"Uma casa vazia não é um lar". (Keane -Atlantic)

Vincent se sentia um merda.

Acompanhar Amelia naquele coquetel se transformou em uma péssima ideia. Magoar Gilan sempre era uma péssima ideia.

Prensou os lábios, suplicando em silêncio que chegassem logo em casa. Ele queria se afastar da jovem. Tê-la por perto sempre parecia afogá-lo em uma quantidade desproporcional de culpa.

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Por que não conseguia olhar para ela?

Bufou nervoso, passando as mãos pelos cabelos enquanto andava de um lado para o outro em seu quarto.

Por que aceitou acompanhá-la naquela reunião escolar?

Vincent saiu do quarto e marchou com passos firmes pelo corredor, um caminho relativamente curto, mas que naquele momento parecia uma distância infinita. Depois de poucos segundos, finalmente alcançou a porta da assistente.

E por que diabos sentia-se tão mal em não poder ir?

Tocou a maçaneta e ficou parado naquela posição por alguns segundos. Do outro lado, encontraria Gilan. Gilan e as suas pantufas adoráveis. Gilan e as suas calças folgadas, os seus cabelos bagunçados e as suas camisetas largas. Gilan e o som do seu sorriso.

Queria tanto ouvi-la sorrir.

Vincent precisava ouvi-la sorrir.

Ele hesitou. Atrás daquela porta havia questões que Vincent não estava pronto para lidar. Pelo menos, não agora. E devagar, as suas mãos soltaram a maçaneta.

Se afastou alguns passos e bateu as costas na parede gelada do corredor. Sua respiração aumentou conforme a sua mente batalhava contra o desejo de entrar naquele quarto.

Era isso. Desejo. Apenas desejo.

A jovem assistente era, incontestavelmente, linda. E talvez essa falta de companhia o estivesse levando ao delírio total, o jogando no meio de pensamentos que nada tinham a ver com sentimentos reais.

Não existia nada além de uma vontade reprimida. Nada além de uma desgraçada abstinência. E Vincent não poderia saciar essa necessidade com Gilan. Não seria justo. Nunca permitiria que algo acontecesse entre eles, simplesmente porque a jovem merecia coisa melhor. Muito melhor. Alargou o nó da gravata e caminhou até o hall de entrada, em seguida, vestiu o seu casaco e pegou as chaves do carro. Vincent não tocava em uma mulher há muito tempo, e talvez fosse a hora de resolver de uma vez por todas essa situação.

xXx

No primeiro copo de whisky, Vincent se convenceu que a sua abstinência era o motivo de todos os seus problemas e que não sairia daquele bar sem conseguir uma boa foda.

No segundo copo, uma loira de cabelos longos sentou-se ao seu lado e nada do que ela dizia parecia fazer qualquer sentido. No terceiro copo, Vincent notou que a mulher era a dona de um belíssimo par de olhos azuis. No quarto copo, tudo parecia um borrão sem significado: a garrafa quase vazia, aquela mulher falante, as pessoas ao redor. O seu corpo estava no automático, as suas respostas mal saiam de sua boca e a única coisa que ele conseguia enxergar com clareza eram os bonitos tons azuis daqueles olhos em sua frente.

Se sentiu um pouco febril e coisas zumbiram em sua cabeça, o transportando para longe dali.

“Você sabe o que ela tem, não sabe?”

“Eu gosto de você. Eu gosto muito de você.”

“Gilan é a pessoa mais valiosa que eu já conheci.”

“Case-se comigo.” "Faremos um contrato".

“Eu sou, e continuarei sendo, apaixonado por Amelia.”

"Me apaixonei por cada parte dele. Cada uma. Por pior que pareça ser”.

“Eu prometo que farei cada segundo daquele maldito contrato valer à pena”.

“Eu pensei que você havia ido embora”

“Você confia em mim?” “Completamente”.

Vincent passou as mãos pelos cabelos e cerrou os olhos, como se pudesse apagar aquelas memórias a qualquer custo, e então, para a surpresa de sua companhia feminina, ele levantou-se de repente.

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— Vamos sair daqui. — a voz de Vincent soou cheia de insinuação e a mulher lançou um sorriso malicioso, se levantando também.

O casal seguiu até os fundos do bar, na direção do banheiro, Vincent na frente e a mulher logo atrás. O local estava mais lotado do que de costume e isso, de certa forma, fez com que tudo parecesse ainda mais sujo. Mal haviam entrado na pequena cabine do banheiro quando Vincent prensou a loira na parede, atacando os seus lábios carnudos com certa urgência. O contato tão inesperado fez com que a mulher soltasse pequenos suspiros de prazer e se esfregasse indecentemente no corpo de Vincent.

Ele se afastou por poucos segundos daquela boca desconhecida, apenas para tomar uma lufada de ar e atacar o pescoço exposto da loira. Tudo ficaria bem. Vincent tinha uma mulher incrivelmente atraente embaixo de si, gemendo e suplicando por mais.

Nada poderia ser melhor do que isso.

Mas era. Gilan era.

E o seu corpo estúpido fazia questão de lembrá-lo a todo momento. Vincent não conseguia esquecer dos sons excitantes que a assistente fazia quando se beijaram pela primeira vez. Do cheiro de cereja que havia ficado em sua camisa por horas. Da pele suave e tão receptiva, que se arrepiava com facilidade. E do seu sabor.

Deus! Como Vincent se lembrava daquele gosto, queria senti-lo novamente em sua boca. Era tão fresco, tão viciante. Nada comparado a essa mistura de álcool e gloss barato que o invadia.

Se afastou bruscamente, e os olhos azuis da mulher o fitaram com dúvida.

— Você não parece muito animado. — ela deu um olhar sugestivo para o meio de suas pernas.

Vincent também olhou para as próprias calças. Era frustrante que o seu corpo se negasse a reagir. Isso só podia ser um pesadelo.

Sem dizer nenhuma palavra, ele abriu a porta da cabine e se escorou na pia do banheiro na intenção de lavar o rosto.

— Sabe… — a mulher continuou falando, se apoiando na pia e o observando se refrescar. — Essas coisas acontecem… Mas se você quiser me ligar nós podemos tentar uma outra noite.

Vincent sequer a encarou. Sentia vergonha de si mesmo, não por ter falhado, mas por ter se colocado naquela situação. Saiu do banheiro com a loira o seguindo logo atrás, pedindo aos céus que ela desistisse dele e encontrasse outra pessoa para lhe fazer companhia. A mulher arrumou o seu vestido e limpou o canto da boca borrada. Vincent fez o mesmo, sujando a manga de sua camisa.

— Me liga. — ela entregou um cartão que Vincent aceitou por educação, e antes de se afastar, lhe deu um selinho suave, melando novamente a sua boca com aquele gosto enjoativo.

Vincent sentou-se outra vez em frente ao balcão e pediu mais um copo de whisky, o quinto da noite, e depois de alguns goles, escutou uma voz familiar se aproximar.

— Você é tão merda, Vincent.

E seus olhos sequer precisaram encarar o dono da voz para saber quem havia sentado ao seu lado.

Matthew Green.

Vincent observou de canto de olho o produtor virar uma dose de bebida, que pela cor, parecia vodca pura.

— Gilan não merece isso! — o produtor rosnou, ainda sem encará-lo.

O líder de equipe continuou calado, tomando devagar o líquido do seu copo. O produtor soltou uma gargalhada tão petulante que obrigou Vincent a finalmente olhar em sua direção.

— Eu nunca compreendi esse casamento. — apesar do fino sorriso, a voz do produtor parecia destruída. — O que uma garota alegre como a Gil faria com um cara como você? — Vincent desviou o olhar, voltando a sua atenção para o copo de bebida. — Com você ela mal sorri.

Aquela afirmação o atingiu. Era quase insuportável admitir o quanto concordava com as palavras do produtor. Sentiu um enjoo subir pela sua garganta e fez um esforço sobre-humano para não vomitar ali mesmo.

— Eu cheguei a acreditar que ao menos você estivesse apaixonado por ela e só fosse orgulhoso demais. — Matthew continuou. — Eu só queria acreditar que a Gil estaria segura. Mas tem alguma coisa errada acontecendo aqui.

— Você não sabe de porra nenhuma, Matthew. — Vincent finalmente retrucou.

— Eu sei que você não está cuidando da sua mulher. — o produtor elevou o tom de voz de forma discreta, algo que não passou despercebido por Vincent.

— Isso não é problema seu. — Vincent fez menção de se levantar, porém, o movimento brusco o fez cambalear levemente, o obrigando a sentar-se outra vez. Maldito whisky.

— Não era problema meu… — o produtor praticamente sussurrou. — Até essa noite.

Vincent notou algo ameaçador naquela frase e virou-se devagar para encarar os olhos do produtor. Matthew tomou um longo gole de sua bebida e levantou-se, andando até a direção de Vincent, ficando perigosos centímetros de distância.

O produtor abriu e fechou a boca como se fosse dizer algo mais, porém, apenas balançou a sua cabeça negativamente e se afastou, não sem antes trombar o seu ombro com o de Vincent, que ficou ali parado, enquanto o colega desaparecia na multidão.

xXx

Com quinze anos, Gil roubou uma garrafa de rum do armário de Kerya. E se Marlucy não tivesse a perturbado tanto para encontrar alguma bebida pela casa, Gil provavelmente jamais ousaria mexer nas coisas da irmã. Mas lá estavam elas, jogadas no sofá com uma ressaca moral imensurável e uma ânsia de vômito quase impossível de suportar. Quando Kerya retornou, flagrou a irmã adolescente com uma expressão perturbadora e vomitando compulsivamente na privada do banheiro.

Depois de um banho gelado, um castigo merecido e um sermão longo demais para a dor de cabeça de Gil assimilar, a jovem prometeu para si mesma que jamais tomaria um porre de rum como aquele. Pelo menos, até aquele momento.

Assim que escutou o elevador apitar no andar de baixo, Gil se encolheu em sua cama, como se aquilo pudesse manter o seu corpo um pouco mais aquecido. Vincent havia saído, sabe-se lá para onde e tudo o que ela conseguia pensar era o quão miserável isso a fazia se sentir.

Era injusto. Gil sempre sobrava naquele lugar.

Sem poder correr atrás da irmã, encontrar os amigos ou qualquer pessoa próxima. E não era nada físico que a prendia. Ela poderia sair quando bem entendesse. Mas estava presa naquele casamento e tudo o que ele significava. Estava amarrada naquela mentira da maneira mais comprometedora possível, e por mais que tentasse encontrar meios de fugir dali, algo muito forte a impedia.

Vincent a impedia.

Vestiu um moletom e desceu as escadas. Era uma noite inexplicavelmente fria. Preparou um chá com todo o cuidado e decidiu dormir mais cedo. Passou novamente pela sala quando de relance, examinou o pequeno bar no canto do cômodo. E lá estava, inocente e tentadora: uma garrafa de rum. Deixou o chá de lado, e sem pensar muito, tomou um longo gole da bebida amarga.

Fez uma careta com a lembrança daquele gosto e sentiu uma pontada desconfortável em sua cabeça. Mesmo assim, Gil tomou mais um gole. E outro. E outro. Até o frio se transformar em calor, fazendo a sua testa suar e o seu corpo relaxar e enfraquecer.

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Sem conseguir manter-se em pé, deitou-se no sofá e se perguntou quanto tempo mais teria que viver naquele lugar tão espaçoso e solitário?

xXx

A luz da manhã resgatou Gil do seu sono, a fazendo recuperar a consciência lenta e preguiçosamente. Sentiu a maciez dos lençóis entre as suas pernas e uma sensação confortável percorreu o seu corpo. Se sentiu estranhamente descansada.

Virou-se de barriga para cima na cama e se espreguiçou. Um cheiro de sândalo e sabonete invadiu as suas narinas fazendo o seu couro cabeludo arrepiar. Ela conhecia esse cheiro.

Abriu os olhos um tanto receosa e se deu conta de que não estava mais na sala, e muito menos no seu quarto. Antes que a sua mente conseguisse deixar a sonolência de lado e associar o que estava acontecendo, a porta do banheiro se abriu e uma nuvem de vapor invadiu o quarto. Estou deitada na cama de Vincent.

Gil cerrou os olhos com toda a sua força fingindo ainda dormir.

Escutou o barulho das gavetas do closet serem abertas, e ao tentar espiar, flagrou o chefe usando apenas uma boxer preta, fechou os olhos novamente e o seu corpo idiota começou a tremer.

Implorou ao universo que Vincent não notasse essa movimentação até conseguir se acalmar. Depois de alguns minutos de silêncio no quarto, ela escutou passos em sua direção. A cama afundou ao seu lado e Gil sentiu pontas de dedos afastarem os cabelos de sua franja e acariciarem com cuidado o seu rosto.

Deus! Que merda aconteceu ontem a noite?