mão esquerda. Mais sólida que nunca e com um cateter. Aquilo me deu agonia e eu senti vontade de tirar aquela coisa, mas me contive. Minha mãe estava lá, do mesmo jeito. Estava com sede.

— Mãe — chamei e minha voz soou rouca. — Mãe.

Ela despertou e quando me olhou, seus olhos pareciam cheios de lágrimas. Ao invés de chorar, ela me abraçou e comentou em tom de reclamação:

— Por Deus, Shelly! Você adora quase me matar de preocupação!

Eu a abracei. Depois de toda aquela loucura na minha cabeça, era bom tê-la ali comigo, com seu cheiro de hidratante de morango.

Ela te ama muito”, a voz de Elizabeth surgiu tão do nada que eu levei um susto.

Você realmente existe?!”, indaguei a ela, ainda presa no abraço da minha mãe.

Sim, não fui imaginação da sua cabeça”, sua voz meio enfadada soava clara como se ela estivesse ali. Minha mãe me apalpou, como se quisesse conferir se eu estava inteira:

— Como você está se sentindo? Está com dor? Consegue respirar?

— Mãe, eu estou bem. Só um pouco dolorida por ficar deitada — tentei acalmá-la sorrindo. — Acho que você tem que chamar um médico, não?

— Apenas estou feliz por te ver bem. — minha mãe pareceu genuinamente contente ao me dizer essa frase. Eu sorri. Ela apertou o botão para chamar a enfermeira e quando ela apareceu, sorriu.

— Você acordou, que bom! Vou chamar o doutor.

Ela fechou a porta e saiu rapidamente.

— Mãe... — comecei, hesitando.

— Diga, Shelly.

— Você sentiu muito a separação do meu pai, não foi?

Sua fisionomia tornou-se pensativa.

— Sabe, até hoje não entendo direito o porquê, mas parei de sofrer com isso. Eu tinha você e sua avó estava conosco, então as coisas foram mais fáceis.

— O tenente não soube valorizar o que tinha. — considerei.

Minha mãe meneou de leve a cabeça negativamente, gesto que a tornava uma dama vitoriana graciosa:

— Por que você está falando sobre isso agora?

— Eu meio que sonhei com isso quando estava apagada. — Então, sorri, meio despreocupada. — Meu Deus, eu era tão iludida. Achei realmente que meu pai poderia cumprir o que disse.

— Às vezes, as pessoas nos decepcionam ou nos machucam, sabe? A única coisa que nos resta é saber como vamos reagir a isso.

Antes que eu pudesse refletir o quanto a minha mãe era incrível, a porta se abriu. Era o médico. Bem, ele era legal e me informou que, se tudo desse certo, eu teria alta no dia seguinte. Era bom ter boas notícias. Depois de toda aquela experiência maluca, o mundo parecia mais... real.

Tirando Elizabeth. Ter um fantasma falando na minha cabeça era insano.