Ao seu lado

Realidade


Sentia-me leve, confortável, sabia que estava tendo um sonho bom, não era com comida, mas, um cheiro de tempero me fez despertar.

Olhei para os lados, Ian não estava ao alcance dos meus olhos, ouvi então barulho de panelas. Segui para a cozinha.

Fiquei parada admirando-o enquanto colocava algo nos pratos.Muito desajeitado, mas ainda sim lindo, não pude conter meu riso.

—Não era para você ter acordado, eu já estava terminando. –Ele lamentou enquanto vinha em minha direção.

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—Estou tão faminta que o cheiro da comida me despertou. –Confessei.

—Volte para a sala, vou servir lá.

—Mal posso esperar. –Avisei.

Ian colocou os pratos sobre a mesa de centro, nos sentamos no chão.

—Lasanha congelada e coca-cola.Veja se aprova. –Ian disse rindo.

Dei uma grafada e meu estômago roncou.

—Está ótimo. –Elogiei voltando a comer. –Vou lembrar de mandar um e-mail elogiando a empresa que fabrica esses congelados.

Ele riu e depois fez uma careta.

—Está desvalorizando meu trabalho?

—O quê?Ter colocado no micro-ondas e esperado esquentar?Nunca, eu reconheço o quão difícil é essa tarefa. –Tentei parecer séria.

—E tem sobremesa...mousse de chocolate.

—Uau!Isso é praticamente um banquete. –Elogiei verdadeiramente.

Depois do jantar fomos para o quarto, havia uma cama de casal bem grande, lençóis claros e cheirosos cobriam-na.Me joguei sobre ela, Ian cuidadosamente deitou –se ao meu lado.

A chuva estava mais mansa, mas o barulho das gotas batendo contra as janelas era calmante e confortável. Ficamos olhando um para o outro por mais de um quarto e hora, afundei minha mão em seus fartos cabelos acarinhando-os.

—Eu poderia fazer isso para sempre...Com certeza. –Ele sussurrou sonolento.

—Por que não faz? –Resmunguei .

Ele me encarou, estava realmente sério.

—Lívia, você me vê mesmo em seu futuro? –Ele perguntou algum tempo depois.

Não precisei pensar um segundo sequer na resposta.

—Isso é um pedido de casamento? –Brinquei.

—Estou falando sério. –Ele riu.

—Que pena, eu estava pronta para dizer sim. –Continuei.

Ele balançou a cabeça...depois fixou seus olhos nos meus.

—Era tudo o que eu precisava ouvir. –Ele me beijou até adormecermos.

Não lembro-me com que sonhava, apenas sei que tratava-se de algo bom, ao fundo uma música eletrônica insistente teimava em chamar-me para a realidade.Abri meus olhos com dificuldade, sentia-me relaxada, mas ao mesmo tempo cansada, como se meu corpo não respondesse aos meus comandos, olhei para o lado e Ian estava lá, adormecido com uma expressão leve em seu rosto, decidi não chamá-lo.

Caminhei na ponta dos pés seguindo a campainha que gritava, o som cada vez mais próximo parecia vir da sala.Era o celular de Ian.

Na tela aparecia a palavra casa, eu não podia atender, como num estalo me lembrei de que há horas eu não dava sinais de vida para meu pai nem para minha mãe, engoli com dificuldade.

Corri para pegar o telefone em minha bolsa, meu celular estava desligado, havia acabado a bateria. Passei as mãos por meu rosto, estava começando a me preocupar, imaginava como meus pais estariam desesperados.

Sem pensar em outra alternativa, peguei o celular de Ian e prestes a discar notei no canto do visor que o relógio mostrava que ainda era 5:30 da manhã, seu eu ligasse para eles naquela hora, os mataria do coração.

Resolvi mandar uma mensagem, cuidadosamente escolhi as palavras.

" Mãe estou bem, meu celular está sem bateria, estamos aproveitando sem fazer nada errado...rsrsrs.

Bjs, Liv...."

Para meu pai, mudei algumas palavras mas, o contexto foi o mesmo, ele certamente já deveria estar esperando que eu passasse de fato a noite fora, e sabia que eu estava com Ian.

Um pouco menos preocupada voltei com o telefone para o quarto, eu precisava avisar Ian sobre a ligação de sua casa.

O quarto estava mal iluminado, mesmo assim pude notar que ele permanecia na mesma posição de quando eu saíra dali.Voltei para a cama silenciosamente, queria acordá-lo com calma.

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Seu cabelo estava todo bagunçado, seus olhos cerrados exibiam longos cílios escuros, respirei fundo, Ian realmente dava motivos para tantas garotas se encantarem por ele.

Meus pensamentos estavam longe, enquanto eu admirava-o quando o telefone voltou a tocar, levei um susto, Ian também.

— Me desculpe, eu não queria acordá-lo assim, mas estão ligando da sua casa. –Tentei dar uma breve explicação.

Ian esfregou os olhos e parecia estar processando as coisas.Ele sorriu e pegou o telefone de minhas mãos.

—Oi...eu avisei que dormiria fora." –Ele falou rouco. –Como assim?O que importa com quem estou? –Ian parecia meio irritado. –Antes do entardecer estarei de volta. –Ele finalizou desligando.

Imaginei que fosse sua mãe, mas fiquei esperando para ver o que ele me diria.

—Que horas são?Ele puxou-me para perto de seu corpo quente.

—Falta pouco para as 6:00 da manhã. –Sussurrei aconchegando-me em seus braços.

—Dormiu bem, Liv? –Ele roçou seus lábios em meu pescoço.

—Muito bem, só acordei porque ouvi o toque do seu telefone.

Ele segurou minha mão e entrelaçou seus dedos nos meus.

—Acordei de tempos em tempos, a todo momento eu abria meus olhos e procurava por você, eu queria constatar que estava aqui comigo, que não era uma ilusão. –Ele citou com um pouco de timidez.

Sorri boba, encantada com o que acabara de ouvir.

—Era sua mãe? –Indaguei recostando-me em seu peito.

—Meu pai... –Ele respondeu prontamente. –Mas, eu acabo de ter uma idéia.

—O quê? ––Ri com o tom de empolgação que ele usava.

Ian levantou-se e esticou seus braços para espreguiçar-se.

—Vou ao banheiro.Não demoro. –Ele beijou meu rosto antes de sair.

Agradeci internamente por sua iniciativa, eu não via a hora de escovar meus dentes.Rapidamente segui para o lavabo, quando retornei, Ian estava em pé no meio da sala, seu corpo estava envolto a uma manta azul escura.

—Vem. –Ele esticou sua mão.

—O que quer fazer? Ainda é tão cedo. –Reclamei enquanto caminhávamos para a porta de saída.

—O sol está nascendo... –Ele sentou no chão da varanda, encostou-se na parede e eu sentei-me entre suas pernas.

O céu estava começando clarear, a lua ainda estava lá, muito fraca, quase desaparecendo, respirei fundo aquele ar fresco, a brisa varreu meus cabelos, senti minha pele arrepiar.Ian colocou a manta sobre nós dois.

—Que lindo isso... –Sussurrei olhando para o céu .

—Acontece todos os dias, e ainda assim, existem pessoas que nunca viram o sol nascer, ou o sol se pôr. –Ele disse.

—Eu mesma não me lembro de ter parado exclusivamente para fazer isso. –Lamentei.

—É tão irônico, mas, eu passei a fazer isso depois que descobri minha doença. –Ele fez uma pausa como se estivesse se recordando de algo. –Todas as vezes que olhei o nascer do sol foi com pesar, como se eu estivesse me despedindo, sempre o fiz com tristeza.

Me virei para olhar seu rosto, seus olhos estavam marejados, mesmo assim ele não me parecia triste.

—Não quero que esteja sentindo-se assim. –Resmunguei sem saber ao certo o que dizer.

Ian girou seu corpo e aproximou seu rosto do meu.

—Lívia, eu gostaria de poder fazê-la sentir por um instante a forma com que eu me sinto agora, como eu estou revigorado, como eu estou feliz...Eu gostaria de poder traduzir em palavras o quão bem você me faz. –Ele me abraçou com força. –Eu nunca me senti tão cheio de vida como agora.

Inclinei minha cabeça e beijei seu braço, não falei nada mais porque não tinha palavras para responder a algo tão bonito, tão sincero.

Permanecemos ali em silencio, mesmo assim, dissemos muito um ao outro, e eu queria que fosse para sempre.

Aos poucos a fome foi batendo, meu estômago roncava clamando por comida.

—Pensei em surpreendê-la com um belo café na cama mas...

—Não trocaria esse momento por nada. –Afirmei enquanto voltávamos para o interior da casa.

Segui para a cozinha enquanto Ian foi até a sala e começou a revirar sua mochila, em pouco tempo sua mão estava cheia de comprimidos de cores variadas,eram muitos deles.

—Esse é o coquetel ? –Perguntei um pouco assustada.

Ian tomou um gole longo de água depois de colocar um deles em sua boca.

—Isso é minha realidade, todos os dias ... –Ele respondeu sem fazer-se penalizado.

Aproximei-me dele, me sentia como se acabasse de levar um soco .

—Sinto muito. –Foi genialmente o que consegui dizer.

Ian sorriu levemente, terminou de tomar seus comprimidos e então respirou fundo.

—Não sinta, eu estou bem e vou continuar assim, só terei que ingerir essas dúzias de comprimidos até que encontrem a cura para a AIDS. –Ian me abraçou.

Fiquei comovida com seu otimismo.

Estávamos comendo pão amanhecido com geleia de morango, sorriamos constantemente, tudo parecia mesmo um sonho.

—Não quero ir embora daqui. –Confessei.

Ian estreitou os olhos desconfiado.

—Isso facilita as coisas, eu estava pensando em como mantê-la como minha refém. –Ele disse sério.

—Eu aceito. –Brinquei.

Ian levantou-se da cadeira e me pegou em seu colo.

—Então nada de telefones... –Ele riu enquanto me colocava sobre o sofá.

Fiz uma carranca.

—Que choque de realidade...Vou ter de ligar para meu pai, preciso do seu telefone, o meu está totalmente sem bateria. –Senti uma ponta de preocupação, mal sabia o que diria para ele.

—Não acha melhor irmos para a casa dele então? –Ian tornou-se apreensivo.

Com o aparelho em mãos disquei o numero do telefone do meu pai, não pensei em nada, eu era melhor em improvisos.

—Alô. –Ele atendeu co a voz rouca depois de algumas chamadas.

—Pai, você estava dormindo? –Foi minha introdução.

—Acho que sim.Está tudo bem? –Ele já estava alerta.

—Sim, estou na casa de praia do Ian. –Comecei a falar sem saber até onde iria dizendo a verdade.

—Hum. –Ele foi monossilábico.

Ian acompanhava minha conversa com apreensão.

—Pai, eu queria aproveitar a praia, ficar mais um pouco por aqui...o que acha? –Arrisquei-me.

Houve um período de silêncio.

—Bem Lívia, você passou a noite fora, então não seria coerente da minha parte bancar o pai careta a essa altura. –Ele parecia estar dúbio. –Filha, espero não me arrepender por estar confiando em você.

Respirei enfim.

—Fique tranqüilo pai, eu sei o que faço.Te amo.

—Também te amo, e veja se aparece ainda hoje. –Ele aproveitou para dar o ultimo aviso.

Olhei para Ian, ele estava pálido.

—Espero que seu pai não deixe os sermões para mim. –Ele riu com sarcasmo.

Arqueei minhas sobrancelhas enquanto jogava-me em seu colo.

—Também espero. –Acabei rindo.

Aproveitamos cada segundo daquele dia, cada momento havia sido único e especial, eu estava tão apaixonada que podia jurar que o mundo conspirava a nosso favor.Não havia uma nuvem sequer encobrindo o sol, o céu azul parecia uma pintura.

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Tomamos banho de mar, deitamos na areia em silencio, falamos sobre tantas coisas, mas sempre assuntos relacionados a duas pessoas, nós.Nossos beijos, nossos sorrisos, cada toque era tão especial que eu não conseguia imaginar minha vida de outra forma.

Estávamos nos preparando para almoçar quando o celular de Ian voltou a tocar.

—Alô...É o Ian. –Ele franziu o cenho.

—O que foi? –Preocupei-me.

—Acho que foi engano, desligaram e o número era desconhecido. –Ele voltou a atenção ao nosso almoço.

Dez minutos depois, o telefone voltou a tocar.

—Acho que estou começando a gostar da idéia de abolirmos telefones por aqui. –Brinquei.

Ele sorriu.

—Estranho, número desconhecido novamente. –Ele falou enquanto olhava para o visor de seu telefone.

—É melhor atender, não é? –Questionei despreocupada.

—Alô.

Em poucos segundos sua expressão mudou completamente.

—É seu pai, ele está...estranho. –Ele passou para mim.

—Pai? –Aconteceu alguma coisa? –Indaguei nervosa sem conseguir imaginar o que se passava.

—Lívia, venha imediatamente para minha casa, acabo e receber um telefonema da sua mãe, histérica. –Ele tentava parecer controlado, mas,sua voz estava falhando, típico de quando ficava nervoso.

—O que houve?Aconteceu alguma coisa com ela? –Estressei-me.

—Eu não entendi direito, mas é sobre você filha... sobre seu namoro, eu não sei, venha imediatamente para conversarmos.

—Estou a caminho. –Sussurrei tentando assimilar suas palavras.

—Liv, o que está acontecendo? –Ian colocou-se em pé em minha frente.

—Minha mãe, parece que ela sabe sobre nós. –Fui direta.

Ele arregalou os olhos e empalideceu.

— Eu deveria ter desconfiado. –Ele afirmou depois de alguns instantes pensando.

Parei em sua frente inteiramente confusa.

—Como acha que ela ficou sabendo? Será que meu pai.... –Comecei a lançar minhas teorias.

Ian balançou a cabeça.

—Nós nunca tomamos cuidado, fomos muito indiscretos.Quantas vezes os porteiros nos viram chegando e saindo juntos.

Ri alto, sarcástica.

—Eu não imagino minha mãe indo conversar com algum porteiro sobre minha vida pessoal. –Ironizei.

—A sua mãe não, já a minha... –Ele arqueou as sobrancelhas como se estivesse certo do que estava dizendo.

—Acha mesmo que...

Antes que eu pudesse terminar minha frase, ele estava andando de um lado para o outro da cozinha, parecia um leão enjaulado.

—Sua foto, eu deixei em baixo do meu travesseiro, certamente ela deve ter encontrado, ela adora bisbilhotar as minhas coisas. –Ele dizia inconformado. –Hoje quando meu pai me ligou, ele perguntou com que eu estava.

Votei a me sentar, minha cabeça estava girando.

—Sua mãe teria coragem de bater na porta da minha casa e dizer a minha mãe que nós estamos juntos?

Ian passou as mãos por seu rosto, ele estava vermelho, seus olhos perdidos.

—Ela achou a foto, já devia estar desconfiada, com certeza perguntou a um dos porteiros, que claro, deve ter confirmado ter nos visto juntos por mais de uma dúzia de vezes, então ela foi falar com sua mãe, que ligou para o meu celular....

—Claro, eu mandei a mensagem pelo seu telefone, ela puxou o número e teve a confirmação. –Concluí.

—Exatamente isso. –Ian concordou.

Entendendo a dinâmica dos fatos, uma pergunta ainda me incomodava...

—Por que sua mãe fez isso? Por que não falou com você antes? –Inqueri.

Ele me encarou com sofrimento.

—Lívia, ela deve estar repudiando a idéia de eu estar me envolvendo com alguém, minha mãe deve estar achando que você vai ser a próxima vitima desta maldita doença, e o pior, sua mãe também deve estar pensando assim... –Ele disse com voz alterada, mas com lágrimas nos olhos.

Talvez naquele primeiro instante o mais normal fosse eu entrar em pânico, estar morrendo de medo do que me esperava, do que estava por vir, mas não, eu me sentia forte o bastante para externar o que eu sentia por Ian, para tornar público o nosso relacionamento como eu sempre achei que deveria ser feito.

Sem nada dizer comecei a recolher minhas coisas e colocar tudo dentro da minha mochila.

—O que está fazendo?

—Pegando minhas coisas, temos que ir. –Avisei.

— Mas... o que vamos dizer? Ou melhor, o que vamos fazer? –Ele parecia em pânico.

—Agora só nos resta ir até a casa do meu pai. –Falei já seguindo para o carro.

Não nos falamos durante o percurso de volta, mas, a todo o momento flagrava Ian fitando-me com sua melhor expressão de culpa, como se eu fosse uma grande vítima.

Eu acreditava que havíamos superado essa fase , que finalmente Ian entendia que éramos seres humanos, e, que nossa relação era perfeitamente aceitável, por mais que eu soubesse o quão preconceituoso e cruel o mundo podia ser, eu não conseguia ver algo errado em estarmos juntos.O pior de tudo era que nem mesmo Ian estava convencido disso.Suas certezas eram feitas de cascas finas, fáceis de quebrar, frágeis de mais.

Eu tinha a qualquer custo, que reverter aquela situação, eu estava disposta a enfrentar o que fosse para mudar aquilo, por outro lado,estava ciente da encrenca em que havia me metido, não pelo fato de minha mãe ter descoberto que eu estava namorando Ian, mas sim por minhas mentiras, principalmente por não ter sido totalmente sincera com meu pai.

Esperava poder conversar com ele antes que minha mãe chegasse, já imaginava o quão descontrolada ela estaria, No entanto, ela chegou exatamente ao mesmo tempo que Ian e eu.

Mal estacionou o carro e já desceu, batendo a porta como uma desequilibrada, meu pai estava parado no portão, tão perdido quanto eu pensava.