Annika se deixou cair sentada nos degraus, em choque: a carta em suas mãos lhe informava que Derrik Anjou solicitara em juízo que a guarda da filha, Gabrielle Anjou, fosse passada para ele. E o juiz acabara de deferir o pedido! Não! Como isso era possível?! Ela sequer fora chamada para alguma audiência, ou algo do tipo... Simplesmente recebera a carta que dizia Gabrielle, sua irmãzinha, sua abelhinha, estar agora sob o poder do homem que as abandonara por toda uma vida!

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Olhando do papel para o chão, ela sequer conseguia se pôr em pé; tremia e estava pálida, o bastante para que Lais, uma das bailarinas mais velhas - outra amiga já bastante próxima - corresse a socorrê-la, pensando que passava mal.

— Annika! – chamou a outra, uma moça miúda e franzina, de delicado rosto em forma de coração e cabelos iguais a veludo negro – o que houve? Está tão branca! – Então ela reparou na carta nas mãos da mulher, e perguntou – isto é...

— Sim. – a pianista tentou se controlar e ficar em pé, mas seus olhos escureciam. Pois de todos os pesadelos que já tivera, em nenhum deles Gabrielle lhe era tirada à força. Nem mesmo no prostíbulo ela chegara a ter tal pesadelo! Por Deus, só podia ser uma brincadeira cruel! Não! Não podia ser verdade!

— Calma, Annie – a bailarina a abraçou, amparando-a ao levantá-la, sentindo a amiga tremer em seus braços – vamos dar um jeito nisso. Acalme-se.

— Como posso me acalmar? – a voz da mulher era um fiapo, de choque e ódio – como vou... – ela sacudiu a carta com violência, enquanto a outra a levava para uma das saletas contíguas ao hall – Gabrielle não pode saber disso, em hipótese alguma!

— Não posso saber de quê? – perguntou a moça, entrando na saleta logo atrás da irmã. Vira pelo vão da escadaria quando Annika empalidecera e caíra no chão, e se apressara a descer os três andares que a separavam da mais velha. De imediato seus olhos pousaram na carta, e ela compreendeu – ele exige minha guarda?

— Ele a conseguiu... – a pianista começava a vencer o choque, e só o ódio puro e simples tomava seu peito. – Mas não vai cantar vitória por muito tempo. – Ela teria saído da sala, mas a bailarina a impediu:

— Você vai ficar aqui, Annie! No estado em que está, vai acabar pegando uma faca e indo matar seu pai!

— É exatamente o que ele merece! – Esbravejou a mais velha. Gabrielle estava trêmula, quase em pânico ao ler o comunicado, e sua irmã compreendia muito bem o porquê: com todo o sofrimento que já haviam passado, com todas as dores, com todas as dificuldades, elas jamais haviam sido separadas. Não sabiam viver separadas, pois encontravam forças, consolo, esperança e amor uma na outra, desde a mais tenra infância. E agora, por obra injusta da vida, por obra de um miserável mesquinho e egoísta, aquela união que fora a única coisa estável e imutável em suas vidas, poderia se desfazer.

— Annika... Annie... Ele não pode levar! Eu não irei com aquele homem! Por Deus, eu fugirei, se for preciso, mas eu não irei para aquele homem! – Vendo o medo que tomava sua abelhinha, Annika, como sempre fizera, tratou de ignorar as próprias emoções e correr em apoio da caçula, tentando acalmar o pânico da mais jovem:

– abelhinha... Abelhinha, olhe para mim – ela fez a jovem lhe erguer os olhos marejados de lágrimas – ele não vai te levar embora. Eu não vou deixar, não importa quem eu tenha de matar para isso. – ela abraçou a irmã com força, sem saber a quem queria consolar naquele abraço – eu juro. Ninguém vai tirar você de mim. Você não é só minha irmã, é minha primeira filha, e ninguém vai se atrever a toma-la de mim.- ela beijou a cabeça da outra, mas a própria pianista tinha dúvidas: como poderia lutar? Como ir contra uma ordem judicial? A única resposta possível seria matar Derryk Anjou, mas... Teria coragem de matar o próprio pai? Não importava: tratava-se de Gabrielle e, pela irmã, faria absolutamente qualquer coisa.

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*

Havia uma incomum reunião na Casa do Lago: Madame Giry, Meg, Renard, Jean, Gabrielle, Annika e o próprio Erik se sentavam na sala de estar do casal Destler, todos de semblante tenso e preocupado. Era raro alguém receber permissão para ir à Casa do Lago, e nunca aquele lugar havia comportado tantas pessoas de uma só vez! Mas havia um bom motivo: tinham pouquíssimo tempo – apenas uma semana – para impedir que Gabrielle fosse levada contra a vontade para junto do pai a quem desprezava e, secretamente, odiava.

Erik e Annika haviam sido a favor de um assassinato, mas Madame Giry e Meg lhes chamaram a atenção ao fato de que uma morte súbita do senhor Anjou, exatamente após ele ter exigido a guarda da filha, certamente faria suspeitas caírem sobre Annika e, por consequência, sobre Erik. Não, um assassinato não era uma boa solução. O homem, contudo, era um rico burguês, contando com um nome respeitado, e podia comprar qualquer juiz não apenas com dinheiro, mas com influência. Como lutar contra isso?

Gabrielle já não chorava mais, embora houvesse soluçado violentamente por horas, movida pelo puro medo. Ela, que raramente chorava, precisara do alento de Renard, Jean e Meg para se acalmar, enquanto Madame Giry discutia com o Fantasma e sua esposa. E agora, sentados todos nos sofás da sala, tinham as cabeças baixas e um ar nervoso. Foi Renard, enfim, quem se manifestou, após longo silêncio:

— Se ela for uma mulher casada, a guarda passa automaticamente para o marido, não é?

— Se ela fosse. Mas o pai nunca consentirá em um casamento. – disse Madame Giry. Gabi, porém, compreendeu o que ele dizia:

— Um casamento clandestino, você sugere?

— Nossos nomes assinados num contrato de casamento, duas testemunhas, e você se torna minha esposa. – ele deu de ombros – eu sei que um casamento nunca fez parte de seus planos, mas seria apenas formal. Você moraria conosco, no Casarão, por alguns dias, apenas para deixar claro que está realmente casada, e depois voltaria para o teatro, e sua rotina normal.

A menina hesitou: casamento... Somente a ideia lhe causava repulsa, mas, por outro lado... Tratava-se de Renard. Como poderia sentir repulsa a casar-se com ele? Mesmo porque, o que o moço sugeria era um casamento de fachada. Mas ela queria um casamento de fachada? Certamente não... Pelo menos, não com Renard – na verdade, se não tivesse tanto medo de ser tocada por um homem, ela o desposaria coma maior das alegrias! - Mas que alternativa tinha?

— É uma boa estratégia – ponderou Madame Giry – uma vez casados no papel, com testemunhas, não haverá nada que se possa fazer. Uma anulação do casamento teria de vir da parte do marido, o que não ocorrerá, quando é ele quem propõe.

— Gabi fica conosco algumas semanas, nós todos no Casarão podemos testemunhar que ela vive lá, e que vive como esposa de Renard. – afirmou Jean. – ela ganharia proteção por todos os lados.

— Certo – disse Annika – mas não se manifestou a pessoa cuja opinião realmente importa – ela fitou a irmã, que abraçou o próprio corpo, desconfortável. Levemente ruborizada, murmurou:

— Renard... Você sabe que eu... Que eu não tenho como ser uma esposa de verdade.

O moço se levantou e foi sentar ao lado de Gabrielle, abraçando-a pelos ombros:

— Não vou tocar em você, se é do que tem medo. Nosso casamento será apenas para te proteger.

— Não seria justo com você...

— Não entendeu ainda, Gabrielle? – perguntou ele, segurando o rosto dela com carinho – eu amo você. Não estou me importando se seremos marido e mulher de fato, ou não... Eu só quero deixa-la a salvo, junto de sua família, que somos nós, e não nas mãos de um desconhecido louco que a reclamou apenas por carregar o mesmo nome que o dele. – ele beijou a testa da namorada – eu só quero proteger você, e nada além disso.

— Tem certeza de que quer fazer isso? – perguntou ela, sabendo que o rapaz a desejava, e que seria um sacrifício bastante grande, para ele, tê-la como esposa e não poder tocá-la como mulher. – não precisa fazer...

— Eu quero fazer. Se for para garantir sua segurança, eu atravesso o próprio inferno. E devo dizer que ter você vivendo conosco no casarão estará mais para o paraíso. – brincou ele – a não ser, é claro, que você e Sarah se matem nas brincadeiras de luta que fazem.

A moça riu pela primeira vez no dia, o que descontraiu a todos. Abraçando seu amado, a violinista suspirou e murmurou:

— Você é um anjo, meu querido.

— Sou o seu anjo. – respondeu ele, beijando a mão da menina, e voltando-se então para Erik e Annika. – mas preciso do consentimento de vocês, é claro.

— Tem nossa total permissão, Renard. Isso é mais do que óbvio – declarou Erik – sabemos que, dentre todas as pessoas deste mundo, você seria a última a machucar Gabrielle. Confiamos em você, e honramos sua atitude, se realmente estiverem ambos dispostos a seguir este plano.

— Estou – afirmou o ladrão. Gabrielle apenas sorriu timidamente e anuiu, indicando que aprovava a ideia.

— Bem, tem de ser um segredo. – disse Madame Giry – amanhã, no mais tardar, devem ir ao juiz de paz, ou a uma igreja, e realizar o matrimônio. Temos testemunhas suficientes aqui, e imagino que os demais rapazes e moças do Casarão não se oporão a...

— Não, Madame. – pediu Renard – com todo o respeito, mas creio que já são pessoas suficientes aqui. Precisamos apenas de algumas testemunhas para a cerimônia, e nada mais. Tudo deve seguir o mais depressa e discretamente possível, para que não sejamos pegos de surpresa. Já temos “convidados” em número suficiente... Amanhã, essas pessoas que estão aqui apresentar-se-ão conosco, e assinarão como testemunhas do casamento, e tudo estará acabado.

A viúva anuiu, concordando: Renard era um homem sensato e astuto; fazia sentido ter o mínimo possível de presentes, a fim de não chamar a atenção para o que seria feito. Ao mesmo tempo, havia número suficiente de pessoas presentes para legitimar a união do casal, em caso de contestação; eram a praticidade e a razão que falavam através do jovem ladrão, naquele momento. Ele realmente tinha a única intenção de proteger sua amada, e essa percepção fez sorrir a severa mulher.

O restante da tarde foi dedicado a acertar os detalhes do que se transcorreria no dia seguinte. Assim, quando o Sol se pôs e todos retornaram ao teatro, o plano já estava pronto; era uma situação bizarra e estranha, sem sombra de dúvidas, mas ao menos a segurança de Gabrielle estava garantida. Ninguém reparou na linha dura que os lábios de Annika e Erik formavam, nem nas faíscas de ódio que os olhos da mulher pareciam desprender, nas poucas vezes em que se mencionou o nome de Derrik Anjou... Ou, se perceberam, nada comentaram.