Antes que novembro acabe...

Vinte e oito – Estou me perdendo.


Vinte e oito – Estou me perdendo.

Will

— Aqui está tudo o que pediu. – Alex disse e colocou sobre a mesa um pen drive. Observei o objeto vermelho e estendi minha mão para pega-lo, no entanto Alex foi mais rápido e o pegou de volta.

Franzi a testa, confuso com o gesto dele. Não tínhamos um acordo? O garoto percebendo minha confusão, suspirou.

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— Quero meu pagamento. – explicou.

Assenti e tirei do bolso interno da minha jaqueta um envelope com o pagamento dele. Grande parte daquele dinheiro viera de Elizabeth, principalmente as notas de cem dólares. Entreguei a ele.

— Está do jeito que pediu. – falei quando o vi conferir o conteúdo do envelope – Notas de cem e cinquenta não marcadas.

O moreno assentiu e então abriu a mão e me estendeu o pen drive, o peguei. Era tão pequeno e tão frágil, era meio impossível imaginar que ele era capaz de guardar tantas informações em tão pouco espaço. Ainda o observei durante uns poucos segundos antes de guarda-lo no bolso da minha calça. E só então levantei.

— Willy. – Alex ainda chamou quando lhe dei as costas, parecia querer dizer algo importante mas eu já não estava mais escutando.

Apenas me limitei a continuar andando.

Chegar no hotel onde eu estava hospedado não foi difícil, difícil foi encontrar minha mãe lá. Eu não sabia como ela tinha conseguido entrar no meu quarto, mas não parecia o momento certo para perguntar isso afinal, sua expressão corporal inteira denotava que Karine não estava ali para me fazer uma visita. Eu bem sabia que já fazia semanas que eu não dava nenhuma notícia, que tudo que eu tinha feito durante esse tempo se resumia a procurar pistas do paradeiro de Noah e sabia também que as aulas já haviam começado e que eu estava as perdendo.

— Como entrou aqui? – resolvi perguntar, ignorando o que eu tinha pensando se era a hora certa de perguntar isso ou não.

No entanto, assim que a pergunta saiu da minha boca meus olhos captaram o espaço a minha volta. Tudo bem que eu já era organizado o suficiente, mas lembro muito bem de ter deixado alguns papeis sobre a colcha da cama e que havia roupas minhas dobradas sobre a cadeira.

— O que você fez? – soltei e comecei a andar pelo quarto. – Onde estão minhas coisas?

— No meu carro. – respondeu simplesmente e cruzou os braços. – Vamos para casa.

Parei de revirar o quarto e olhei pra ela. Isso era sério mesmo?

— Onde... onde estão meus documentos? – perguntei decidido a ignorar o que ela tinha dito antes sobre ir para casa.

— Eu os joguei fora. – contou e arregalei os olhos.

Corri até a lata de lixo que havia no canto oposto do quarto e comecei a revirar atrás dos meus documentos. Como ela pôde fazer isso?

— Will, para com isso. – mandou, mas não escutei.

Continuei revirando o lixo. Onde estavam? Onde estavam? Eu me perguntava torcendo para que estivessem ali.

— William. – Karine segurou meu braço. – Pare com isso.

— Por que fez isso? – me soltei dela e me surpreendi com o tanto de decepção que havia na minha voz.

Observei a expressão da mulher ficar surpresa e depois envergonhada e só então complacente.

— Meu Deus, Will. Eu só quero o seu bem. – explicou. – Olha pra você! Não come, não dorme e ainda me pergunta porque estou fazendo isso?! – se exaltou.

— Como quer que eu faça alguma dessas coisas quando Noah está desaparecido?

— Will, - ela começou e tocou meu rosto, parecia muito triste. – Noah está morto.

— Não está! – gritei e a vi arregalar os olhos escuros. Eu nunca gritava, eu nunca dizia palavrões, eu nunca me comportava mal. Eu era o garoto bem educado e complacente. Gritar com alguém estava fora dos padrões para a imagem que todos conheciam de mim.

Me afastei dela, encostei minha testa na parede e fechei os olhos. Estava tão cansado, tão cheio de raiva e medo e tristeza. Estava cheio de todos sempre estarem esperando uma ação sensata de mim, estava cansado de todos sempre quererem que eu sorrisse e fingisse que estava tudo bem. Não estava tudo bem, não ficaria tudo e nunca esteve tudo bem.

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Eu sou humano também, poxa!

— Como pode dizer uma coisa dessas? – perguntei sem esperar realmente por uma resposta, minha voz mais calma e mais trêmula. Eu estava prestes a chorar.

— Todos sabem disso, meu filho. Os policiais tem quase certeza, só não há um corpo.

Só não há um corpo.

— Não há chance alguma de que ele esteja vivo. Já se passaram três meses, Will. Três meses sem nenhuma pista, sem ninguém tê-lo visto vivo... Noah está morto. – mamãe chegou devagar até mim, colocou a mão no meu ombro e então eu chorei.

Com a testa encostada na parede daquele quarto de hotel, eu chorei pelo desaparecimento do Noah, pela sua possível morte, pelo sentimento grande e bonito que eu sentia e que ele nunca ia saber. Chorei pelos dias que não viveríamos, pelos aniversários que ele não comemoraria, pelos 18 anos que ele nunca faria. Eu chorei por todas as coisas que Noah tinha perdido e, por fim, chorei por mim. Pelo vazio que havia agora no meu peito, pela saudade que eu estava sentindo e que sentiria pela vida inteira e chorei pelo modo como a vida era cruel, sempre tirando as coisas que eu amo.

Era começo de setembro quando as buscas se encerraram.

Os policiais pararam de procurar e por mais que eu quisesse, sabia que eles tinham razão em parar as buscas. Não havia pistas, não havia nada que pudesse nos levar até Noah ou ao Florista. Era como se eles fossem feitos de fumaça.

Mike, Maya e os avós de Noah, Elise e Frederick, fizeram uma cerimônia de despedida para o Noah. Não era um enterro, mas chegava bem perto disso. Elizabeth apareceu juntamente com todos os alunos da escola estadual de Dickson, pessoas que nem ao menos o conheciam disseram como ele era legal e que teria um futuro bonito pela frente. Hipócritas. Algumas até mesmo fizeram discursos como se conhecessem ele desde criança.

Os amigos de verdade de Noah compareceram também. Bianca chorou o tempo todo abraçada a Emma, Kate contou alguns fatos sobre a vida de Noah e Daniel e Derek, fizeram um belo discurso sobre como eles nunca esqueceriam o garoto de olhos castanhos. Mas eu não disse nada. Não quis fazer um discurso ou contar uma história engraçada sobre nós, não. Aqueles momentos eram nossos, o gosto dos beijos roubados era nosso, o som da risada dele era meu, só eu sabia o jeito que ele estreitava os olhos ou como ele preferia doces à salgados... Apenas fiquei em silêncio e acompanhei a despedida de todos. Porque eu não me despedi. Não era capaz de fazer isso.

— Você não desistiu, não é? – Emma me sussurrou quando decidi sair antes do fim da cerimônia.

— O que você acha? – devolvi e a vi cruzar os braços em reprovação.

— Will... – tentou, mas eu a cortei antes que viesse com aquele papinho de “você está insistindo em nada” ou “você tem que aceitar”.

— Não começa, Emma. – então entrei no meu carro e dei a partida.

— Will! – ainda gritou o meu nome, mas eu já estava longe.

Não fui em direção as colinas como esperava, dirigir para minha surpresa até a pracinha abandonada da cidade. Estacionei o carro ali perto e me sentei no banco vazio que havia ali. Era fim de tarde, o sol estava se pondo e o céu estava manchado de laranja e branco. Fitei aquilo sem realmente pensar em nada, apenas fitei. Olhei para aquilo e deixei a tristeza vim. Desejei que minha dor e saudade fossem embora junto com o sol, mas não foram.

— ‘Um dia vi o sol se pôr quarenta e quatro vezes!’ – Alguém disse e virei o rosto para encarar a pessoa ao passo que ela continuava. – E um pouco mais tarde acrescentastes: ‘Quando estamos tristes, gostamos de olhar o pôr do sol...’

— O pequeno príncipe. – constatei quando reconheci a citação. Era um dos meus livros prediletos e ele sabia disso, assim como acho que ele sabia muito bem quem era a minha rosa. Matt me deu um sorriso triste e se sentou ao meu lado no banco. Olhou pra frente durante um tempo e só então olhou pra mim novamente e perguntou:

— Como foi a cerimônia?

— Foi, – disse simplesmente e olhei pra frente, o sol já estava indo embora por completo, mais alguns minutos e já seria noite. – apenas foi.

— Eu sinto muito. – falou.

— Não, não sente. – rebati. Estava tão irritado com isso, com as pessoas dizendo que compreendiam, que sentiam o que eu estava sentindo, que sabiam como era perder alguém e que logo isso passaria.

Não passa. Já são quatro meses e ainda não passou, mas quase passa todos os dias. No entanto, eu ainda acordo com o nome dele na minha boca, com o sorriso dele na minha memória. Ainda durmo desejando que tudo isso seja um sonho e que quando eu acordar estejamos de volta naquela terça de junho e ele ainda esteja bem.

— Will – ele começou, meio surpreso pela minha explosão.

— Só não diga nada, ok? Não aguento mais as pessoas dizendo que sentem muito quando nem sabem o que estou sentindo ou falando dele como se o conhecessem, não conheciam e agora não vão mais conhecer. São todos um bando de hipócritas! – me exaltei. – Quando ele estava aqui, falavam pelas suas costas e quando começamos a sair, começaram a falar mais coisas sobre ele. Você viu como era na escola, ninguém queria ser visto andando com um homossexual. E agora, eles tem coragem de dizer a família dele o quanto Noah era um cara legal, o quanto ele tinha um futuro brilhante quando nem sequer se esforçaram em parar de falar mal dele. – eu já tinha me posto de pé e estava despejando isso em cima de um Matt de olhos arregalados. – Eu o conheço! – bati no meu peito e depois abaixei a cabeça. – Eu o amo... e ele não está mais aqui, e eu não posso procura-lo. Então, por favor, não diga que sente muito quando não sente. Estou cansado de toda essa hipocrisia.

Matt se pôs de pé e veio até mim, segurou meu rosto com uma delicadeza que me surpreendeu e então limpou minhas lágrimas.

— Tudo bem. – ele disse. – Não vou dizer que sinto muito, mas eu o conhecia.

— Eu sei.

Então ele ficou muito perto, a ponta do seu nariz tocou no meu e eu já sabia o que ia acontecer, já sabia o que Matt queria que acontecesse e por isso, por respeito ao sentimento que eu tinha em relação a Noah e por não poder corresponder ao sentimento que Matt tinha em relação a mim, apenas disse:

— Não faça isso. – sussurrei. – Não se machuque desse jeito. – pedi.

O garoto de pele negra soltou meu rosto, deu um passo para trás. Baixou os olhos e discretamente limpou os olhos.

— Me desculpa. – pediu e ficou de costas pra mim.

— Tudo bem. – falei e limpei o resto das lágrimas dos meus olhos. – Sei que gosta de mim, Matt. – decidi falar. Esse era o tipo de conversa que eu vinha adiando há muito tempo. – Mas eu não posso corresponde-lo. Eu devia ter te dito isso antes em vez de te dá esperanças, sei que foi ruim da minha parte. Mas é que...

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Eu era tão quebrado naquela época, tão escondido atrás de uma máscara de felicidade que precisava te cultivar do meu lado, precisava alimentar o seu sentimento por mim porque só assim, eu sentia como se fosse capaz de alguma coisa. Me sentia um pouquinho vivo.

— É que há o Noah. – Matt completou e ficou de frente pra mim. Não parecia com raiva de mim ou decepcionado ou minimamente triste comigo, no entanto todas essas emoções estavam voltadas para ele mesmo.

— Há o Noah. – repeti.

Tão cheio de vida e raiva quando o conheci. Tão sorridente e inocente, quando o conheci de verdade. Tão quebrado quanto eu. Ainda achava um tipo de milagre que nossos pedaços tenham se encaixado tão perfeitamente. O meu vazio era preenchido pelo dele e assim íamos nos conhecendo e aprendendo e sentindo e preenchendo nosso vazio com pedaços um do outro.

Vi Matt assenti e então ele levantou o rosto e me deu um sorriso triste.

— Tudo bem. – acabou dizendo. – Vou te esperar.

— Matt, - comecei. Há algum modo delicado de dizer a alguém que nunca vai estar disponível pra ele desse modo? – eu não gosto de você desse jeito. – optei por dizer delicadamente. – Sei que fiz você acreditar que havia alguma chance, sei que brinquei com seus sentimentos... mas eu não posso, não consigo, gostar de você desse jeito. – Os olhos escuros dele ficando muito brilhantes. – Meu coração pertence a outra pessoa. – terminei.

Matt ainda ficou me encarando durante alguns minutos, cada segundo se tornando mais e mais pesado e sufocante, até que ele me deu as costas e foi embora. Era como se só naquele momento as palavras tivessem feito algum sentindo para o seu cérebro confuso.

Voltei a olhar para o horizonte, onde o sol devia estar mas não estava mais. Já era noite e as estrelas tomavam seus lugares no céu. Suspirei. Era hora de largar as máscaras, de voltar a origem, era hora de retomar meu verdadeiro eu.

###

Noah

Ele pressionou meu corpo sobre o colchão sujo da cama, me fazendo ficar de bruços ali. Fechei bem os meus olhos já antecipando o que ia acontecer e torcendo para que a droga fizesse logo seu maldito efeito. Então começou. Primeiro era a respiração dele batendo contra meu pescoço, a língua dele descendo por ali. Lambendo e sugando e mordendo ao mesmo tempo que meu corpo se arrepiava em nojo e repulsa. Não havia maneira de lutar, de pedir para que ele parasse. Então apenas existia a conformação.

Eu apenas deixava que ele me deitasse ali, naquele colchão sujo e fizesse o que quisesse comigo. Já tinha perdido as minhas esperanças e toda a minha vontade de viver. Estava conformado com a ideia de que ia morrer aqui, que algum dia alguém ia encontrar os restos do meu corpo em algum lugar e que minha família e William ter que conviver com minha ausência.

Mordi minha língua quando ele me penetrou, determinado a não gritar ao mesmo tempo que a droga finalmente começava a fazer efeito. Eu já podia sentir meus músculos adormeceram, minha visão ficando desfocada e todas a malditas sensações de dor sumindo, se tornando mais leves e mais fáceis de suportar. Mas ainda posso sentir algumas coisas, como os dentes deles na minha pele. A mordida muito forte me faz gemer de dor e meus olhos lagrimarem quando penso em todas as marcas que há pelo meu corpo agora.

Lembro de gritar algumas vezes e me debater e levar algumas porradas. Principalmente cortes. Quando eu tentava fazê-lo parar, quando a dor estava demais, ele me cortava. Encostava a ponta gelada da faca na minha costela e deslizava a lâmina pela minha pele e eu podia sentir o sangue descendo e secando na minha pele.

— Ahh! – soltou quando o seu corpo já não aguentava mais segurar o gozo. O seu líquido quente sujou minhas costas e ele mesmo ainda se manteve sobre mim durante um tempo, enquanto eu chorava baixinho. – Vou precisar sair agora. – comunicou e saiu de cima de mim. Escutei seus passos, mas não me mexi.

Permaneci onde estava, de olhos fechados tentando da minha maneira não chorar na frente dele.

— Mas prometo que volto. – estava dizendo, a voz neutra. – Então tome um banho e me espere. – Se aproximou e beijou o meu rosto, na minha raiva o empurrei ao passo que ele ria, pois do jeito desorientado que eu estava não consegui acertar o tapa nele.

Então ele foi embora. Trancou a porta do quarto, onde ele me mantinha prisioneiro. Me encolhi sobre aquele colchão e chorei. Meu corpo estava latejando e as alucinações estavam começando. Aquele desgraçado tinha me dado uma dose pequena de droga por isso ela não estava sendo tão eficaz em me tirar desse mundo e também porque ele queria que eu sentisse tudo.

Quando finalmente consegui driblar a dor e me por sentado na cama, acabei vomitando no chão. Estava me sentido tão mal ultimamente, vomitava frequentemente e já não sentia mais tanta fome, no entanto me sentia fraco e as minhas feridas não estavam cicatrizando com a rapidez que eu esperava. Consegui me por de pé e fui andando, me apoiando na parede até o banheiro. Tomei um banho demorado, tomando cuidado na hora de lavar bem os cortes que ele tinha feito no meu tronco. Um estava especialmente fundo, não parava de sangrar e a visão do meu próprio sangue estava me deixando tonto. Tive que sentar no piso do banheiro e respirar fundo várias vezes para poder tomar alguma coragem e terminar de tomar aquele banho. Esfreguei a esponja contra minha pele até que ela ficasse vermelha. Queria que toda aquela sujeira saísse de mim, queria que o cheiro dele saísse de mim, as marcas que ele fez no meu corpo, as lembranças na minha mente, queria que tudo que lembrasse esse homem saísse de mim e achei que esfregando a esponja contra minha pele podia, ao menos, ajudar um pouco nisso.

E chorei enquanto fazia isso ao mesmo tempo que lembrava da última vez que vi Will. O rosto sereno, dormindo depois que tínhamos passado a noite em claro conversando e fazendo amor. Eu não devia ter saído sem ele, eu sei. Mas que mal havia em andar até a esquina e comprar para o namorado o café da manhã? Eu só queria fazê-lo se sentir especial, queria que ele soubesse que é importante para mim. No entanto como não sou bom com palavras, achei que uma coisa como um café da manhã na cama, deixasse isso claro. Dizer eu te amo parecia banal demais depois da noite que tínhamos tido. Era uma necessidade idiota, eu sabia, mas não podia evitar.

E agora estou aqui e ele deve achar que já estou morto, assim como todas as pessoas que conheço. E como eu queria estar morto. Qualquer coisa é melhor do que isso aqui, do que viver na presença desse monstro.

###

Will

— Alô? – soltei assim que atendi o celular, não tinha reconhecido o número que estava me ligando.

Oi, Will. Sou eu. — a pessoa disse e um calafrio desceu por minha espinha. Olhei em volta esperando que ele surgisse de qualquer lugar e me atacasse.

— O-o que você quer? – me amaldiçoei por minha voz ter tremido demonstrando meu nervosismo.

— Conversar. Apenas conversar. – explicou, deve ter percebido meu nervosismo. – Me encontre nas colinas no fim do dia, ok?

Suspirei e fiquei um tempo em silêncio. Era uma idiotice aceitar? Sim, era. Mas pela nossa velha amizade e todos os momentos que vivemos juntos, achei que Mark merecia ao menos me dizer alguma coisa, alguma explicação.

— Tudo bem. – me ouvi dizer e depois desliguei.

Guardei o celular no bolso da minha calça e ajeitei a mochila na minha costa. Estava voltando para a escola depois de quase dois meses desde o início das aulas, e como eu tinha perdido a data de matrícula da faculdade acabei sendo obrigado a terminar o ensino médio. Então por isso eu estava agora indo para a escola. Não sabia como as coisas estavam lá, não sabiam como iam me receber e pra falar a verdade, não me importava mais. Por isso andei calmamente até lá e assim que passei pelo portão da escola recebi os temidos olhares. Eu bem sabia que praticamente toda a cidade sabia sobre o meu relacionamento com Noah, no entanto depois da cerimônia de ontem apenas achei que pelo menos metade do preconceito que vivia naquela cidade teria sido eliminado. Mas não.

Todos me olhavam com uma expressão de incredulidade e nojo, alguns poucos pareciam com raiva. Devia ser igualmente novo para eles lançarem esses olhares pra mim quando há alguns meses atrás, eu mandava nessa escola e todos pareciam querer ser como eu, agora tudo que eles querem é ficar longe com medo de que a minha homossexualidade passe para eles.

Hipócritas, pensei. Como se eu não soubesse o que vocês fazem quando não estão sobre os olhares dos seus pais. Sei que a garota que vai a igreja todo o sábado não é tão santinha quanto faz parecer, sei que o garoto viril e que pega todas as garotas, não gosta tanto assim de um rabo de saia, sei que a diretora da escola mantém um caso com um homem casado. E sei quais são as garotas que dormem com os professores ou os garotos.

Mas apenas passei direto e quando parei em frente ao meu armário pronto para colocar minha senha e pegar os livros para as aulas, Manu surgiu de lugar nenhum. O cabelo preto curto todo repicado nas pontas, os olhos contornados com delineador e a boca pintada com gloss incolor a fazia parecer tão diferente da garota de aparência inocente que conheci no ano passado. Ela tinha passado por um momento difícil quando seus pais tinham se separado.

— Oi, Will. – sorriu pra mim. – Bem-vindo de volta! – e a nossa volta alguns alunos passaram e nos lançaram olhares.

— Oi, Manu. – respondi e sorri.

Eu gostava dela. Manu era madura o suficiente para não liga para o que a cidade inteira estava dizendo ou pensando sobre mim.

— Preciso te contar uma coisa. – ela disse baixinho e chegou mais perto, tirou um pedaço de papel do bolso da sua calça jeans, olhou em volta desconfiada e então simplesmente me abraçou e senti quando ela colocou o papel no bolso de traseiro da minha calça. – Não me importo com que as pessoas falam. – me disse enquanto me abraçava. – Eu sei quem você é de verdade.

Então me largou e eu, que estava surpreso de mais para corresponder ao abraço, apenas fiquei a encarando como um demente. Manu sorriu mais um pouco e apertou minha bochecha e só então foi embora.

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Me encostei no meu armário e retirei com cuidado o papel que ela tinha colocado no meu bolso. Ajeitei os óculos e só então comecei a ler o que estava escrito ali:

Cristina convocou uma reunião com o pessoal do jornal, hoje, depois das aulas. O assunto é a sua retirada do Jornal Escolar.”

Encarei aquilo sem saber se ria ou se xingava aquela vadia. Cristina era uma das ‘santinhas’ da cidade, que se fingia de recatada na frente dos adultos mas adorava dar pra eles nos tempos vagos.

— Mas que vaca! – xinguei um pouco alto demais e recebi olhares surpresos e levemente assustados. Revirei os olhos e amassei o bilhete.

Joguei os livros de qualquer jeito na minha bolsa e segui para a aula.

Cristina não podia me tirar do Jornal. Eu fundei o Jornal! E além do mais, ela nem fazia parte do Jornal. Era filha da diretora, era verdade, mas isso não dava o direito a ela de agir de assim. E além do mais, ela convocou uma reunião e nem ao menos me avisou. Se não fosse por Manu, eu nem ficaria sabendo e logo perderia meu cargo sem nem ao menos ter uma chance de defesa.

Passei as aulas todas pensando nisso. O que estava escrito no bilhete não saia da minha cabeça e eu só ficava pensando em qual xingamento ia usar primeiro quando encontrasse aquela vadia. Eu nem ao mesmo estava me reconhecendo. Nunca fui de ficar com raiva das pessoas ou quando ficava, conseguia me controlar, eu disfarçava bem. Do jeito que Madame Sam tinha me feito aprender. Mas desde que liguei o modo foda-se, estava mais suscetível a deixar as pessoas verem o que eu estava sentindo. Acho que era porque eu literalmente tinha parado de me importar com o que elas pensariam.

— O que aconteceu? – Emma surgiu no meu campo de visão, se sentou à minha frente na mesa, no refeitório. Estávamos no intervalo. – Por que está olhando para Cristina como se fosse comer o fígado dela?

— Deve ser porque vou comer o fígado dela. – e apertei meus olhos em direção a garota sentada a duas mesas a minha frente. O cabelo loiro perfeito preso em um rabo de cavalo e aquela carinha de anjinho.

— Uau. Quem é você e o que fez com o Will? – Emma se mostrou surpresa, voltei meus olhos para ela.

— Ainda sou eu. - esclareci e ajeitei meus óculos. – Apenas estou com raiva.

Emma ergueu uma sobrancelha e eu tirei o bilhete que Manu havia me dado e entreguei para a loira.

— Vaca. – disse imediatamente assim que leu o que estava escrito. – O que você vai fazer? – meio que se inclinou na minha direção, sobre a mesa.

Ergui uma sobrancelha e sorri.

— O que você acha? – apreciei um sorriso igualmente maléfico surgir nos lábios finos de Emma.

O restante das aulas passou rápido e eu tinha combinado de ir para a casa de Emma depois que conversasse com Mark. Sim, eu tinha contado a ela sobre o telefonema dele e a loira não tinha se mostrado surpresa, e depois que insistir em saber por que, foi que ela me contou que tinha se encontrado com Mark. E que eles haviam conversado e que ela o tinha convencido a me procurar. Revirei os olhos para essa explicação, mas não briguei com ela nem nada. Sabia que Emma só estava tentando ajudar no fim das contas. E quando as aulas finalmente terminaram, eu simplesmente me apressei em correr até a sala de reuniões da escola, que era basicamente uma sala de aula vazia com uma mesa de reunião ocupando o seu centro.

Acabei chegando atrasado, porque antes mesmo de entrar já estava escutando vozes. Respirei fundo e abri a porta.

— Desculpa o atraso. – falei na maior cara de pau assim que entrei e me dirigi até uma das cadeiras vazias, coloquei minha mochila encostada no pé da cadeira e me sentei. – É que fui avisado de última hora. – então olhei para todos os meus colegas de trabalho e todos pareciam igualmente surpresos por eu ter aparecido, menos Manu.

A morena ainda piscou discretamente pra mim ao passo que todo o resto engolia em seco.

— Mas então, sobre o que é a pauta? – perguntei me dirigindo a Cristine.

Cristine me encarou e então respondeu sem pudor algum:

— A sua saída do Jornal.

— Por qual motivo? – me mantive calmo, ainda estava sentado.

— A sua reputação está manchada e isso está prejudicando a imagem do jornal.

— Achei que o que importasse fosse o trabalho que Will executa, não de quem ele gosta ou deixa de gostar. – Manu interviu, se pondo de pé. Parecia irritada e foi ai que percebi que era isso que estavam discutindo enquanto eu não chegava.

O grupo estava dividido entre me deixar como chefe do jornal ou não.

— Mas se eu sair quem ficara no meu lugar? – perguntei.

— Ora, eu. – Cristine respondeu.

— Mas aí teremos um problema. – falei.

— Qual? – Marcos perguntou.

— A reputação da Cristina está manchada e isso pode prejudicar a imagem do jornal. – respondi com um sorrisinho e Manu mordeu o lábio para reprimir uma risada ao passo que o rosto de Cristine corava.

— O que está insinuando William? – a garota ficou de pé e me fitou.

— Por que acha que estou insinuando alguma coisa? – permaneci sentado com minha melhor expressão neutra. – Não sou de insinuar coisas, Cristine. Se eu quisesse falar alguma coisa diria, como por exemplo, o seu caso com o professor de física.

— Ora, seu... seu... – ela se exaltou, o rosto muito corado. – Isso é uma mentira!

— Mesmo? – e coloquei minhas mãos sobre a mesa, meu celular entre elas. – Não é o que essas fotos dizem. – desbloqueie a tela e mostrei as fotos. – Você parecia bem animadinha, não é?

— Me dê isso! – ela pulou sobre a mesa e tentou pegar o meu celular, mas eu fui mais rápido e tirei o celular do seu alcance.

Marcos que estava ao seu lado, a segurou pela cintura impedindo que ela pulasse no meu pescoço. E ao meu lado, Manu estava com os olhos brilhando de excitação.

— E então, - olhei para o restante dos meus colegas de trabalho. Ery, Josh e Evelyn. – vocês decidem com quem querem que a chefia do Jornal fique.

— Está propondo uma votação? – Ery perguntou, o cabelo encaracolado caindo sobre os olhos.

— Estou.

— Concordo com uma votação. – Manu interviu.

E o restante assentiu. Marcos soltou Cristine, que estava mais calma. Ela ajeitou a roupa, alisou a camisa do uniforme e me lançou um olhar atravessado.

— Tudo bem. – ela concordou e eu lhe lancei um sorriso.

— Eu voto no Will. – Manu foi a primeira. Lhe lancei um olhar de gratidão e ela sorriu pra mim.

— Cristine. – Marcos disse e eu o olhei confuso.

Será que ele não via que Cristine só ia afundar o jornal?

— Will. – Josh falou, o rosto sereno.

— Cristine. – Ery falou de braços cruzados, me encarou com demasiada intensidade que me senti intimidado.

— Cristine. – Evelyn disse por fim.

Eu fiquei de pé. Sem poder realmente acreditar que minha equipe de trabalho tinha me trocado por uma vadia. Eles tinham votado na Cristine, porque não suportam o fato de que eu gosto de garotos? Lancei um olhar de raiva para eles.

— O que há de errado com vocês? - Soltei. – A ideia de ter um jornal na escola partiu de mim. – falei, minha voz cheia de mágoa. – Nós éramos amigos...

— O modo como você tem agido está prejudicando a imagem do jornal. – Ery falou.

— Nisso temos que concordar com a Cristine. – Evelyn completou.

— Porra nenhuma! – falei alto e todos me encaram surpresos. – Ela transa com o professor de física depois das aulas e aposto que com a cidade inteira e tá na cara que ela deu pra vocês dois também. – apontei para Marcos e Ery. – É uma santinha do pau oco. E vocês vem dizer que a minha reputação está prejudicando a imagem do jornal?! Vão se foder todos vocês! Seu bando de hipócritas!

Então dei as costas para eles, peguei minha mochila e comecei a me mover em direção a saída. Meu sangue fervendo. Traidores!

— Vai embora mesmo. – Cristine disse. – Ninguém quer alguém como você aqui.

Parei. Virei lentamente e andei até ela.

— Alguém como eu? – perguntei. – O que quer dizer com isso?

— Você sabe muito bem o que queremos dizer com isso. – Ery se meteu.

Eu o encarei.

— Homossexual? Veado? Gay? Bicha? – soltei, meu grau de raiva já estava no limite. – Seja qual for a porra do sinônimo, é verdade. Eu gosto de homens mesmo. – olhei no rosto de cada um. – E isso não quer dizer que sou menor que vocês ou que sou afim de vocês. – apontei para os meninos. – ou que eu quero ser como vocês. – apontei para as meninas. – Eu sou gay porque gosto de garotos não porque quero ser uma garota! E isso não influência no meu Q.I. Vocês sabem tão bem quanto eu, que eu sempre fui um ótimo chefe e sempre cumpri meus deveres. Mas se vocês não podem separar o profissional do pessoal, então não posso fazer nada a não ser sentir pena de todos vocês.

— Nós é que sentimos pena de você. – Evelyn disse. – Onde já se viu dormir com alguém do mesmo sexo.

— Cala a sua boca, Evelyn. – vociferei. – Você não tem moral nenhuma para falar de mim quando tudo que você sempre quis foi ter uma maldita noite de sexo com Emma! – e vi com prazer a garota ficar pálida.

— E eu tenho pena de vocês sim, pois vão se tornar adultos medíocres de mente pequena. – então dei as costas para eles e sai dali.

Meu sangue fervendo e minha cabeça explodindo de tanta raiva. Idiotas. Idiotas. Idiotas. Como eles podem me chutar do jornal assim apenas porque sou homossexual? Isso é tão... tão...

— Argh! – soquei meu armário, guardei meus livros ali e depois sai da escola.

Precisava sair desse lugar, precisava respirar outros ares. Foi só quando me sentei em frente ao volante do meu carro que me dei conta do que tinha feito e subitamente comecei a rir, porque tinha lembrado de como Noah me dizia que eu era muito sério e muito controlado. Se ele pudesse ver minha explosão de ainda agora, provavelmente ficaria surpreso. Dei partida no carro ao mesmo tempo que sentia meus olhos ficarem úmidos. Ele nunca saberia que isso aconteceu...

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Noah

Me deitei no chão frio, me encolhi ali. Abracei meus joelhos e fechei os olhos. Estava com tanto frio e até mesmo estava tremendo. Eu tinha pensando que um banho podia ajudar, mas não tinha. Ao que parecia tinha só piorado, porque agora eu sentia bem mais frio do que antes. Então a ânsia de vomito veio outra vez, soltei meus joelhos e virei minha cabeça e vomitei. Adeus jantar. Fiquei de quatro no chão enquanto meu estômago me forçava a expelir tudo que eu tinha comido até então. O que não era muita coisa. Eu tinha direito a apenas uma refeição por dia, que as vezes não passava de um sanduiche e um suco ou água. E quando ele estava especialmente bondoso, me trazia algo como um prato completo de comida – carne ou frango.

Me deitei outra vez no chão e me encolhi ali. Estava tão frio que eu não era capaz de sentir a o latejar das minhas feridas. Mas mesmo assim que forcei a levantar minha camisa e olhar o corte que havia no meu abdômen. Eu tinha conseguido estancar o sangue a uns bons minutos, mas a dor ainda estava li e eu estava com medo de que o sangue voltasse a sair dali. Respirei fundo enquanto a observava. Era um corte vertical que tinha sido feito com uma lâmina fina e que por isso tinha sido um corte fundo. Baixei minha camisa de novo e fechei os olhos. Talvez se eu dormisse um pouco esse mal estar passasse.

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Will

O sol já estava se pondo quando estacionei meu carro e sai do mesmo. Mark ainda não havia chegado e por isso apenas me limitei a me encostar na lateral do meu carro e observar o sol se pôr ao mesmo tempo que me dava conta de que estava fazendo muito isso ultimamente. Ver o sol se pôr estava virando um tipo mórbido de rotina. Era comum que eu ficasse na janela do meu quarto vendo o sol ir ou que sempre acabasse olhando para o céu nas horas vagas. Não sei porque tinha começado a fazer e nem como tinha começado, era apenas que parecia o jeito certo de eliminar o tanto de coisas que havia na minha cabeça.

Era mais fácil não pensar em nada enquanto olhava o sol se pôr. E por isso acabei lembrando a citação que Matt tinha feito, me comparando ao Pequeno Príncipe e o modo como ele eliminava sua dor olhando o pôr do sol. Enfiei a mão no bolso da minha calça e tirei minha carteira. Precisava olhar para ele, precisava lembrar dele um pouco.

Sempre carregava uma foto dele na minha carteira. Procurei ali e segurei uma tira de fotos. Eram as fotos que tínhamos tirado naquela máquina fotográfica, em Madill durante o festival de sorvete. Noah usando o seu casaco de ursinho, com um sorriso grande no rosto enquanto eu o encarava de soslaio. Era tão bom vê-lo sorrir assim, tão leve e tão cheio de vida.

Havia mais duas fotos juntos dessa. Em uma Noah estava beijando meu rosto enquanto eu mantinha meus olhos fechados, um sorrisinho no meu rosto. Na outra, estávamos os dois fazendo careta para a câmera. O castanho dos olhos de Noah, muito brilhantes. Eu tinha mais fotos desse dia, mas estavam no meu quarto em um porta-retrato, ao lado da minha cama, ou no meu mural, perto da porta.

Acariciei com o indicador a face congelada do Noah na foto. Sinto tanto a sua falta, sinto falta de tudo.

— Oi? – escutei e pisquei algumas vezes para espantar as lágrimas que já estavam se formando no canto dos meus olhos.

— Você chegou. – constatei quando vi Mark parado a alguns passos de mim.

O garoto assentiu e ficou onde estava, parecia não saber se podia se aproximar ou não. Se eu correria da sua presença se ele chegasse perto demais. Fiquei onde estava. Guardei a foto na minha carteira e guardei minha carteira, então enfiei minhas mãos nos bolsos do meu casaco e ergui uma sobrancelha para ele.

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— Então, o que você quer? – soltei. Estava ainda com uma pontinha de mau-humor por causa do acontecimento de mais cedo na escola.

— Eu trouxe isso. – o vi enfiar a mão no bolso do seu sobretudo e então ele me estendeu um envelope, limpo de qualquer inscrição. Olhei desconfiado para aquilo e não fiz nenhuma menção de ir até lá e pegar. – Toma. É seu, de qualquer forma.

Então me desencostei do carro e fui até Mark, peguei o envelope da sua mão. O abri e olhei dentro, eram fotos. Muitas fotos. Senti meu estômago se embrulhar. Será que eram aquelas fotos? Retirei uma dentre as que haviam ali e observei. Engoli em seco.

— O-o que... – tentei perguntar.

— Elizabeth me deu. – Mark contou. – Ela achou que eu poderia ficar com raiva e fazer algo de ruim com você depois que soubesse que...

Eu segurei a foto entre os dedos e a amassei. Peguei todas as outras fotos que tinham no envelope e as joguei no chão, pisei em cada uma. Odiava aquelas fotos e odiava, para minha surpresa, Mark por ter as guardado até hoje.

— O que está fazendo? – ele perguntou surpreso.

O encarei, ajeitei meus óculos e fechei minha mão esquerda em punho e então acertei o seu queixo.

— Isso é por ter tocado nele! – gritei me referindo a surra que ele deu em Noah há algum tempo atrás. – Seu filho da puta! – e lhe acertei mais um soco.

Mark caiu no chão e segurou seu queixo, olhou pra mim com uma expressão assustada. E eu não podia culpa-lo, era raro me ver em um estado tão transtornado assim. Mas a perda de Noah estava me deixando assim, mais suscetível ao irritamento e consequentemente me fazendo dizer coisas que em um estado normal, eu nunca diria sem antes pensar bastante sobre.

— Ficou louco?! – ele gritou.

— Não! – respondi. Estava com tanta raiva que me surpreendi. – Você tem tornado minha vida um inferno durante tanto tempo! – me ouvi dizer.

As verdades que eu tinha escondido durante muito tempo, saindo sem que eu pudesse impedir.

— Eu sou o seu melhor amigo! – gritei e bati no meu peito. – Te ajudei em tantas coisas e sei que não gosta de algumas escolhas minhas... – o encarei bem nos olhos. – e sei que mereci todos aqueles malditos socos que me deu. Mas você não poderia, nunca, ter tocado nele! – e fiquei de costas pra ele. – Noah é importante pra mim, Mark. – falei, a voz saindo mais baixa.

Respirei fundo ao mesmo tempo que escutava Mark se levantar e se aproximar.

— Fiz coisas erradas também. – confessou e o encarei.

Era difícil que Mark se desculpasse por algo.

— Não quero aquelas fotos. – falei mais calmo. – Pode ficar com elas.

— Também não as quero. Estou cansado disso, Will. O que aconteceu com nossa amizade, afinal? – ele passou a mão pelo cabelo, parecia decepcionado consigo mesmo.

— Você destruiu. – respondi simplesmente e seus olhos castanhos se focaram em mim. – Se deixou enganar pelas coisas que Elizabeth te disse. – respirei fundo. – Nunca fui afim de você, Mark. Não precisava ter ficado com tanto medo.

Era isso o que tinha acontecido, afinal. Mark tinha ficado tão assustado com a ideia de que eu poderia mesmo ser gay, que não soube lidar com isso. Mas eu não podia culpa-lo, tínhamos ambos 14 anos quando Liz o procurou e lhe disse essas coisas. Mark foi criado em uma família muito conservadora, com a família toda religiosa ele era obrigado a comparecer aos cultos da igreja, mas porque meu pai era amigo do seu pai, acabamos nos tornando amigos e depois melhores amigos, e como o que eu sou acabou indo contra tudo o que ele foi ensinado a acreditar, Mark ficou tão confuso que acabou agindo do jeito errado.

— Me perdoe por isso. Eu... eu fiquei tão confuso. Você sempre foi meu melhor amigo e do nada eu descobria que você podia gostar de mim de outro jeito. – suspirou. – Não dava para levar isso numa boa e quando meus pais começaram a desconfiar sobre você... era tanta coisa que eu tinha que escutar. Que droga, Will! Por que não podia gostar de garotas? Por que tinha que se envolver com aquele garoto?

— Você fala como se eu tivesse tido alguma escolha. Eu não acordei em um dia e disse para mim mesmo “Hoje vou começar a gostar de garotos”. Não foi isso que aconteceu, ok! – falei. – Eu só gosto e pronto. E agora parece que todos me odeiam. Você prefere o Will bonzinho e heterossexual?! Pois eu tenho uma novidade pra você! Eu não era feliz daquele jeito! Aquele Will era mesquinho e superficial!! – gritei e senti quando as lágrimas começaram a descer por meu rosto. – E eu não aguentava mais ser daquele jeito.

— O que há de errado com você?! – Mark gritou, mas não parecia irritado por eu estar me assumindo desse jeito, ele parecia, para minha surpresa, irritado com minha explosão de raiva e mudança de humor.

— Noah desapareceu, é isso que está errado! – gritei. – Ele... ele devia ter me esperado. Eu não devia está dormindo. Meu Deus! – passei a mão pelo meu cabelo. – Eu penso nele todos os dias e nem ao menos posso procura-lo. – abaixei a cabeça e comecei a chorar.

Definitivamente, eu estava no meu limite. Minhas emoções estavam tão bagunçadas e eu estava com tanta saudade do Noah. Por que meus pais tinham que ser tão protetores? Por que a polícia tinha que parar de procura-lo? Por que eu tinha que estar dormindo? Por que?!

Meus pais tinham entrado em um tipo de acordo, onde os dois tinham que me vigiar vinte e quatro horas por dia. Até mesmo Liam entrou nessa. Ambos ficavam de olho em mim e nas coisas que eu estava fazendo, cuidando para que eu não entrasse numa de detetive e saísse procurando Noah. Tinham escondido as coisas que eu tinha conseguido reunir sobre o caso de Noah, o que incluía o pen drive com as informações confidenciais que Alex tinha roubado dos servidores da polícia.

Mark não se aproximou. Ele não estendeu o braço e tocou o meu ombro e também não fez nenhum gesto para me confortar. Ele simplesmente, permaneceu parado, surpreso demais para se mexer e me deixou chorar.

Eu chorei.

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Novembro chegou mais rápido do que eu gostaria e junto com ele veio a mórbida certeza de que talvez Noah não voltasse mais.