“Parecia estar tudo bem até o momento em que eu abri a porta e me deparei com a cena de Delly e Peeta se beijando.”

Peeta empurra Delly para trás de leve, e vejo Peeta surpreso ao notar minha presença. Delly sorri ironicamente para mim. Olho com ódio para ela, e falo com Alice sem tirar os olhos de Delly:

– Alice, vá para a casa do tio Hay agora.

– Mas por que, mamãe?

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– Não importa. – falo devagar, entredentes para não gritar – Apenas vá.

Alice sai de casa e eu a observo até me certificar que ela entrou na casa de Haymitch. Fecho a porta e me viro, intercalando meu olhar entre Peeta e Delly. Delly continuava com seu sorriso irônico e Peeta me olhava como se eu fosse atirar uma flecha na cabeça dele a qualquer momento. Deixei a mochila que estava nas minhas costas cair no chão. Caminhei lentamente até eles, como se eles fossem a minha caça e eu não quisesse assusta-los. Paro a poucos centímetros de Delly e digo:

– Vá embora... Agora.

Ela apenas ri.

– Eu ir embora? Acho que você não viu o que acabou de acontecer aqui, querida.

– Katniss... – Peeta tenta falar mas eu não deixo.

– Shhh. – digo apontando o dedo pra ele. – Não se atreva a falar uma palavra. – volto a minha atenção para Delly. – Delly... Vá embora.

– Eu-não-vou. – responde ela calmamente ainda sorrindo.

– Delly, é a última chance. Vá embora. Estou tentando ser sua amiga.

– Bom pra você, porque eu não quero ser sua amiga. – responde ela rindo.

– Que bom, porque eu também não quero. – digo, pegando um vaso próximo e quebrando na cabeça dela.

Delly cai no chão e vejo um rastro de sangue escorrer pelo seu nariz, ela coloca a mão na cabeça como se não acreditasse que eu tivesse feito aquilo. Ela se levanta furiosa enquanto grita:

– SUA MALUCA DESMIOLADA, VOCÊ QUEBROU UM VASO NA MINHA CABEÇA.

– EU TIVE AZAR, PORQUE EU QUERIA QUEBRAR A SUA CABEÇA E NÃO O VASO.

– O QUE VOCÊ DISSE?

– Ahh, quer dizer que além de vadia é surda? – respondi com outra pergunta.

– Ora sua...

Ela pula em cima de mim e nós caímos no chão enquanto ela tenta me acertar socos, só não consegue porque eu consegui segurar seus braços. Peeta a tira de cima de mim e a empurra para longe. Ele se vira para mim e tenta me segurar, mas eu começo a me debater, tentando meio que escalar ele e alcançar Delly. A força que Peeta usou para tirar Delly de cima de mim a fez cair. Eu vejo por cima do ombro de Peeta, ela se levantando e caminhando na minha direção. Agora Peeta está no meio de nós duas, tentando nos separar, enquanto nós tentamos de qualquer forma, machucar uma a outra. Tenho certeza que Peeta levou vários arranhões nos braços. Haymitch entra na casa, enquanto Delly e eu estamos gritando ofensas uma para a outra e Peeta nos manda parar, mas nem sequer ouvimos sua voz, pois estamos gritando uma mais alto que a outra.

– Katniss, por que você mandou a Alice... MAS O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? – fala Haymitch surpreso.

– Haymitch, pelo amor de Deus, me ajuda. – suplica Peeta.

Haymitch se aproxima e segura Delly por baixo dos braços, mas a garota continua a se debater. Peeta segura a mim e eu faço igual a Delly. Eles nos afastam uma da outra.

– Pare quieta, garota. – diz Haymitch para Delly. – Tem como alguém me explicar o que está acontecendo aqui?

– ESTÁ RETARDADA MENTAL ESTAVA BEIJANDO O PEETA. – eu grito furiosa.

– Mas como assim? Quem é está garota afinal?

– É a Delly. – responde Peeta.

– Qual é o seu problema, Delly? Não notou que o Peeta está casado com a Katniss e que eles tem uma filha? – pergunta Haymitch largando Delly, já que ela se acalmou.

– Eu sei muito bem disso. Eu sei de tudo. Já que ele não fala de outra coisa além disso. – diz Delly.

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Peeta acaba me largando também.

– A culpa não é minha se ele ama a mim e não a você. – eu respondo.

– É culpa sua sim. – fala Delly. – Para que você foi se voluntariar como tributo afinal?

– Como assim? Você sabe porque. Por causa da...

– Eu sei. Da Prim. Mas resolveu alguma coisa? Ela morreu do mesmo jeito.

– Ei, não fale de Prim. – falei já me aproximando, mas Peeta segurou meu cotovelo.

– Sabe, Katniss? Quando Peeta voltou da Capital naquele estado, pensei que finalmente o teria pra mim. Mas não. Parece que ele vai escolher você não importa quantas vezes façam ele mudar quem ele é.

– Então foi pra isso que você venho até aqui? Só para tirar Peeta de mim?

– Pra ser sincera, foi. Vim aqui só para isso. Mas parece que isso não é um trabalho tão fácil.

– Você é uma pessoa tão podre, Delly.

– Mas você tem que admitir que ele seria mais feliz comigo do que com você.

Eu não soube o que responder. Apesar de me sentir ofendida com a afirmação de Delly, no fundo eu sabia que ela tinha razão. Afinal, Delly é linda, saudável, nenhuma cicatriz na pele e, principalmente, mentalmente normal. Enquanto eu sou a “mentalmente desorientada”, a que acorda todo mundo gritando no meio da noite por causa dos pesadelos, a que tem acessos de choro ou raiva ao ter simples lembranças do passado.

– Ok. Venha cá. – fala Haymitch puxando Delly até ela parar na minha frente. – Peçam desculpas uma para a outra.

Delly e eu nos olhamos com as sobrancelhas arqueadas. Haymitch só pode estar brincando.

– Eu não tenho do que pedir desculpas. – falei.

– E eu não me arrependo de nada do que eu fiz. – fala Delly.

– Ah, não? – eu pergunto.

– Você acha mesmo que eu ia sentir algum arrependimento de ter beijado Peeta? Eu beijaria de novo se você não estivesse aqui.

– Eu acho que você está a fim de morrer. – falo me aproximando mais.

– Chega, parem as duas, agora. – fala Peeta me puxando para trás. Ele olha pra mim – Vamos, Kat. Peça desculpas.

– O que? Como assim eu pedir desculpas? Eu não fiz nada. Ela que beijou você. – protestei.

– E você quebrou um vaso na cabeça dela.

– Eu não acredito nisso. Não consigo acreditar que você está do lado dela.

– Eu não estou do lado dela, eu só disse pra você pedir desculpas.

– Pois eu não vou pedir nada. – falo me virando e indo em direção a rua.

Peeta me segue.

– Mas aonde você vai? – pergunta ele.

– Vou buscar a minha filha.

– Nossa filha. – corrige ele.

– Não. Minha filha. Você pode ser casar com a gostosona e fazer outra pra ti.

– Katniss, pelo amor de Deus, do que você está falando? Eu estou casado com você, e vou ficar com você até um de nós morrer.

– Isso se Delly não vier nos visitar. – falo fazendo aspas com os dedos na palavra “visitar”.

– O que? Você está se ouvindo? Por que esta sendo tão infantil?

– Eu estou sendo infantil? Vou te dizer o que é infantilidade: infantilidade é deixar a amiga do meu marido vim visitar ele, dar uma saída e quando volto, ela e o homem que eu amo estão aos plenos beijos na sala da MINHA CASA!!!

– Ah, então agora a culpa é minha? Fui eu que beijei ela?

– Não, mas você não se defendeu.

– EU FUI PEGO DE SURPRESA. NÓS ESTAVÁMOS CONVERSANDO E DO NADA ELA ME ATACOU.

– E VOCÊ É TÃO FRACO QUE NÃO CONSEGUE SE DEFENDER DE UMA MULHER?

– AH! QUER SABER KATNISS? VAI PARA O INFERNO!!! – grita Peeta e vira as costas para mim.

– VÁ VOCÊ, SEU IDIOTA. PRA ONDE VOCÊ VAI? – eu grito com raiva.

Ele se vira, mas continua a caminhar de costas.

– NÃO IMPORTA PRA VOCÊ. MAS FIQUE TRANQUILA. DELLY NÃO ESTARÁ LÁ!!!

Ele se vira novamente e em pouco tempo some da minha vista. Paro para respirar fundo diversas vezes antes que eu tenha um ataque e saia por aí gritando que nem uma louca. Olho em volta e vejo Effie e Haymitch me olhando com os olhos arregalados. Alice esta abraçada na perna de Effie. Ela me olha da mesma forma. De repente sinto um sentimento de culpa. Não notei que Alice estava ali assistindo aquela cena. Sinto vontade de chorar mas não irei fazer isso na frente de Alice. Me aproximo, pego ela no colo e a abraço. Deixo uma única lágrima escorrer pelo meu rosto.

– Me desculpe. – sussurro para ela. – Me desculpe.

– Você está bem? – pergunta Effie.

– Sim. Eu vou ficar bem. – digo me afastando. – Eu...Vou...Ficar...Bem.

Caminho até em casa aos tropeços. Tento soltar Alice, mas ela se nega a soltar meu pescoço, então apenas me sento no sofá com ela. Começo a cantar para tentar acalmar ela um pouco. Em pouco tempo Alice está dormindo. Coloco ela na cama e noto que esqueci de algo. Onde está Delly? O primeiro lugar que procuro é no quarto de hóspedes, onde eu deixei a pequena mala dela. A mala não está mais em cima da cama, no lugar só há um pequeno bilhete deixado por ela:

“Fui embora.
Estou a caminho de tê-lo para mim.
É melhor se cuidar “Garota em Chamas”, o fogo sempre acaba alguma hora.
Até algum dia.
Eu sei que nos veremos de novo.
Com carinho, Delly Cartwright.”

Fiquei com tanta raiva quando li aquilo que só notei agora que aquela briga toda que eu tive com Peeta, foi planejada por ela. Rasguei o pequeno papel cor-de-rosa em milhões de pedaços e joguei tudo no chão. Ela que se atreva a vir para este Distrito de novo. Fui para o meu quarto e comecei a esmurrar o colchão enquanto gritava ofensas em voz alta para Delly. Estava torcendo para que o trem saísse dos trilhos e ela morresse de uma vez. Quando dei por mim estava encolhida no colchão e chorando igual a uma criança. Acabei dormindo e acordei de noite. Me levantei e passei pelo quarto de Alice, ela continuava a dormir. Desci e preparei algo para comer. Depois sentei no sofá da sala e fiquei olhando para o nada. Fiquei assim até Haymitch entrar na casa.

– O garoto voltou? – perguntou ele.

– Não. – respondi sem olhar para ele.

– E você não vai atrás dele?

– Não.

– E se ele estiver em perigo?

– Peeta está crescidinho o bastante para cuidar de si mesmo.

– Bem, se você não for atrás dele, eu irei.

– Boa sorte.

Haymitch não disse mais nada, apenas se retirou da minha casa. Não sei quantas horas eu fiquei olhando e pensando no nada, mas em algum momento Haymitch entra na minha casa novamente arrastando Peeta para dentro.

– Eu o achei. – diz Haymitch.

Peeta caminhou cambaleando até mim e se atirou no meu lado no sofá.

– Oi, meu amor. – diz ele antes de puxar minha cabeça e me dar um beijo.

Mas havia um gosto estranho, eu virei meu rosto e Peeta continuou a beijar minha bochecha. Eu conheço este gosto. Isso é... É... Álcool!!!

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– ELE ESTÁ BEBÂDO? – pergunto horrorizada.

– E bem notável que sim. – fala Haymitch. – Vem, eu te ajudo a levar ele para cima.

Fazemos Peeta subir a escada, e ele tropeça mais do que sobe. Depois de certo tempo, conseguimos fazer ele chegar até o quarto. Ele mesmo se atira na cama.

– Acho melhor colocar ele embaixo do chuveiro. – sugiro.

– Eu também acho. – confirma Haymitch.

Caminho até Peeta e o puxo pelo braço.

– Venha, Peeta, vem tomar um banho. – digo a ele enquanto o puxo.

Ele me segue sem resistência nenhuma. Ele tenta tirar a roupa mas parece que suas mãos perderam o contato com o cérebro. Eu tiro a roupa dele e o deixo só com as cuecas, até porque Haymitch estava ali, e tem coisas que ele com certeza não vai querer ver. Começo a empurrar Peeta para o box, mas ele se vira e me abraça, ou melhor, me esmaga.

– Toma banho comigo. – pede ele.

– Não Peeta, hoje não. Me solta. – digo tentando fazer ele me largar.

– Ahh, por favor. – suplica ele.

– Se você me soltar e tomar banho direitinho eu tomo um banho com você amanhã, pode ser?

– Tá, pode ser sim. – diz ele me soltando e indo para baixo do chuveiro. Eu ligo o chuveiro e deixo a água ficar gelada, ele entra de uma vez, e dá um salto para trás logo em seguida. – Essa água está gelada, amor.

– Eu não mandei você encher a cara, agora entra em baixo desse chuveiro. – digo a ele.

– Não dá, a água está muito fria. – reclama ele de novo.

– Você não vai tomar banho comigo amanhã...

– Tá, tudo bem, eu já estou aqui embaixo, olha. – Peeta entra rapidamente embaixo do chuveiro e começa a ter uma série de calafrios. – Você é muito má. – diz ele, infantilmente.

Deixo ele ficar um tempo ali, mas como ele fica me olhando como se estivesse morrendo embaixo daquele chuveiro, tive que tirar ele. Ele saiu e sentou na tampa da privada.

– Isso, fica aí que eu te seco. – digo.

– Estou cansado. – afirma ele.

– Eu sei, ficar bêbado cansa, não é companheiro? – pergunta Haymitch rindo. Apenas olho para Haymitch o fuzilando com os olhos, ele imediatamente fica sério. – Desculpa.

Faço ele abrir as pernas e fico de pé na frente dele. Começo a secar os cabelos dele. De repente ele abraça a minha cintura e eu quase caio em cima dele.

– Eu te amo. – diz ele abraçado a mim.

– Eu também te amo, mas agora eu preciso que você me solte pra mim poder te secar. – digo.

Ele não me solta, só me aperta mais.

– Tudo bem, me dê a toalha que eu seco as costas dele. – fala Haymitch.

Eu passo a toalha e ele seca as costas de Peeta, enquanto eu acaricio seus cabelos louros ainda úmidos.

– Já secou? – pergunto.

– Sim. E só vou secar as costas, me nego a secar qualquer outra parte do corpo dele. – fala Haymitch me devolvendo a toalha.

– Isso já ajuda bastante. Ele tem costas largas. – começo a tentar tirar os braços de Peeta de torno de mim. – Vamos, Peeta. Me solta. Se não você vai para cama todo molhado.

– Não vou não. O Heitor secou as minhas costas.

– QUEM SECOU AS SUAS COSTAS? – pergunta Haymitch irritado.

– O senhor, Sr. Heitor.

– Meu nome é Haymitch e não Heitor, seu palhaço.

– Ah é. Desculpa Haymitch. – responde Peeta falando o nome de Haymitch todo errado.

Depois de eu insistir mais um pouco ele finalmente me larga e eu consigo terminar de secar ele.

– Acho que o banho frio não ajudou em nada. – suspiro. – Vamos Peeta. Vamos colocar uma roupa.

O puxo pela mão, se não ele iria ficar sentado na privada a noite toda. Consigo vestir uma bermuda em Peeta, mas quando vou tentar vestir a camisa, ele levanta os braços pra cima. Eu digo para ele abaixar, mas ele não obedece. Olho para Haymitch, como se estivesse pedindo ajuda. Ele pareceu entender o recado.

– Não, nem prensar. Já foi ruim o bastante ter que ver ele só de cuecas e ainda ter que secar as costas do garoto. Eu não vou colocar essa camisa no Peeta. – fala Haymitch.

– Que se dane, também. Ele pode dormir sem camisa. – falo atirando a camisa de Peeta de volta no armário. Puxo as cobertas e faço sinal para Peeta deitar na cama. – Você pode deitar agora.

Não foi preciso falar duas vezes. Ele se atirou na cama, quase a quebrou.

– Você não vai dormir comigo? – pergunta ele.

– Eu já vou. Eu tenho que ver a Alice primeiro.

Caminho pelo corredor seguida de Haymitch, Alice sai do quarto quando eu estava quase alcançando a porta.

– Cadê o papai? – pergunta ela, esfregando as mãos nos olhos.

– O papai está dormindo. – respondo. – E você vai voltar a dormir também.

– Mas eu acordei agora. Estou com fome, mamãe. – reclama ela.

Eu pego ela no colo, não sabendo muito bem o que fazer. E agora? Não posso deixar Peeta sozinho. Mas também não posso deixar Alice sozinha. E eu não posso colocar eles no mesmo quarto pois não quero que Alice veja o próprio pai bêbado.

– Tudo bem, me dê ela Katniss. – diz Haymitch a tirando dos meus braços. – Que tal ir pra casa do tio Hay, comer um bolo de chocolate, que a tia Effie está fazendo? Hein, o que acha Alice?

– Oba! Bolo! – vibra ela. – Eu posso, mamãe? Por favor? – implora ela juntando as mãos como se estivesse rezando.

Eu rio e respondo:

– Tudo bem, pode. Mas não vá fazer bagunça.

– Eba!!! – vibra Alice de novo.

– Eu posso te trazer ela amanhã se você quiser. – sugeri Haymitch.

– Tá, pode ser. Tchau Alice.

– Tchau mamãe. – responde ela se esticando para poder me dar um beijo.

Acompanho os dois até a porta e volto para o quarto esperando encontrar Peeta dormindo, mas assim que entro vejo seus olhos me olhando.

– Você não dormiu ainda? – pergunto.

– Eu estava esperando você. – diz ele. – Você disse que já vinha.

– Tudo bem, eu estou aqui. – digo me deitando ao seu lado. – Agora durma.

Ele me abraça com força novamente mas logo depois seus músculos relaxam.

– Que bom que você está aqui. Isso me fez falta no cativeiro.

– No cativeiro? – pergunto.

– É. Você sabe. Na Capital.

Peeta nunca quis me contar o que fizeram com ele naqueles dias. Ele sempre dava um jeito de me distrair ou trocar de assunto. Vi a oportunidade se abrir agora. Ele está bêbado e com certeza não vai lembrar de nada que fez ou falou quando acordar amanhã. E eu sempre quis saber. Sempre tive a curiosidade de saber o que o Snow fez com Peeta. Decidi pelo menos tentar, afinal, não vou perder nada tentando.

– E o que eles faziam exatamente com você lá na Capital? – perguntei devagar, para ele poder assimilar as palavras.

– O que eles faziam?

– É.

– Bem, no primeiro dia, me levaram até o Snow e ele educadamente me pediu para ficar do seu lado durante a guerra, mas é óbvio que eu não quis. Então ele disse que se eu não fosse ajudar por bem, seria por mal. E eu disse para ele seguir em frente porque eu não iria ajuda-lo. Falei inclusive que ele poderia me matar. Ele disse que não teria tanta compaixão assim por mim. Ele mandou os pacificadores me levarem. Eles me levaram até um lugar subterrâneo, sujo, fedorento e muito pouco iluminado. Meu sangue gelou só de pisar naquele lugar. Me atiraram, literalmente, em uma cela. E me deixaram alguns dias ali sem comer nem beber nada. Eu estava a ponto de morrer, até que um pão é jogado para mim. Não pelos pacificadores, mas pela hospedeira da cela ao lado. Eu murmuro um “Muito Obrigado”, e quando a pessoa responde eu noto que reconheço aquela voz. Era a Johanna, e por um momento fico feliz por saber que não estava sozinho lá, e por outro fico triste, porque ela estava lá. Ela me explica tudo que aconteceu com você e me garante que você estava bem e segura. E você estava?

– Sim, eu estava no Distrito 13 esse tempo todo. – respondi rapidamente.

– Então, eles voltam a me alimentar com pão e água basicamente. Eles apareceram mais alguns dias depois e torturam Johanna, eu tampava meus ouvidos com as mãos e quase esmagava o meu crânio, mas os gritos de Johanna eram muitos próximos e nada fazia eles não entrarem pelos meus ouvidos. Por certo momento lembrei da segunda arena, quando os gaios tagarelas começaram a imitar a voz de Prim e tentei imaginar que você deve ter se sentido da mesma forma que eu me senti. Depois de algumas semanas foi a minha vez. Eu passei este tempo todo sentado ou deitado no chão, porque eles tiraram a minha perna falsa. Quando chegou a minha vez eles me arrastaram e fizeram eu me sentar em uma cadeira que eu nem notei que estava ali, me amarram nela. Na frente dela havia uma televisão. Eles começaram a colocar imagens de você fazendo coisas horríveis comigo, mas eu simplesmente ri deles e disse que eu sabia que aquilo não era verdade. Mas então, eles pegaram duas agulhas e inseriram nas minhas veias, uma em cada braço. Vi um liquido passar pelos tubos e logo uma dor excruciante preencheu todo o meu corpo e eu gritava e me retorcia na cadeira. Uma vez cheguei até a cair, com cadeira e tudo. Eles seguravam meu rosto para que eu continuasse a ver as imagens. Em pouco tempo pararam de injetar o veneno, só colocavam as imagens na minha frente. E dessa vez eu não tinha mas tanta certeza se elas eram reais ou não. Comecei a sentir tanto ódio de você. E jurei que te mataria na próxima vez que te visse. Toda vez que eu tentava desviar meu rosto para não ver as imagens, eles me davam choques ou chicotadas ou simplesmente me ameaçavam, dizendo que iam injetar mais veneno em mim se eu não olhasse para a televisão. Eles faziam as mesmas ameaças todas as vezes em que eu tinha que participar de uma entrevista com Caesar, então só meu restou obedecer ou sofrer. E eu preferi obedecer. E isso durou até o Distrito 13 me salvar. Fim.

Fiquei chocada ouvindo aquilo. Por que eu fui pedir para ele me contar? Por que? Agora eu sei o porque dele não querer me falar nisso nunca. Se dói só de ouvir, imagina passar por tudo? Eu estava com vontade de chorar. Eu senti meus olhos ficarem úmidos, então tratei de sair da cama antes que ele me visse chorando, o que não iria fazer diferença já que ele está bêbado mesmo.

– Eu preciso ir no banheiro. – falei já me desvencilhando dos seus braços e saindo da cama apressadamente em rumo ao banheiro.

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Liguei o chuveiro para abafar o som do meu choro e deixei toda a mágoa, ódio e ressentimento vazarem para fora de mim naquelas lágrimas. Não sei quanto tempo fiquei ali, pois quando decido desligar o chuveiro e voltar para a cama, Peeta já está dormindo de bruços, abraçado no travesseiro. Tudo que me resta é deitar ao seu lado e acariciar seus cabelos até o sono me alcançar.

Quando acordo na manhã seguinte, Peeta ainda está dormindo. Mesmo assim me levanto, faço tudo que faço todo dia de manhã e desço. Preparo um café-da-manhã rápido pra mim. Haymitch traz Alice enquanto eu fazia isso.

– Mamãe. – grita ela correndo em minha direção.

– Oi, como foi a noite? – pergunto, enquanto ela se senta a mesa.

– Legal. Eu quero achocolatado.

– Ok, você já vai ganhar. – pego as coisas para fazer o achocolatado e começo a falar com Haymitch – Ela se comportou?

– Claro, ela é um anjo. – responde Haymitch – Bem, tenho quer ir, tchau docinhos.

– Tchau. – Alice e eu dizemos ao mesmo tempo.

Alice toma o café-da-manhã comigo.

– Posso ir brincar no meu quarto agora? – pergunta ela.

– Pode, mas não vai entrar no meu quarto porque seu pai está dormindo.

– Tá. – diz ela se levantando e correndo escada acima.

Lavo a louça enquanto penso em toda a briga que Peeta e eu tivemos ontem, aliás, em todas as brigas que estamos tendo nestes últimos meses. Isso não faz sentido. Por que estamos brigando tanto? Ontem foi por causa de Delly, e hoje? Por que causa nós brigaríamos? Para Peeta ter voltado bêbado para casa ontem, quer dizer que isso está mexendo muito com ele. Já participei de uma guerra, não quero participar de outra, principalmente dentro da minha própria casa. E enquanto a Alice? O que ela estará sentindo? Eu sei que ela é só uma criança de dois anos, mas não deixa de ser um ser humano, que sente e pensa. Ela também é um ser racional. Sequei minhas mãos e fui de encontro ao telefone do escritório, decidida a cortar essa bagunça pela raiz, não importa o que seja preciso para ser feito. Procurei na agenda o número de minha mãe e disquei.

– Alô. – diz ela. Por milagre ela está em casa.

– Oi, mãe. Sou eu. A Katniss. É um milagre encontrar você por casa. – digo.

– Oi, querida. Pois é, estou de férias, eu não ia tirar, mas eles ameaçaram tirar meu emprego se eu não aceitasse as férias. – diz ela rindo, eu rio junto. – Então, qual o motivo da ligação?

– Bem, é que eu queria saber se teria algum problema Alice e eu passarmos um tempinho aí com a senhora. Não vai ser muito, só umas duas ou três semanas.

– Mas só você e Alice?

– É.

– E enquanto ao Peeta?

– Ele não vai. Só vai Alice e eu.

– Por que? Ele cabe na minha casa.

– É complicado, mãe.

– Hmmm, problemas.

– É por aí. Enfim, tem algum problema ficarmos esse tempinho aí?

– Nenhum. Pode vir. Quando vocês virão?

Eu suspiro longamente antes de responder:

– Hoje mesmo. Se você não se importar.

– Podem vir, já estou ansiosa para ver minha netinha, ela deve ter crescido muito desde a última vez que eu vi. Nossa! Faz mais de um ano e meio.

– Sim, ela cresceu. Ok, mãe. Nos vemos em breve. Tchau.

– Tudo bem, querida. Estarei esperando. Tchau.

Não coloquei o telefone no gancho, fiquei ouvido o som irritante do telefone depois que minha mãe o desligou. Eu realmente não queria ter de fazer aquilo, mas eu não via outro jeito disso parar. A pior parte será convencer Peeta de nós nos separarmos por um tempo, só para acalmar as coisas. Coloquei o telefone no gancho e voltei para a cozinha. Enchi um copo de água, sentei-me a mesa e bebi o copo inteiro, pensando em uma maneira de tentar falar para Peeta sobre a minha decisão. Comecei a girar o copo de um lado para o outro. Peeta adentra a cozinha parecendo um pouco zonzo.

– Você acordou. – digo quando ele senta a minha frente na mesa.

– Na verdade, Alice me acordou. Ele está me servindo muito bem de despertador até que eu compre um novo. – diz ele.

Alice havia quebrado o relógio-despertador que havia na cômoda ao lado da cama há algumas semanas atrás.

– Eu falei para ela não entrar no quarto porque você estava dormindo.

– Tudo bem, nem me importei, acho que dormiria o dia todo se ela não me acordasse. – ele fez uma pausa colocando a mão na testa – Nossa, minha cabeça está explodindo.

Me levantei, peguei um remédio para dor em um dos armários e coloquei a sua frente na mesa, junto com um copo de água.

– Tome.

– Obrigado. Eu não sei o que deu em mim. Falei tanto de Haymitch e ontem me tornei igual a ele. – diz ele antes de pegar o comprimido e engolir – Me desculpe, estou aqui tagarelando sem parar porque na verdade estou morrendo de vergonha e culpa por ter voltado naquele estado para casa. Eu não lembro de nada para ser sincero. Como eu voltei para casa?

– Haymitch saiu para procurar você. – respondo.

– Ah, e eu aprontei alguma coisa?

– Como o que?

– Ah, sei lá. Eu quebrei alguma coisa? Me joguei no chão? Qualquer coisa.

– Bem, eu fui tentar te dar um banho e você me esmagou e me pediu para eu tomar banho com você.

– Jura? Eu não lembro disso.

– E quando você estava sentado na privada eu estava secando seus cabelos e você me abraçou na cintura e começou a dizer que me amava.

– Caramba. Pelo menos não falei nenhuma mentira.

– A bebida é o remédio para a sinceridade.

– Belo ponto de vista. Mas isso não quer dizer que o que eu fiz foi certo, por isso quero dizer que estou arrependido até o último fio de cabelo que eu tenho na cabeça. Eu peço desculpas e juro por tudo que é mais sagrado que eu nunca mais vou colocar uma gota de álcool na minha boca.

– Está tudo bem, eu não fiquei braba. Acho que você precisava... hã... relaxar um pouco.

– Mas não com bebida.

– Isso não importa. Vamos só esquecer isso. Ontem foi ontem e hoje é hoje. – digo dando um fim ao assunto. Eu precisava dizer a ele que passaria algumas semanas fora de casa. – Eu queria falar sobre as constantes brigas que temos tido nos últimos meses.

– Ah, sim. Eu já não aguento mais isso. E nunca temos um motivo para brigar. Apenas gritamos um com outro sem motivo nenhum.

– Sim, exatamente. E foi por esse motivo que eu decidi ligar para minha mãe e dizer que Alice e eu passaremos algum tempo com ela. Não será muito. Só o necessário para colocarmos a cabeça no lugar.

Peeta me olha perplexo, tentando entender o que eu acabei de lhe dizer.

– Você acabou de me dizer que vai embora. Verdadeiro ou falso?

– Falso. Eu falei que vou ficar fora por um tempinho.

– Não... Não... Katniss... Amor... Não.

– Peeta, tenta entender que isso é pro nosso próprio bem, pro bem do nosso casamento. Isso é pro bem até de Alice.

– Não. Isso não é necessário. Por favor.

– Desculpa, mas eu já tomei a minha decisão. – falei me levantando e saindo da cozinha.

Ele correu atrás de mim e parou na minha frente de joelhos e abraçando as minhas pernas.

– Por favor, Katniss, não vá. Eu serei bonzinho. Eu prometo. Eu vou ser o melhor marido e pai do mundo. Eu faço qualquer coisa, mas não vá embora.

– A questão não é você, Peeta. A questão é nós. Não é você que está agindo errado é NÓS!!!

– Então, NÓS vamos resolver isso juntos e não separados.

– Não complique mais as coisas, por favor. – falo tirando os braços dele de torno das minhas pernas e subindo correndo a escada.

Pego uma bolsa e começo a colocar algumas roupas dentro, não me dou ao trabalho de arruma-las, só enfio tudo que consigo e fecho. Pego o medalhão que Peeta me deu na arena e coloco em volta de meu pescoço. Me viro e Peeta está parado, encostado na batente da porta me olhando enquanto uma lágrima cai por seu rosto.

– Por favor. – suplica ele em um sussurro.

Eu me aproximo dele e coloco seu rosto entre minhas mãos.

– Peeta, eu te amo, eu não vou abandonar você. Isso é só um tempinho separados, só algumas semanas. Nós não vamos nós separar nem nada parecido. Eu vou voltar. Eu prometo.

– Isso não é necessário. – fala ele.

Eu pego a bolsa e vou para o quarto de Alice, pego uma mochila e jogo na direção dela, dizendo para ela colocar os brinquedos favoritos dentro. Pego uma outra mochila e encho com roupas dela. Fecho as duas mochilas e desço pegando a minha chave de casa e colocando no bolso. Me viro para Peeta e pergunto:

– Você vai nos acompanhar até a estação de trem? – pergunto.

Ele apenas acena a cabeça confirmando. Ele pega a mão de Alice e caminhamos silenciosamente até a estação. Compro as passagens e deixo Alice com Peeta perto dos trilhos. Volto e paro na sua frente largando a bolsa e uma das mochilas no chão. Eu o abraço, e ele sussurra no meu ouvido:

– Não vai não, por favor.

Eu afasto meu rosto do seu ombro e beijo seus lábios suavemente, logo após colo nossas testas uma na outra.

– Eu te amo. – sussurro.

Tiro o medalhão do meu pescoço e coloco no pescoço dele. Abro e mostro para ele. Eu troquei as fotos. Agora há uma foto minha, de Peeta e de Alice no meio.

– Você trocou as fotos. – comenta ele.

– Troquei, afinal, vocês são a minha família agora e vocês precisam de mim, não é?

– Sim.

– Alice, vem dizer tchau para o papai.

Alice corre até Peeta e ele a pega no colo a abraçando como se fosse a última vez.

– Deixa a Alice comigo então. – pede ele.

– Não posso. – respondo.

– Por que não?

– Porque ela é a prova de que vou voltar pra você. Não posso separar vocês dois por muito tempo.

Ele assente com a cabeça e solta Alice, pego a bolsa e a mochila com uma das mãos e com a outra pego a mão de Alice. Me aproximo e beijo Peeta mais uma vez antes de entrar no trem. Olho o bilhete e vejo que fiquei no último vagão, caminho até o fim do trem, olhando para o vidro enorme que há nesta última cabine. O trem apita e começa a se locomover. Ele começa a andar devagar e vejo Peeta parado de pé nos trilhos nos observando. Colo a palma da mão no vidro e deixo uma lágrima cair dos meus olhos. Peeta levanta a mão dele também, e vejo ele nessa posição até ele sumir da minha vista e começo a imaginar ele voltando sozinho para casa.