Antagônicos

Juízes e Pedreiros


Eu odiava chegar atrasado.

Mesmo estando adiantado em relação ao horário em que precisaria comparecer ao fórum, não me permitia chegar menos de meia hora antes; estava tão exausto que acabei dormindo novamente e meu relógio biológico dessa vez me traiu, me despertando apenas quinze minutos depois do que planejei.

Apesar de estarmos no inverno, a temperatura característica resolveu dar uma trégua naquela tarde, então o vento frio era facilmente suportado com apenas um casaco leve, — graças ao aquecimento global — mas como ia me apresentar a um juiz, nada mais correto do que colocar um terno e parecer respeitável diante de minha esdrúxula acusação.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Não fazia a mínima ideia de como o juiz concedeu a oportunidade para que pudesse livrar-me solto com tanta rapidez, mas teria que agradecê-lo por isso; talvez o sobrenome Uchiha ainda tivesse alguma utilidade.

Desci do carro e tive que passar por uma calçada esburacada para chegar ao enorme edifício; a recepcionista que lixava as unhas se recompôs rapidamente ao me ver, com um sorriso que eu sabia ser um início de flerte. Desapontada por não obter retorno, me entregou um crachá e indicou uma sala com porta de vidro para que eu esperasse.

Com a cabeça baixa, ainda irritado por estar naquele lugar, me dirigi à ante-sala, e antes mesmo de deslizar a porta, vislumbrei um par de sapatos elegantes. Definitivamente, eu não era o tipo de homem que costumava secar mulheres por aí, mas enquanto subia o olhar, lentamente, percebi que aquelas pernas mereciam um pouco mais de atenção.

A silhueta esbelta demonstrava classe em seu modo de vestir e eu fiquei ansioso para ver seu rosto; quando finalmente entrei na saleta, levei um susto com o barulho que sua goma de mascar fez ao estourar e ficar um pouco grudada em seu queixo.

O chiclete tinha um tom rosado. Igual ao cabelo dela.

— Oi, Sasuke-kun. — Ela sorriu.

E eu quis me suicidar.

Não lhe respondi e sentei em uma das poltronas, esperando deixar claro que não queria falar com ninguém. Sakura deu de ombros e começou a cantarolar baixinho durante todo o tempo em que ficamos esperando o juiz, que estava atrasado.

Muito tempo depois, uma jovem de cabelos escuros e curtos, com um crachá escrito Shizune, apareceu pela outra porta, que ficava nos fundos da saleta.

— Por aqui, por favor — disse, e nós a seguimos.

Sentamos em nossos respectivos lugares, indicados por Shizune, que saiu do tribunal novamente, alegando ter que buscar as testemunhas que se perderam pelo edifício.

O juiz ainda não havia chegado quando as três senhoras enrugadas adentraram o recinto, empolgadas por participarem de algo supostamente importante. Olharam feio para mim e também ocuparam seus lugares.

Sakura finalmente parou de cantarolar, mas o ambiente foi preenchido com os murmúrios das senhoras; não durou muito tempo entretanto, pois assim que o homem de cabelos prateados ocupou seu lugar, elas ficaram subtamente mudas.

Eu devia imaginar.

Hatake Kakashi, meu ex-professor de direito e amigo de meu pai era quem julgaria meu caso; não sabia se ficava aliviado ou exasperado. Eu sabia que com certeza esse processo seria resolvido sem problemas, mas se Kakashi estava diretamente envolvido, então minha família já sabia do ocorrido e provavelmente agora estariam realmente acreditando que eu era algum tipo de maníaco.

— Uchiha Sasuke, retire os óculos por gentileza — me pediu gentilmente, com aquela expressão despreocupada típica dele.

Contrariado, retirei meus óculos escuros lentamente, exibindo meu adorno facial de cor arroxeada.

— Eu nem vou perguntar como nosso querido desertor conseguiu isso — Kakashi apontou meu rosto. Ele estava se divertindo. Para ele e qualquer outro que conhecesse o legado Uchiha, eu sempre seria um desertor.

O relógio parecia se arrastar enquanto as apresentações e releitura do caso eram feitas, embora eu acreditasse que meu ex-professor fazia tudo com descaso, como se não fosse realmente necessário. Apenas liguei minha mente novamente quando foi concedida a oportunidade às testemunhas.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— ... Então eu estava saindo do mercado quando eu vi aquela cena horrível desse estuprador sem vergonha querendo se aproveitar da pobre garotinha — a senhora de óculos falava.

— Deixe de ser mentirosa, mulher! — a outra senhora, que não possuía alguns dentes, interrompeu. — Eles estavam discutindo a relação quando ela deu um fora nele! Então o safado se alterou e começou a sentar a mão nela!

— Senhoras, peço que aguardem sua vez — Kakashi fez sinal para que se contivessem, mas foi ignorado.

— Mas é verdade! Porque é que ele está com o olho roxo, então? Ele deve ter se envolvido em alguma briga de gangue! — foi a vez da senhora obesa se intrometer.

— Delinquente! Tarado! Sem vergonha! — as ofensas vinham simultaneamente das três mulheres.

Eu estava a ponto de levantar e ir embora daquela audiência ridícula e sem sentido. Percebi Sakura se divertindo às minhas custas, mas quando a encarei com olhos acusadores, ela rapidamente desfez o sorriso no canto da sua boca e pigarreou, fazendo um gesto com a cabeça para que eu sossegasse.

Irritante.

A velha de óculos continuou a narrativa.

— Como eu dizia, eu o vi ali em cima dela, tentando arrancar sua blusa e ela gritava desesperadamente: “Oh, não, por favor!”


— Sim, sim! Ela dizia: “Oh, não! Ainda sou uma jovem donzela que ainda não desfrutou os prazeres da vida! Não pode ser assim!” — o olhar pervertido da senhora obesa combinava com o tom de sua voz quando interrompeu novamente.

— Deixe de mentir, sua descarada! — a sem dentes interveio.

Então as três companheiras entraram em uma discussão ferrenha, em que discordavam uma da outra quanto a meu suposto crime, cheia de adjetivos nada adoráveis e eu me senti no Circo dos Horrores.

Em vão, Kakashi tentou chamar-lhes a atenção, porém só conseguiu a normalidade quando pediu para os seguranças conduzirem as senhoras para fora.

— Tudo bem, acho que já entendi – ele disse. — Não se pode confiar em tais testemunhos. Vamos nos concentrar somente nos envolvidos, então.

Oh, não diga...

.

_______________oOo________________

.

Apelidei mentalmente as três velhinhas que seriam testemunhas: Cegueta, Gengiva e Bolinho. Seus nomes eram difíceis e eu não conseguiria lembrar.

E eu estava lá, me divertindo com a confusão delas quando o mal-humorado do Sasuke-kun fez um gesto como se fosse levantar e ir embora. Então eu olhei para ele, acreditando que captasse minha mensagem: deixe de ser idiota e continue sentado!

Talvez tenha funcionado, porque me obedeceu, embora tenha me lançado um olhar igualzinho ao do meu gato; pelo menos, isso não era privilégio meu, já que o juiz Abacaxi — eu realmente não me lembrava o nome dele — parecia conhecer o Sasuke e também recebia esses olhares.

Eu fiquei até um pouco triste quando expulsaram as velhinhas, e quando chegou minha vez, contei minha versão da história. Que era, obviamente, que eu estava andando de bicicleta quando me senti um pouco tonta por não ter tomado café e perdi a direção, atropelando o pobre Uchiha sem querer. Frizando o sem querer, novamente.

Claro que Sasuke confirmou a história, — porque era a única que ele conhecia — dizendo que tudo não passou de má interpretação dos pedestres. Ele não tinha como dizer qualquer coisa sobre minha irresponsabilidade por dirigir de olhos fechados, então eu não deveria me preocupar. Eu acho.

Nós saímos de lá com o processo encerrado e arquivado, e o Sasuke quase saiu correndo, resmungando algo sobre não querer falar com o idiota do juiz. Ele saiu do edifício em passos largos e apressados e eu o seguia com meus, curtos e desajeitados, por causa daquela saia e do salto estúpido.

Dava para sentir sua aura assassina de longe, então resolvi ser simpática e menos odiada por ele, porque eu tinha uma necessidade doentia de que as pessoas — todas elas — gostassem de mim.

— Vai para casa agora? — Sorri.

— Hn.

Um, dois, três, quatro... Ok, flutuando.

Mas eu juro que se ele me responder com essa porcaria de “hn” outra vez, eu o atropelo com minha bicicleta de propósito assim que tiver a oportunidade.

— Vai ficar assim, sem falar comigo e nem olhar na minha cara? — insisti, enquanto caminhávamos pela calçada esburacada. — Está bravo comigo? Não fui eu quem te socou, sabia?

— Mas me atropelou e por isso tive que vir aqui hoje — ele adorava mesmo rosnar. Muito fofo. Só que ao contrário. — Se está tentando ser gentil, saiba que se eu chegar em meu apartamento sem mais nenhum hematoma, já seria imensamente grato.

Então, repentinamente, parei de acompanhá-lo.

— Sasuke-kun... — Chamei, em tom frustrado, mas ele continuou andando sem se dar conta de que eu havia ficado para trás.

— E agradeceria também se parasse de me chamar disso.

— Mas...

— E se parasse de fazer escândalo em seu apartamento.

— Sasuke! — Gritei, e ele finalmente se virou para me encarar. — Prendi meu salto em um buraco!

Eu acho que estava em uma pose bem engraçada, puxando minha perna, a fim de soltar o salto agulha daquela rachadura no chão, porque os pedreiros começaram a rir, lá de cima.

É.

Então Sasuke suspirou, bem bravo, passando as mãos por aqueles cabelos escuros e feios e voltou para me ajudar.

— Tire o pé do sapato — ordenou; e eu obedeci, descalçando o outro pé sem seguida. — O que está fazendo?

— Dã, por acaso eu vou ficar me equilibrando só com um pé dessa coisa?

Meu comentário foi ignorado e ele se concentrou em puxar o salto do buraco com uma força exagerada, enquanto eu aguardava a seu lado, com o outro sapato nas mãos. De repente, vi o sapato sem o salto sair na mão de Sasuke, que olhou constrangido para o salto que acabou ficando mesmo no buraco.

Acho que isso é coisa de homem; ele poderia muito bem não ter empregado tanta força. Aposto que se tivesse girado um pouco, com delicadeza, o sapato estaria perfeito e eu não precisaria SALTITAR POR AÍ COM APENAS UM SALTO DEMONÍACO!

Ok, acho que precisarei contar até noventa e sete.

— Você ia embora de ônibus? — Hum... Ele ficou mesmo constrangido?

— É.

— Eu... Levo você, então.

Por essa gentileza eu não esperava. E ficaria até um pouco mais surpresa se não soubesse que ele estava fazendo isso somente porque se achou culpado por ter quebrado meu salto.

Eu fiquei lá, parada e descalça, ouvindo as gracinhas dos pedreiros e observando Sasuke ir até o carro e deixar a porta do passageiro aberta. Quando voltou, levei um susto quando me pegou no colo, e se dirigiu ao carro, sem me encarar uma única vez.

Vai dizer que agora é um cavalheiro e não quer que eu ande descalça nos pedregulhos da calçada?

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Sabe, ele tinha um perfume realmente muito ruim e eu fui obrigada a senti-lo quando precisei passar meus braços por seu pescoço e ficar um pouco mais... Perto.

Sasuke colocou metade do tronco dentro do carro, quando foi me depositar no banco do passageiro, mas na hora de sair, bateu a cabeça com força no teto do veículo e fechou os olhos por alguns segundos, irritado, e provavelmente me amaldiçoando em pensamento.

Não gostei do que eu senti. Meus batimentos cardíacos estavam acelerados demais para meu gosto, então a única coisa que pude fazer para espantar essa sensação foi falar qualquer bobagem:

— Prazer, Haruno Sakura, o imã de acidentes.

Ele não riu. Passou pela frente do carro e sentou-se ao volante.

— Antes que pense besteira, — disse, seco — Só fiz isso para que não acabasse te devendo mais uma.

.

.

CONTINUA