No outro dia, acordei às quatro e meia, tomei um banho e troquei de roupa. Era tão cedo que não liguei para Malu como o prometido, mas lhe enviei um torpedo para que pudesse ver ao acordar.

Preparei meu café da manhã sozinho, não queria incomodar mamãe, pois ficamos conversando até tarde na noite anterior sobre os novos planos de vida. Dei uma última olhada no espelho, peguei a mochila, conferi se não esquecia de nada e parti rumo à faculdade. Rumo a minha nova vida, nova rotina, nossa experiência.

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Peguei um ônibus até a estação de trem e depois peguei mais um ônibus. Como não sabia o percurso certo até a faculdade, pedi as informações necessárias e, finalmente, cheguei ao prédio onde eu iria estudar por cinco anos. Respirei fundo, caminhei em frente, vendo a multidão se espalhar comigo pelos imensos corredores. Procurei por orientação e subi até o local indicado. Finalmente, ali seria uma das minhas salas, a nova turma onde eu conheceria os novos professores.

A sala estava um pouco vazia, mas fiz questão de cumprimentar de forma educada os novos companheiros de classe. Sentei-me e observei a movimentação. Aos poucos, a sala foi se enchendo, pelas minhas contas, trinta alunos.

Às sete horas em ponto, quando bateu o sinal, um professor barbudo entrou, cumprimentou a turma, fez suas saudações, e fez questão das apresentações, um por um.

— Digam-me seus nomes, idade, onde moram e o porquê da escolha de Engenharia Civil.

Tudo aconteceu naturalmente, pouco dever e mais conversa para nos entrosarmos rapidamente. Pelo menos nos dois primeiros dias seria assim, garantiu um dos alunos. No intervalo, após as quatro primeiras aulas, desci até a cantina, comprei algo para comer e sentei-me no jardim. Um belo jardim.

— Como é ai? – perguntou Malu assim que me atendeu. — Vamos, me diga tudinho.

— Tudo tranquilo. Um prédio alto, alguns andares, elevador, cantina. Enfim. Até que gostei.

— Nossa, que desanimo – ela riu. — Bom, aqui foi uma tragédia. Amanda chegou causando e me senti envergonhada. Mas agora está tudo bem, estamos lanchando.

— Ah, que bom. Eu também estou lanchando. Sozinho – deixei claro antes que ela perguntasse das amizades. — Vou deixar você aproveitar esse novo dia. À noite eu te ligo para saber do resto dos detalhes.

Meia hora depois, já tínhamos que voltar as nossas respectivas turmas. Com uma das aulas vagas, fui até o banheiro e fiz minha higiene pessoal. Olhava-me no espelho quando vejo uma criatura familiar logo atrás.

— Guilherme? O que faz aqui, cara? – cumprimentei-o com um aperto de mão.

— Ué, só você que pode prestar vestibular e passar naquela provinha meia boca? – ele ria. — Estou fazendo Jornalismo.

— Está falando sério? – disse surpreso. — Eu faço Engenharia. Mas que bom vê-lo aqui! Nossa cara! Maravilha!

Para minha sorte era Guilherme quem estava ali, o meu companheiro de longa data. Agora sim as coisas fariam mais sentido. Com ele por perto eu podia ser eu mesmo e não aquele garoto desconectado da turma.

Em menos de uma semana, ele havia feito amizades pela faculdade toda. Aproveitei para ele me apresentar para gente nova e, aos poucos, fui me enturmando.

Ligava para Malu todas as noites depois do trabalho, contávamos um ao outro que havíamos passado no dia. Eu gostava de ouvi-la e ela gostava de me ouvir. E isso era bom para mim.

Em uma quinta-feira, meu dia de folga, marquei com Guilherme e boa parte de seus amigos para irmos a um barzinho perto da faculdade. Quando voltei para casa, Pedro abraçou-me forte, ajudei-o na lição de casa enquanto mamãe preparava o jantar. Jogamos a games, coloquei-o para dormir e juntei-me a minha mãe na sala de estar.

Antes de dormir, eu ainda olhava para o céu. Não me permitia esquecer-me nenhuma vez, por mais que estivesse frio e o céu estive cercado de nuvens negras sem sinais de estrelas ou da lua como aquela noite.

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Liguei para Malu. Conversei com ela durante horas, até cair no sono e acordar no outro dia no mesmo horário de sempre. Quatro e meia. Ainda bem que já era sexta-feira.

— Venha para cá essa noite – ela pediu. — Amanhã voltaremos juntos para sua casa, tudo bem? Quero que conheça onde estou morando agora.

Concordei e esperei por aquilo o dia inteiro. Peguei um ônibus depois do trabalho. Elas estavam morando em um apartamento de frente para faculdade, pura mordomia. Um duplex enorme que tinha decoração bem feminina, ambiente cheiroso e a geladeira repleta de guloseimas.

— Gostou? – perguntou Amanda sorridente. — É bem a nossa cara. Ei, espere. Onde está aquele imbecil do Guilherme?

— Deve estar em casa dormindo, mas está cursando Jornalismo na mesma faculdade que eu.

— Ah, legal – ela deu de ombros. — Vou fazer algo para gente comer, vocês podem namorar um pouco lá em cima. Mas por favor, sem escândalos.

Malu me levou até o seu quarto. Para nossa sorte, dormia em um quarto só dela. O quarto era menor do que ela tinha na casa dos pais, mas a decoração era a mesma, toda em rosa.

Ela me mostrou coisas da faculdade, algumas anotações e tudo o que havia aprendido em menos de uma semana. Senti-me orgulhoso, ela era desempenhada e objetiva.

Em seguida, nos amamos um pouco. Depois ficamos conversando abraçados, também cheguei a contar a ela sobre as novas amizades e falta de intimidade que ainda tinha com a turma.

Mais tarde, descemos para comer a pizza de quatro queijos que Amanda havia feito no forno, o que ficou muito bom por ser feita por uma filhinha de papai. Murilo e Beatriz também estavam presentes, comiam calados. Beatriz me encarava. Ignorei ela o tempo todo, estava farto daquela garota.

Por conta do frio, dormimos abraçados. Era bom estar com ela depois de dias sem vê-la. Foi difícil. Para quem já havia se acostumando em ficar junto pelo menos quatro vezes por semana ou todos os dias.

Ela ainda dormia tranquilamente quando me levantei, lavei-me e desci para tomar um copo de leite. De alguma forma era como se eu já fosse de casa.

— Vejam só quem está aqui – disse ironicamente Beatriz entrando na cozinha depois de mim. — Cheguei a acreditar que você já nem existia mais.

— Não seja imbecil – falei servindo-me de leite. — Você só se faz de desentendia porque gosta de provocações. Mas sabe que eu ainda sou o namorado de Malu, com certeza, ela deve falar muito de mim para vocês.

— Aí é que você se engana – ela aproximou-se, esticando-se para pegar algo na geladeira aberta. — Ela fala o tempo todo do priminho dela que está chegando de Curitiba. Fernando Andrade. Você o conhece? Ah, claro que não! – ela se afastou. — Você sabia que ele é tão rico quanto ela? Um de seus primos favoritos, ele chegou até ser o primeiro namoradinho dela aos doze anos, você sabia? Ops! Acho que ela nunca lhe contou isso.

— Você é patética! Acha mesmo que eu vou cair na sua conversa? – soltei um riso. — Maria Luíza e eu nos amamos e você sabe disso. Claro que sabe. Não sou rico e nem chego perto disso, mas ela nunca se importou com isso, pois ela me ama e o que importa é que estamos juntos e ficaremos juntos para sempre. Aguarde.

Dei de costas, subi correndo de volta ao quarto de Malu. Juntei-me a ela. Mesmo sendo cuidadoso ela despertou com a minha movimentação sobre a cama.

Voltávamos para casa juntos em um táxi. Estive o tempo todo em silêncio pensando no que Beatriz havia me dito, se aquilo seria mesmo verdade e o porquê de Malu nunca me ter contato nada sobre seu primo.

— O que você tem? – perguntou ela quando já descíamos do veículo.

— Malu, há mesmo um primo seu de Curitiba que está vindo para cá? – perguntei.

— Ah, meu primo Fernando – ela soltou um riso — Como soube disso? Eu havia me esquecido. Ele vai chegar amanhã. Meus pais vão abrigá-lo por um tempo lá em casa.

— Ah! Ouvi Beatriz comentar com Amanda assim que acordei – menti.

— Amanhã você o conhecerá no almoço lá em casa, verá o quanto aquele garoto é engraçado.

O sábado passou depressa, Malu dormiu aquela noite em casa, até que no outro dia, bem cedo, partimos para sua casa após uma ligação de seus pais.

O cheiro de comida pairava no ar da grande casa. Ajudei-a com as coisas até seu antigo quarto e esperei por ela enquanto falava com seus pais, matando a saudades.

Minutos antes do almoço, a campainha tocou e Teresa foi verificar a porta. Entrou um jovem alto, magro e sorridente. A família toda parou. Os cabelos eram claros e ralos. A pele clara, os olhos azuis os ombros largos, as pernas finas.

Ele usava roupas de marca, um jeans azul escuro, um suéter cinza e um sapato social. Só podia ser o tal do Fernando Andrade, primo de Malu. O jovem largou suas coisas e veio cumprimentar todos.

— Quanto tempo, primo! Veja só como você cresceu – eles sorriam um para o outro. — Esse aqui é o meu namorado, Daniel Ferraz.

— Prazer, Fernando – ele falou rápido, cumprimentando-me com um aperto de mão. — Nossa! Como é bom estar de volta após alguns anos.

— Estamos contentes com a sua chegada, querido – disse a mãe de Malu enquanto o abraçava. — Venha, estávamos indo almoçar. Seja bem-vindo.

Senti-me completamente deslocado naquele almoço, como se não houvesse espaço para mim. Os membros da família conversavam entre si, babando no jovem que acabara de chegar, especialmente Malu, que ficara encantada com o quanto o primo havia crescido e mudado.

Eles se olhavam com cumplicidade, como se eu não estivesse ali ou estivesse atrapalhando aquele momento tão esperado.

Após o almoço, sentaram todos na sala de estar, tomando um café ou chá com bolo. Ainda tagarelavam sem parar, relembrando momentos do passado, datas especiais ou coisas que se perderam no tempo.

— O que achou dele? Não é uma graça de menino? – perguntou ela quando já estávamos em seu quarto.

— Legalzinho – disse dando de ombro, pegando a minha mochila para ir embora. — Eu preciso ir. Prometi a Pedro que iríamos jogar hoje à noite.

— Mas já? – ela veio me abraçar. — Gostaria que pudesse ficar mais, Fernando é um bom jogador de truco. Lembro quando ele ganhava de mim sempre, roubando.

— Eu até ficaria, mas prometi a ele – menti.

— Tem certeza que você já quer ir embora? Você não parece nada bem. Por caso aquela comida te fez mal?

— Não é nada disso – falei friamente. — Vou deixar que você e seu primo conversem melhor, está bem?

Dentro do táxi, pensava se estava certo em voltar para casa me sentindo angustiado por não ter sido atencioso com Malu depois da saudade que a distância nos causou na primeira semana. Mas eu não conseguia ser o mesmo desde que senti um leve incomodo quando aquele garoto chegou na casa dos Andrades. Quem ele era? Porque agradava a todos mesmo sendo tão sem sal?

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— Amor – reconheci a sua voz assim que atendi o celular. — Estou com saudades.

— É, eu também – falei sem jeito.

— Hum. Fernando disse que foi uma pena não ter te conhecido melhor hoje, mas que virão muitas oportunidades ainda.

Minha vontade era de mandá-la calar a boca. Será que não percebia a gravidade das coisas? Ou só seria essa menina riquinha ingênua e tola o tempo todo?

O táxi parou. Segurando o celular com uma das mãos, peguei a mochila, paguei o senhor motorista e caminhei até a porta de casa.

— Estou indo dormir, depois de ligo. Talvez manhã – menti tentando me livrar daquele celular. — Boa noite.

A decepção é algo que nos mata aos poucos. Naquele momento eu só tinha duas vontades. Uma delas era de explodir e dizer a ela o quanto estava louco de ciúmes, seria capaz de estrangular aquele mauricinho a qualquer momento. Ela estava sendo estúpida em não perceber aquilo.

A outra vontade era que ela viesse correndo até minha casa, naquela noite fria, dizendo que entendia minha crise de ciúmes e que eu nunca iria perdê-la por nada nesse mundo.

Mas nada daquilo aconteceria, eu sabia. Malu não iria perceber e o meu orgulho era tão grande que eu não diria o que tanto me incomodava. Pois sei que ela ia me achar um imbecil, dizer que não tinha o porquê de eu me sentir assim, afinal era só um primo dela, um amigo de infância. O problema era que eu mal o conhecia. Ela até poderia estar certa, mas nada justificava a minha ira naquele momento.

Chegando em casa, me joguei na cama de roupas e tudo. Tranquei a porta, me cobri e fechei os olhos. Não queria dar importância aquele céu estúpido.

Foi difícil adormecer com os pensamentos tão altos e maldosos, mas aos poucos eu me tranquilizei. Para piorar, tive um sonho ridículo. Perdia a namorada para o priminho rico.

Não me reconhecia. Alguma coisa tinha mudado dentro de mim em uma fração de segundos. Não estava bem. Sentia que coisas terríveis estavam por vir. Um pressentimento ruim endurecia meu coração.