— Você precisa mesmo fazer isso? — Tomiam perguntou.

O machado girou no ar, e então caiu no topo do tronquinho, abrindo-o no meio e cada metade caiu para um lado, a lâmina fincou na base de Mogno já gasta pelas pancadas constantes.

— Eu faço isso há quase dois ciclos. — Alek respondeu puxando o machado para cima e baixo até soltar da base. — Era assim que eu mantinha minha família.

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Alek e Tomiam usavam regatas de algodão que estavam sujas com carvão e lascas pequeninas de madeira, Tomiam também usava uma camisa de botões aberta. Antes de o sol nascer ele e Tomiam haviam pegado um trem de carga e ido, escondidos no vagão de carvão, até Koed-Gunr; o reino aonde Alek trabalhava. Alek havia tentado derrubar uma árvore junto de Tomiam, não sabia por que, mas eles haviam fugido para aquilo, feito crianças inconsequentes.

Em Koed-Gunr não conseguiram derrubar a árvore, então compraram um tronco de quatro metros e levaram de volta para a estação, mas não foram autorizados a embarcar com o tronco no trem, não possuíam a licença. Então, fizeram como na ida; se esconderam em um vagão, este de feno, e retornaram para o Anel, de lá ao Pilar, e então à casa de Gÿrvanza, no fundo das cozinhas, aonde pegaram os troncos empilhados para a lareira e lá Alek começou a ensinar Tomiam seu oficio.

Então passou para ele o machado.

— Tenta.

Tomiam tinha braços finos, não era um guerreiro ou um lenhador, mas sim um garoto estudioso filho de um nobre, criado no luxo e sem nunca ter necessitado levantar uma espada ou enxada. Segurava o machado com certa dificuldade e pouca habilidade enquanto Alek pegava um tronco e colocava em cima do cepo.

— Isso é uma péssima ideia. — Tomiam segurou o cabo com as duas mãos e então desferiu o golpe. Acertou mais para esquerda do que no meio, e o tronco escorregou e caiu para frente, o machado foi ao chão e Tomiam perdeu o equilíbrio, se aprumando depressa. — Como alguém pode fazer isso todo dia, o dia todo?

— Não é tão difícil quanto parece. — Alek disse pegando o tronco e colocando sob o cepo novamente. Então pegou o machado da mão de Tomiam, que invés de recuar e abrir espaço, empurrou Alek para o lado.

Assim que tinha seu caminho aberto, Tomiam ergueu seu fino braço, puxou as mangas da camisa para trás até os cotovelos e então inspirou. Quando desceu o braço, foi um único estralo e o tronco se partiu em dois pedaços, com lascas da mesma forma como se fosse um machado.

— Viu, assim é bem mais fácil. — Alek fez uma careta.

— Magia não é pra ser usada em trivialidades. — Disse para Tomiam, como se o repreendendo por aquilo. Alek se lembrou daquele homem que deveria ser, e não do menino que nunca tivera a oportunidade de ter sido.

— Isso é medo? — Tomiam riu dando um soco no braço de Alek, que revirou os olhos, sério. Não respondeu ao garoto dois ciclos mais novo que ele. — Você não vai ficar bravo, né?

Alek usou o silêncio para pensar. Aquele comportamento era infantil, e ele tivera que aprender a ignorar, a ser maduro e não cair em pegadinhas da mocidade. Todo adolescente comete erros, mas eu já sou um adulto. Tomiam, porém não!

— Você vai aprender ainda que a magia tem uma finalidade, e não é diversão!

— Meu pai falava muito isso também. Até a gente aprender a teoria da tolerância.

— Quê?

— Certos magos são mais tolerantes que outros, mais fortes que outros. — Tomiam disse colocando a mão na cintura e encarando Alek com zombaria. — Meu pai te dá tanto valor. Será que ele está errado e você é fraquinho, por isso o medo de usar magia?

— Eu não... — Alek começou, mas uma terceira voz surgiu pela porta da cozinha.

— O medo de usar magia é justamente pelo poder que ela carrega! — Gÿrvanza apareceu, apoiado no batente. Desta vez usava um longo manto carmesim e um cajado de apoio, que tinha grandes rubis cravejadas no topo. — Alek é sensato para a idade, enquanto você faz jus a juventude!

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— Pai. — Tomiam abaixou a cabeça e os braços.

— Ouvi boatos que os dois foram para outro reino, Alek, pensei que havia explicado...

— Eu tomei cuidado.

— Os Carza caçaram e mataram centenas de magos, não os subestime. Eu estou tomando todas as medidas necessárias para te manter seguro aqui, e trazer sua família sem levantar mais suspeitas quanto ao seu paradeiro. Talvez sim, você tenha conseguido se manter obducto, mas caso tenham sido vistos, tudo se perdeu! — Alek então abaixou a cabeça. — Esperava mais de você do que esse comportamento, e você... — Olhou para Tomiam. — Depois vou falar com você. Alek, comigo.

Gÿrvanza se virou e retornou à cozinha, Alek olhou para Tomiam, que nas costas do pai ergueu as mãos e fez uma careta, se virando e caminhando pelo quintal. Alek foi atrás de Gÿrvanza.

Caminharam pela cozinha ao corredor e subiram as escadas para o escritório privado de Gÿrvanza, que esperou Alek entrar, então fechou a porta atrás dele.

— Eu preciso ainda me encontrar com o Primeiro Ministro para formalizar sua liberdade, ou então Mandeas pode simplesmente lhe ter em custódia novamente. O número de pessoas que sabem de você é surpreendentemente grande e a quantidade de ouro que estou gastando com suborno para manter todas essas pessoas caladas é maior ainda, e Tomiam não é a melhor das companhias nessas horas. Ele tem idade, mas apenas isso!

— Você parece meu pai. Mas eu já aprendi essas lições com ele. — Alek garantiu, sua voz era de alguém tentando explicar, não discutir. — Se fossemos correr perigo... Você me ouviu, eu não vou errar, não de propósito. Seu filho pode ser uma criança, mas eu não sou! E Mandeas... Quem é mesmo?

— Tio de Yennis. O Regente até o Rei dos Reis ter idade, o Líder Supremos da Ordem de Carza, e nosso principal problema aqui, de quem estou tentando te esconder!

— Você disse que retornou para conseguir parar os Carza, como deixou que Mandeas se tornasse regente? Isso explica porque nós vivemos como ratos, o Rei dos Reis nos quer mortos!

Gÿrvanza concordou, e então se levantou, andando ao redor da mesa. Alek já havia se sentado.

— Foi justamente assim que você veio parar aqui. Hoje magos conhecidos são menos de duzentos. Dizem que um mago vale por mais de cinquenta soldados comuns, e se assim for, ainda estamos em tremenda desvantagem! — Gÿrvanza parecia preocupado. Parou ao lado de Alek e se apoiou na mesa. — Seu papel vai ser fundamental, Alek, mas preciso de ti vivo para isto. Ainda é membro dos Hasgyz, ainda pode convencer os sábios, com as palavras certas do primeiro-ministro você conseguirá não apenas subir na ordem, mas influenciar opiniões dentro dela.

— Você quer me fazer um Sábio?

— O mais novo já visto, sim. E então uma reforma...

— Eu concordo com parte de suas visões, mas não com todas Gÿrvanza. — Alek se inclinou na cadeira, apoiou o rosto nas mãos e bufou, como quem estava cansado daquela discussão. — Me diga porque, a verdade. Talvez não seja sequer tão ruim, que todos nós morramos e então sobrará apenas os Carza, eles não terão com quem lutar, haverá paz!

Disse, como provocação, mas pode ver na expressão de Gÿrvanza que este levou como uma grave ofensa Alek sequer considerar aquela ideia. O homem, porém, nunca demonstrava decepção em forma latente, com uma voz mais paciente ele começou;

— Não peço que concorde com o uso da magia, apenas que evite sua destruição. Se Mandeas conseguir acabar com todos, extinguir a magia, nada o impedirá mais. Para todos é cultura, manter sua história viva e preservar a vida, se os Carza forem extintos, os Hasgyz governaram em paz, e vice-versa. Mas se os Carza extinguirem os Hasgyz... Destruição para todos! Os Carza, principalmente o líder deles, Mandeas, são como Alagorv; adoram estudar, achar inovação em todo e qualquer lugar.

— Alagorv é sua marionete.

— E ele estuda a origem da magia no homem, para descobrir algo que precisamos urgentemente. Já ouviu falar em Azul?

— O mineral? — Alek perguntou e Gÿrvanza anuiu.

— Mandeas, há um tempo, desenvolveu um inibidor a base de Azul. Uma vez em uso é como um remédio, mas seus efeitos ao que parece nunca passam. Castração magica, os Carza chamam. Uma cura para nossa doença! Alagorv busca a mesma solução, por isso os estudos com cobaias vivas, até então a magia era algo para aprendermos a usar, agora precisamos aprender como dar ignição.

— E Alagorv já matou quantos magos no processo?

— Não me importa. Desde que descubramos como iniciar o individuo... Poderíamos montar um exercito o que são vinte ou trinta magos mortos pelo bem de uma espécie? Pelo bem de Tëmallön!

— Magos matando magos... — Alek se levantou e se distanciou de Gÿrvanza, sentiu uma onda de nojo. — Talvez os Carza estejam realmente certos! E os Hasgyz e os Turmanos, estejam todos decaídos nas trevas que fingem ser contra. Vocês entregam o seu próprio povo por motivos maiores, mas o maior motivo é proteger...

— A Chama! — Gÿrvanza aumentou o tom de voz, quase em um berro, grosso e forte, a voz forçou Alek a se calar. — A Obliterante chama, Alek. São poucos magos, é verdade, e eu sacrificaria cada um deles, até mesmo o meu filho para descobrir como criar mais de nós! A magia esta morrendo, não nascem mais magos como antigamente e os Carza estão destruindo não apenas vidas, como o conhecimento dessa magia, os Hasgyz estão destruindo também, queimando qualquer feitiço que possa ser ruim, mas sequer se perguntam o que é ruim ou não! Guiados por um credo obsoleto fugindo de uma ordem que não para de crescer justamente porque seus queridos sábios se recusam a evoluir! Uma batalha de fracassados aonde os Hasgyz são extintos, os Carza triunfam e eles finalmente conseguem executar o plano final; destruir a fonte da magia em Tëmallön!

Alek se calou ao ouvir aquilo, o discurso o fez perder-se no meio do caminho, não sabia se havia entendido bem, sua expressão era de confusão e Gÿrvanza notou.

— A Chama, Alek, quando tivermos sido derrotados Mandeas vai destruir a Obliterante Chama, e junto toda Tëmallön! O maior e último reino, a morada de todos, extinguida em um segundo de pura luz. Sem nenhum vencedor, só uma enorme pilha de bilhões de corpos, ou nem isso, sobrará o pó!

— Se isso for verdade, porque Mandeas já não o fez? Ele é, no fim das contas, o Rei dos Reis!

— Apenas o Rei dos Reis pode interferir na Chama. E ele é um Regente! Um regente que sussurra na orelha de Yennis, cria o menino como bem entende. Assim que Yennis for coroado Rei dos Reis, talvez ele o faça; talvez ele destrua tudo! Temos até lá para você tomar seu posto na Ordem de Hasgyz e fazê-los ver que precisam mudar. Ou eu conseguir influenciar o primeiro-ministro e depor Mandeas de seu posto, forçando-o a voltar para Bahskum. Ou Alagorv dissecar os magos e descobrir a origem da magia no individuo para que possamos, no pior dos cenários, criar nosso exército para tomar o Pilar dos Carza à força. Mas é isso, Alek. Você é um plano dentro de tantos outros, Tëmallön precisa de você, mas não vou colocar toda a esperança de bilhões de pessoas na suas mãos. Eu vou fazer o que for necessário, custe o que custar. Tal como seu pai fez.

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— Tirar vidas jamais pode ser a solução...

— Eu entendo. — Gÿrvanza foi até a frente de Alek, segurou pelos ombros. — Você olha para meus planos e vê o custo, mas não os benefícios porque não compreende meus motivos, mas eu entendo os seus! Então repense na consequência; no que aconteceria com sua mãe e irmãs, no custo, o que você sacrificaria? E no benefício; após o sacrifício elas continuariam vivas. É isso que eu estou fazendo, Alek. Mas não com uma visão limitada, você quer salvar uma família, a sua. Eu pretendo salvar todas, incluindo a sua!