Anna Selina

Capítulo Sete - Viagem Difícil


Enquanto a carruagem seguia, Selina tentava prestar a atenção no que seu marido lhe contava sobre a Mansão Blanchard nas terras inglesas, os jardins e os campos que ladeavam a extensa propriedade. Ora ou outra murmurava alguma coisa ou esboçava um sorriso mínimo só para demonstrar que estava atenta ao que ele falava.

─ A conversa não está lhe agradando, não é? ─ indagou de forma afirmativa. Ela assustou-se. Claro que ele repararia, cedo ou tarde, o desinteresse dela.

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─ Perdoe-me, senhor, só estou um pouco cansada. As últimas horas foram excitantes.

Queria dizer, entediantes, mas se conteve.

Michael a analisou e ela desviou os olhos para a janela da carruagem dando um leve suspiro. Seu tom de voz saíra um pouco mais sarcástico do que esperava.

─ Anna, eu sei que tudo é novo para você e ainda houve o infeliz episódio do engano ­─ ela o olhou bruscamente ─; quero dizer... eu a enganei. Eu já lhe pedi perdão, contudo, sabendo que certas coisas não se resolvem apenas com um pedido.

─ De fato... ─ murmurou.

Ele fez uma pausa e continuou:

─ Mas agora, estamos casados. Não há volta, entende? E assim, como milhares de casais que se casam por acordos, precisamos conviver com isto. Temos, então, duas opções ─ elevou seu corpo para frente e a olhou nos olhos ─, ou fazemos um esforço para nos entendermos, e acredito que podemos dar conta disso, ou nos entregamos ao enfado de uma vida de aparências e sem qualquer tipo de afeto como a maioria faz. Não precisamos fazer parte desse segundo grupo, mas a escolha de uma vida inteira está nas nossas mãos.

Ele estava sendo sincero, observou ela. Mas também não era tão simples assim. Pensava em John e como ele entrara na vida dela tão depressa como fora embora, e deixara marcas, sentimentos. Não sabia se conseguiria viver bem com Michael lembrando todos os dias que ele era o culpado disso, e mais ainda, sabendo que ela não teria escolha porque John não era um candidato à sua altura para lutar por ela. Isso chegava a ser cruel.

Optou por permanecer em silêncio.

O conde apenas ajeitou-se no seu lugar ao perceber que ela não falaria nada sobre aquilo. Mas esperaria, uma hora ou outra teriam que voltar a esta conversa. Abriu um livreto e começou a ler. Selina afundou seu corpo no banco acolchoado da carruagem e continuou com seus pensamentos sem perceber que o marido a analisava de vez em quando.

Já era noite quando chegaram a uma estalagem. A carruagem parou e Selina acordou aturdida. Percebeu que estava deitada em uma almofada e coberta por uma manta.

─ Já volto. ─ informou-lhe o marido, descendo do transporte.

Ouviu algo a respeito sobre cavalos e dia seguinte. Isso significava que eles passariam a noite na estalagem e isso a fez estremecer. Obviamente sabia que não poderiam fazer uma viagem sem paradas até Brno, por mais que a cidade fosse relativamente perto, haviam saído de Viena ao entardecer e passar a noite toda viajando por aquelas estradas era muito perigoso.

Agora chegara a hora em que o casal ficaria a sós. Agora, o conde, sendo o seu marido, iria requerer seus direitos.

Sua mãe nunca havia falado com ela sobre esse assunto tão obscuro. Nem mesmo agora, antes de seu casamento, tivera a decência de ter “a conversa” com a moça, entretanto, Selina tinha algumas amigas casadas que relatavam alguns detalhes da vida conjugal que era capaz de corar até a criatura mais capciosa.

Apesar de que nem todas falavam do assunto com a mesma satisfação.

─ Vamos? ─ Michael a convidou estendendo-lhe a mão.

Selina hesitou, mas em seguida, afirmou com a cabeça. Não tinha escolha, tinha? Estendeu-lhe a mão e apoiou para descer da carruagem.

Ao adentrarem pôde perceber que a estalagem era uma casa bastante confortável.

Uma senhora simpática veio cumprimentá-la e com muita cortesia, os encaminhou para o quarto no fim do corredor, explicando sobre as acomodações. Quanto mais se aproximava daquela porta, mais seu coração acelerava.

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A senhora se despediu e Michel abriu a porta deixando o lacaio depositar as poucas malas no chão do quarto. Selina passou os olhos sobre o aposento sem dar um passo sequer para entrar. Michael já havia entrado com o lacaio dando lhe algumas orientações.

Tratava tudo naturalmente.

Afinal, para ele era muito fácil, pensava ela, a enganara e a forçara a se casar sem nenhum remorso. Ah, o que ela estava pensando? Homens não tinham remorso e muito menos o conde, um homem acostumado a ter tudo que queria, com certeza estava ali pensando que teria uma noite agradável com ela.

Mas com ela seria diferente. Não facilitaria nada para ele. O único sentimento que lhe dispensaria seria, para sempre, desprezo.

Seus olhos brilhavam de raiva, apesar do cansaço, olhando-o ali da porta. Até que o lacaio fez lhe uma mesura e saiu.

─ Não vai entrar?

Ela deu dois passos leves e parou novamente. Ele soltou um riso pelo nariz e disse:

─ Já pedi para lhe preparem um banho. Acredito que ficará bem. Terá uma criada à sua disposição conforme a senhora disse. Descanse, partiremos amanhã bem cedo. Tenha uma noite agradável.

E saiu fechando a porta atrás de si.

Anna Selina ficou pasmada. Aonde ele iria? Não dormiria ali?

Então olhou para as malas no chão e viu que somente as delas estavam ali. Certamente as dele foram levadas a outro quarto. Selina sentiu-se aliviada, mas também, agradecida por estar errada sobre Michael, pelo menos naquele momento. Mas ele nunca saberia disso.

Seus pensamentos foram interrompidos por uma leve batida na porta; era a criada vindo para preparar o seu banho.

Já na cama, pensava em John e na última imagem que tivera dele. Seus olhos se cruzando, sua voz a chamando pelo seu novo título... como aquilo lhe doeu! E depois, o pedaço de papel que ele a entregara, o mesmo que estava segurando ali agora.

Seus olhos começaram a arder e as lágrimas mornas desceram pela face.

Onde ele estaria? Será que também sofria?

─ Ah John... ─ murmurou enquanto apertava aquele pedaço de papel contra o peito.

~~AS~~

John sempre fora reservado, mas naquele momento almejava por ter alguém para conversar. Tinha vontade de chorar, mas não podia fazê-lo. O que lhe restava era seguir as ordens como um bom empregado e com o máximo de educação possível.

A viagem ainda seria longa até à Inglaterra e John não via a hora de estar em casa que era na propriedade de seus patrões. Fora ali onde crescera e herdou o “título” de lacaio, de seu pai. Sua mãe também fora camareira na Casa Blanchard, durante toda a sua vida, e fora ali que seus pais se conheceram e contraíram matrimônio. John foi o único filho do casal depois de muitas tentativas frustradas. O casal já estava avançado em idade quando John nasceu.

Devido a respeitabilidade e cumplicidade entre o casal e seus patrões, fora permitido a John crescer mais próximo de Michael, dentro dos limites permitidos, assim como também, participar de algumas aulas com o jovem patrão.

Mas John sempre soube o seu lugar e nunca ambicionou mais do que lhe era devido.

A vida na propriedade era boa. Eles tinham um casebre bem confortável e eram bem tratados. Os dois meninos, conforme foram crescendo, estreitaram os laços de amizade.

Com a morte dos pais de John e, anos depois, a do velho conde, os dois amigos eram as únicas companhias confiáveis para confidenciar o que realmente sentiam. Ninguém mais entendia.

Um era apenas um lacaio. Quem se importaria com seus infortúnios? O outro era visto como um menino mimado e rebelde. Que entenderia de fato, seus conflitos?

Haviam aprendido a se conhecerem e a compartilhar os episódios de suas vidas que não poderiam confiar a mais ninguém.

Agora a vida os havia colocado numa situação complicada. Conhecera Selina se passando pelo amigo e se apaixonara pela mulher que não era para ele. Mesmo que Michael não tivesse conhecimento de seus sentimentos, esse era um conflito que jamais poderia dividir com ele. Ainda mais que agora estariam separados por um bom tempo, e Deus sabe o quanto ele era grato por isso.

Não saberia como se comportar numa circunstância que teria que conviver com o casal diariamente.

Ademais, teria que guardar para si toda essa tempestade que insistia em querer sair pela boca e pelos olhos. Respirava fundo tantas vezes querendo se controlar que, ao menos, percebera que a condessa viúva o observava.

─ John, está tudo bem? ─ perguntou a dama tirando-o de seu turbilhão de pensamentos.

Ele demorou para entender que a pergunta era para ele.

─ Senhora, perdoe-me a distração. Procurarei ser mais atento. Está tudo bem, grato por perguntar. ─ e fez lhe uma mesura.

Ela apenas sorriu com um olhar que dizia: sei que tem algo, mas não vou insistir.

A senhora condessa havia acabado de se instalar num quarto de hospedagem, junto de duas damas de companhia, onde passariam a noite ali. Relâmpagos e trovoadas esparsas davam sinais de uma tempestade chegando. Assim que terminou de avaliar os cavalos e fazer os reparos necessários na carruagem, encostou-se ao veículo soltando um bufo de cansaço.

Olhou para o céu já escuro e denso. Os relampejos aumentando.

Começou a caminhar lentamente pela estrada deserta. Seus passos foram aumentando junto com a ânsia de seu peito. Queria gritar; gritar o nome dela até arrancar do peito aquela dor lancinante. Correu mais rápido e mais rápido, como se isso o levasse de volta ao tempo para consertar o estrago.

Um estrondo cortou o céu e a chuva caiu torrencial.

Como agradeceu aos céus por isso! Suas lágrimas, até agora contidas, podiam escorrer livremente pela face. Parou de correr. Deixou a chuva forte desabar sobre si.

Chorou como um menino. Um choro da alma que fazia sacudir todo o seu corpo. Não se lembrava de ter chorado assim, desde a morte da mãe.

─ Selina... ─ sussurrou seu nome várias vezes e ficou ali, rendido no meio da estrada, esperando que a chuva levasse com ela todo aquele sentimento.

~~AS~~

A criada bateu na porta, despertando Anna Selina. O conde havia pedido para chamá-la; deveriam partir o quanto antes. Arrumou-se e desceu. O marido a esperava na mesa para o desjejum. Selina tinha noção de que seu rosto estava mais inchado do que o normal. Demorara a dormir e havia chorado.

Usar os cabelos presos acentuava ainda mais o rosto desolado, porém, não tinha opção. Escolhera usar um chapéu de abas bem largas, mas ali não tinha o porquê usá-lo. Sentou-se sem olhar para o marido.

─ Bom dia. Como passou a noite? ─ cumprimentou o conde.

Selina não queria responder. Sua vontade era jogar-lhe uma das maçãs da cesta à sua frente.

─ Muito bem, obrigada. ─ respondeu, ajeitando o guardanapo no colo.

─ Que bom.

Ele ficava sempre a analisando e isso começava a irritá-la.

─ Gosta de torta de maçã? Está uma maravilha.

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─ Estou sem fome.

Michael a olhou, sério. Já estava ficando nervoso com suas birras. Poderia aturar seu silêncio, mas não suas grosserias quando, a todo o momento, tentava agradá-la.

─ Vou te dizer algo e espero que entenda. ─ a voz do marido soou dura e ela olhou para ele ─ De nada vai adiantar suas obstinações. Estamos casados, queira a senhora ou não. Se quiser fazer disso um martírio contínuo para você, vá em frente. Mas esteja certa de que eu não tolerarei seus caprichos, Anna. És uma condessa agora, terás que se comportar como tal.

Selina abriu a boca para protestar. Estava furiosa com as palavras dele. Mas quando foi dizer algo, foi interrompida:

─ Conversamos ao chegar em casa. Portanto, apresse-se!

E levantou-se da mesa jogando o lenço sobre o prato com a torta ainda por terminar.

Ficou ali olhando para as maçãs. Um nó na garganta. Tinha certeza de que sua vida dali para frente seria um inferno. Não queria ir para a tal casa, queria fugir para longe dele.

Um informante apareceu:

─ Senhora condessa, com sua licença. O senhor conde a espera na carruagem.

Levantou-se, esguia, pôs o lenço sobre a mesa, respirou fundo e o acompanhou.