Apenas um Sorriso

Capítulo 08 – “Beije mais”


Em uma manhã clara de abril, na hora do café, Amy chegou quase atrasada ao Salão Principal.

—Por que você demorou pra descer? – Alice perguntou antes de dar um gole em seu café.

—Pirraça acabou de interditar um pedaço do corredor do terceiro andar. – Amy respondeu sentando-se – Tive de dar a volta.

—Interditou com o quê? – Sirius perguntou interessado

—Não faço idéia. Só vi a aglomeração de alunos.

Nesse momento, as corujas do correio da manhã entraram e Lílian viu uma coruja-das-torres pousar à sua frente esticando a pata para ela.

Pegou o bilhete e, abrindo, não teve dificuldade em reconhecer a caligrafia irregular de Hagrid.

“Flor atingiu sua cor definitiva ontem à noite.

Está linda, venham ver.

Abraço, Hagrid.”

—Ai. – a ruiva afundou no banco

—O que foi, Lily? – Amy virou-se para a amiga

—Eu… - precisava pensar em uma desculpa rápido - …acabei de lembrar que não fiz a redação do Flitwick.

—Ah, é pra semana que vem. – disse Amy

—É? Ah, que bom.

Já estavam todos levantando para subir para a sala de Feitiços quando Mila apareceu.

—Remo, posso te atrapalhar? É que… eu ainda preciso de ajuda em Transfiguração...

—Claro, Mila. – ele disse com um sorriso – Pode ser depois de amanhã à tarde?

—Pode sim, obrigada. – ela agradeceu antes de correr ao encontro das amigas da Corvinal, pois tinham pouco mais de cinco minutos para chegar às masmorras

… … … … … … … … …

Flitwick já falava há quase meia hora, quando um pedaço de pergaminho surgiu na carteira de Tiago.

O rapaz reconheceu facilmente a letra garranchosa de Hagrid no bilhete que chegara às mãos de Lílian no café da manhã. Também reconheceu logo abaixo a caligrafia pequena e regular da ruiva que dizia:

“Vou passar lá na hora do almoço.”

Espremendo a letra no pedaço que ainda sobrava no papel, ele respondeu:

“Vou com você.”

Fazendo um aviãozinho, mandou o bilhete de volta para a carteira da moça, o que a deixou preocupada de o professor ver a movimentação. No entanto, a aula continuou sem interrupções.

Flitwick não viu, mas Amy viu. E Sirius também.

A senhorita Callaham acompanhava de longe (não tão longe assim) a proximidade entre Lílian e Tiago. Não comentava nada com a amigas, tampouco falava a respeito com a ruiva. Conhecia o temperamento dela e sabia que tinha um gênio difícil. Não era absurdo pensar que, de repente, a senhorita Evans poderia se afastar da recente amizade (quem sabe, algo mais) de certa forma por orgulho, ou, o que talvez fosse pior, por não querer passar por algo semelhante a um fato de seu passado. Fato esse, aliás, que Amy nem imaginaria já ter chegado ao conhecimento do maroto em um pôr-do-sol do fim de março.

Já Sirius, observava com certa atenção. Não adiantava perguntar nada ao amigo sobre a aposta, desistira disso até. As respostas eram sempre vagas e outro assunto era logo colocado na conversa. Por isso, Sirius divertia-se vendo as cenas que tinham como protagonistas o casal que até cerca de três meses antes trocava farpas e ironias – em questão de ironias, ele tinha de tirar o chapéu, as da ruiva esquentadinha eram melhores.

… … … … … … … … …

Horas depois, Lily almoçava com disfarçada pressa para não levantar perguntas. Logo em seguida, atravessava o jardim acompanhada de Tiago.

—Lily, porque está tão tensa?

—Potter… - ela começou

—Hem, hem.

—Certo, Tiago. Se Flor realmente já chegou à cor definitiva, é uma questão de dias, semanas, se tivermos muita sorte, para os espinhos começaram a aparecer.

—Lembre-se de contar isso ao Hagrid, ele vai ficar bem animado.

—Lembre-se de não dizer isso ao Hagrid.

—Por que não?

—Porque ainda tenho uma esperança. Remota, mas ainda tenho uma.

—Qual? – Tiago perguntou já chegando à porta de Hagrid

—Depois eu falo. – Lily respondeu logo antes de bater

Após certificar-se de quem era, Hagrid deu espaço para que os dois entrassem. A diferença de temperatura era bastante considerável. Como janelas e cortinas continuassem fechadas para impedir que alguém visse a iguana, o interior da casa estava abafado apesar da brisa fresca que soprava do lado de fora.

—Ela não está linda? – Hagrid dizia com gosto

Lily estacou de susto: Flor crescera cerca de quarenta centímetros desde a última vez que a vira – cerca de duas semanas antes.

—Hagrid, ela está… enorme. – disse

—Não está? – ele tinha a voz de quem adulasse um bebê

Lílian olhou para Tiago pedindo ajuda, a resposta dele, no entanto, foi colocar a mão em suas costas empurrando-a levemente para frente antes que o amigo percebesse algo.

Os dois se aproximavam do terrário quando a iguana emitiu um som que lembrava muito um gato irritado. A ruiva pulou para trás tropeçando no pé de uma cadeira e quase caindo não fosse o rapaz a segurá-la.

Para a escala de tamanho de Hagrid, que devia ter mais de três metros, Flor até poderia parecer uma criancinha. Na óptica de Lily, a coisa era bem diferente. O animal tinha quase sua altura, pernas ágeis e, Hagrid podia dizer o que quisesse, não parecia ter um ar nada amigável.

—Oh, Florzinha está com fome. – falou o meio-gigante – Deixei uma abóbora separada pra você na horta, vou buscar.

—Pode deixar que nós vamos. – Tiago ofereceu aproveitando o pretexto para tirar Lílian da cabana do guarda-caça

… … … … … … … … …

O dia seguinte passou com a senhorita Evans correndo para a biblioteca a cada intervalo que tinha. Aquela poção… lembrava de ter visto algo daquele tipo… precisava encontrar… Para seu alívio, todos pareciam estar razoavelmente ocupados (inclusive Tiago, com o último jogo de Quadribol) e ninguém foi procurá-la.

Pouco depois do almoço, começou a cair uma bela tempestade que acabou durando mais de duas horas. A chuva fez a aula de Trato de Criaturas Mágicas, a qual Grifinória e Corvinal assistiam juntas, ser cancelada.

—Mila? – Remo a chamou próximo à escadaria de mármore

—Oi. – ela respondeu com um sorriso

—Quer aproveitar o tempo para estudar Transfiguração?

—Seria ótimo. – ela não conseguiu conter um sorriso ainda maior

—Bom, tem uma sala vazia no quarto andar ao lado daquela tapeçaria de cores fortes. Sabe qual é?

—Hum… sei, acho que sei.

—Vai indo lá. – Remo sugeriu – Vou falar com McGonnagal e já te encontro.

—Está bem. – ela concordou animada e seguiu para as escadas

Quinze minutos depois, Mila andava de um lado para o outro na sala vazia.

—Será que ele me esqueceu? – dizia para si mesma – Ou ele desistiu mesmo? Ai, - ela parou – e se aquela garota da Lufa-Lufa encontrou com ele no corredor? – voltou a andar com pisadas mais duras e rápidas – Ela estava olhando demais para ele no almoço…

POFT! CRASH! POW!

Distraída com seus pensamentos, Mila bateu em uma mesa, derrubou três carteiras além de ela própria ir para o chão.

—Mila!

Remo entrou apressado pelo estrondo.

—Você está bem? – ele disse ao ajudá-la a levantar

—Remo? – ela aceitou a mão que ele estendia

—Por que parece tão surpresa? Eu disse que já vinha. – Remo falou enquanto colocava uma cadeira no lugar

—Eu só… Nada, bobagem minha. – fez Mila arrastando a mesa para a posição original – O que é isso?

Ela notou o grande pote de vidro que ele deixara no chão para acudi-la e que tinha algumas miniaturas vivas de animais.

—Pedi emprestado a McGonnagal as cobaias que ela usa em aula. Estão reduzidas para poderem ser transportadas mais facilmente. – ele respondeu

—Certo. – Mila suspirou – Vamos ao trabalho, então. – acrescentou com uma nota de desânimo

—O que acha de começarmos trocando o casco da tartaruga por penas, só pra aquecer?

A dificuldade de Mila na matéria da professora Minerva era devida, principalmente, por ela não gostar do assunto. Podiam fazer a careta que quisessem, a matéria preferida dela era, apesar do professor, História da Magia.

—Por que colocar penas em uma pobre tartaruga? – ela perguntou

—Por que saber quantos duendes rabugentos se revoltaram no século XVI e seus respectivos nomes? – Remo retrucou simpático

—‘Tá, eu desisto. – Mila cruzou os braços

—Duvido. – ele riu

Quase uma hora depois, eles tinham avançado para uma espécie de modelo humano – para Remo não precisar servir de cobaia. Agora, a garota tinha a tarefa de transformar uma das mãos do “boneco” em uma pá. Lógico, não sem que antes ela perguntasse por que não podia simplesmente convocar uma pá.

O rapaz a assistia agitar a varinha repetindo o feitiço e reclamando a cada tentativa frustrada. A mão do boneco já tinha sumido, virado um prego, transformado-se em areia, mas nada de pá.

—Mila, tente sacudir menos a varinha. – ele instruiu

Dessa vez, apenas sumiu um dedo. Ela curvou os ombros.

—Dá licença que eu vou até o banheiro me afogar na pia.

Mila deu dois ou três passos em direção à porta, mas Remo já se levantara da mesa na qual estava sentado. Com um braço segurou-a pela cintura fazendo-a parar e tornar a virar para o boneco.

—Assim. – ele disse ao se colocar atrás dela segurando mão que empunhava a varinha e executando o movimento correto – Agora tente sozinha. – falou afastando-se

Ela precisou parar um instante para focar-se novamente, tinha perdido toda a concentração quando ele a segurou e sentira um frio desagradável quando ele retirou a mão da sua.

“Mire em cima do pulso, mire em cima do pulso.”, dizia para si mesma.

“Pazidius”. – tentou mais uma vez

E finalmente… a pá!

—Consegui!! – comemorou

—Tente outra vez. – Remo falou novamente encostado à mesa

Ela tentou. Uma, duas, três, quatro vezes, obtendo êxito em todas elas.

—Ah! – Mila correu para abraçá-lo – Obrigada.

Ficaram abraçados por algum tempo, nenhum dos dois realmente querendo sair dali.

Se gostavam há alguns meses, contudo, era um sentimento quase velado, nunca tinham trocado uma palavra a respeito. Mesmo assim, era impossível esconder por completo. O que andava no coração transbordava para pequenos gestos, coisas como um arrumar formas de passar mais tempo em companhia do outro.

Eram sinais sutis que ambos percebiam e que ambos pensavam ser apenas impressões do que gostariam que fosse. Nenhum tendo coragem de acreditar que era real para não criar falsas esperanças.

Mila o admirava pela inteligência, pelo jeito sensato, simpático e cavalheiro. E o que mais a encantava era seu sorriso, invariavelmente sincero.

Remo, por sua vez, era atraído por sua maneira extrovertida, ao mesmo tempo discreta. Seus olhos cor de mel, seus cabelos em um tom ainda mais claro, quase loiro, para ele compunham o rosto mais belo.

Tê-la em seus braços, sentir seu perfume… Não dava mais para esconder.

Mila o sentiu afrouxar os braços em torno e si e começou a afastar-se lamentando internamente. Mas ele não a soltou. Ela levantou o rosto e seus olhos se encontraram. Seu coração disparou.

O rapaz tocou de leve seu rosto com as costas da mão e parecia a Mila que logo as batidas descompassadas de seu coração seriam audíveis.

Aproximaram os rostos devagar, quase que com o receio de que quando se encostassem, acordariam do sonho.

Até que os poucos centímetros foram vencidos… e o sonho não acabou.

...

Estavam ainda sem fôlego quando McGonnagal entrou na sala.

—Senhor Lupin, senhorita Lake?

—Nós… já estávamos de saída, professora. – Remo respondeu

—Imaginei que sim, já está quase na hora do jantar.

Será que McGonnagal havia aprendido a lançar aquele olhar-raio-X com Dublendore?

Os dois apressaram-se em desfazer alguns feitiços – a tartaruga continuava com penas, o boneco com a pá, duas carteiras transfiguradas em coelhos, entre outros.

—Podem deixar. – Minerva os interrompeu – Eu mesma recolho as cobaias.

—Obrigada, professora. – agradeceram antes de sair, Mila podia jurar que vira um dos cantos da boca de McGonnagal querendo sorrir.

Uma vez no corredor deserto, a garota falou:

—É melhor eu voltar para o Salão Comunal...

—Certo…

Já virava para tomar o rumo da Torre da Corvinal, quando Remo a segurou pela mão.

—Mila, você iria comigo a Hogsmeade no outro fim de semana?

Ela abriu um sorriso ao responder:

—Iria

Soltaram as mãos. E mais uma vez ela não tinha dado dois passos quando ele a chamou:

—Hei!

Ela tornou a virar e o rapaz se adiantou e a beijou novamente.