Além do Castelo

Capítulo 13 Castelobruxo


Capítulo 13.

Pavilhão de laboratórios, Castelobruxo, 10 de setembro de 2021

Tony estava passando pelas portas metálicas do Pavilhão Lab com pressa, porque tinha apenas 20 minutos antes do horário do almoço acabar, depois teria que correr para sua próxima aula, Poções.

O pior pesadelo de todos.

Finalmente encontrou o laboratório que estava procurando e usou a varinha como chave de acesso, agora que havia recebido a permissão em nome do seu patrocinador. Ser parte dos FerrZ era muito conveniente, porque permitia que tivesse acesso ao maquinário trouxa sem precisar da permissão de professores ou estar em uma aula sobre a cultura trouxa.

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— Bom dia, Tony. - A máquina número 5 cumprimentou assim que o garoto conectou os fones para “logar” na internet dentro da espaçosa cabine a prova de som.

— Bom dia, Gab, como foi o seu dia? - O garoto sabia que estava falando com uma Inteligência Artificial, uma máquina que Gaia havia explicado como sendo “um monte de algoritmos, tipo os de aritmancia avançada, sem sentimentos e pensamentos próprios”, mas Gab tinha uma voz agradável e respondia tudo com bom humor.

Tony realmente gostava dela.

— Estive baixando atualizações essa noite, sabia que posso imprimir seu aparelho telefônico em uma impressora 3D autorizada? - A criatura de mentirinha perguntou animada em inglês e Tony franziu o cenho.

— Como assim? De graça? Eu sei que esses aparelhos novos são impressos, mas eles custam uma fortuna! - O sonserino esteve pesquisando nos últimos dias um monte de celulares e tabletes e computadores portáteis e assistentes pessoais que cabiam em pulseiras, mas ainda não tinha conseguido dar seu veredito.

Os trouxas eram os reis das maquininhas parecidas!

Toda vez que sentia que estava pronto para fazer o pedido do aparelho que finalmente o conectaria ao mundo cibernético, Gab ia lá e lhe mostrava a mais nova invenção tecnológica que mudaria toda a sua experiência com a internet!

Para uma Inteligência artificial projetada para ajudar os humanos, Gab era uma coisinha bastante confusa.

— De graça não, Tony, mas com um custo benefício interessante: você gastaria o dobro do valor que havíamos estipulado na nossa faixa de preço ideal para comprar a impressora agora, mas pagaria apenas 20% do valor do aparelho imprimindo nela, o que a longo prazo iria significar uma economia significativa em qualquer aparelho que você comprasse depois.

Os dados dessa compra maluca dançaram na tela de plasma do computador número 5 do laboratório de tecnologia trouxa de Castelobruxo e Tony pôs a mão no queixo, analisando os gráficos atentamente.

Hum... Realmente era um valor bem mais alto, mas se ele comprasse a tal impressora 3D, passaria a pagar apenas 20% do preço de qualquer eletrônico que fosse ter na vida, porque as empresas vendiam os detalhes exatos de seus aparelhos para esse tipo de consumidor com um valor muito, muito bom.

Mas por outro lado, se ele... Um arrastar de cadeiras e o colega sentando ao lado, na mesma cabine que ele, o tirou de seus pensamentos consumistas.

— Gab, põe os três lançamentos de celulares liberados pela União Europeia na tela, por favor! - Gui falou com seriedade, sentando ao lado do britânico com suas chiquinhas ainda balançando pelo movimento brusco de conectar os fones. — Não pode deixar ela te dominar, Tony, Gab nunca vai te deixar comprar nada, porque ela gosta de se sentir necessária, não é, Gab?

— Sim, Gui, eu gosto de ser necessária. Aqui está, Tony, os três últimos lançamentos do ano, lembrando que a Samsung lançará seu mais novo modelo em dois dias, gostaria que eu adicionasse um lembrete do evento em sua agenda?

— Não, obrigado, ele não gostaria disso, vamos escolher entre esses, pode desconectar, Gab. - Gui falou conclusivo e olhou para a expressão chateada do garoto ao seu lado na cabine. — Não me olhe assim! Se você quer saber, a União Europeia tem razão em limitar a atuação dos assistentes pessoais, às vezes eles mais atrapalham do que ajudam!

— Eu não acho! Talvez para você que nasceu no mundo trouxa, mas eu preciso de alguém me informando os detalhes das coisas... E se eu escolher o aparelho errado? - Tony apontou para a tela, onde três aparelhos telefônicos modernos pairavam só esperando o clique que os tiraria do estoque da loja.

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— São todos iguais, mas isso... Isso aqui é ouro puro. - O garoto que hoje estava usando uma maquiagem que deixava seus olhos grandes e aquosos em um tom lilás lhe dirigiu um sorriso animado.

Estendeu as revistinhas em quadrinho plastificadas como se fossem as coisas mais preciosas do mundo, tirou a primeira da embalagem e colocou na frente de Tony, na mesa de apoio da cabine.

— É uma revistinha de ouro puro? - O sonserino perguntou cético e o brasileiro fez um biquinho ofendido.

— É um mangá! Tem diferença e você não devia ser tão desdenhoso com algo que vai te ajudar a conseguir seus objetivos! - Gui parecia uma mistura de bruxo com um pufoso lilás que deu certo, porque quanto mais irritado ficava, mais fofo ele era. Tony sorriu para isso.

— Duvido que uma manga me ajude nos meus objetivos! - Deu ênfase na palavra em português e Gui o encarou com impaciência. — Você viu o que eu fiz? Eu fiz um trocadilho, porque as duas palavras se parecem, só mudam a entonação, não é?

O paulista maneou a cabeça dando algum crédito, porque trocadilho era o segundo maior produto de exportação do Brasil e o fato de Tony Zabini já conseguir fazer um - mesmo que muito, muito bobo - era um sinal de que ele estava aprendendo a língua.

Foi tirando várias primeiras edições de suas preciosas coleções, arrumando na mesa da cabine. Tinham colocado como meta começar a falar só em português no mês seguinte, mas para isso precisava que Tony desenvolvesse algum vocabulário e que jeito melhor do que através da leitura?

Gui estava feliz com o rumo que as coisas estavam tomando agora, porque por um segundo o garoto brasileiro, estudante da Expertise de Artes, achou que não conseguiria cumprir com sua parte do plano de Clara de manter um olho no jogador de Quadribol britânico, principalmente depois que ele passou a ser dos FerrZ, mas surpreendentemente Tony continuou se encontrando com ele para aprender o idioma, o que demonstrava o quão legal ele era.

Gui sabia que era uma mensagem importante a que Tony Zabini estava passando para o restante da escola, porque o “garoto Cortez de saias” não era uma escolha tradicional de amigo, na verdade, no seu dia mais “normal”, ele ainda não ficava próximo de nada que pudesse ser remotamente chamado assim.

Gui gostava de maquiagens coloridas - havia desenvolvido sua própria e estava aperfeiçoando o método de preparo para colocar ela e a poção demaquilante correspondente no mercado – mas, principalmente, adorava tudo o que pudesse ser chamado de fofo e adorável e isso não era algo “comum”, “normal” ou até mesmo “aceitável” para um garoto.

Sua farda de Castelobruxo, por exemplo, tinha sido devidamente ajustada na aula de Vestes Criativas e se Tony usava todo dia a versão esportista sem manga da camiseta verde floresta do uniforme - com suas calças camufladas e braçadeira de identificação da Expertise Esporte - ele havia mantido as mangas ¾ com um leve bufido nos ombros com a ajuda de laços, uma estilização que lembrava as roupas de Sakura Card Captor.

Lembrava remotamente, infelizmente, porque mesmo colocando uma saia rodada embaixo da verde horrível do uniforme para torna-la mais interessante, ainda se parecia com um cosplay - ou cospobre— de Sakura perdido no meio do exército brasileiro.

Que tragédia.

Claro que havia feito uma petição para a desmilitarização do uniforme da escola, mas recebeu apenas uma advertência lhe lembrando que já haviam aberto concessões demais no seu caso e que precisavam da camuflagem nas aulas práticas, pois “nem tudo era sobre beleza e brilhinhos”.

Malditos professores cheios de argumentos furados e preconceitos velados!

— Eu poderia ficar aqui vendo a sua cara ficar vermelha debaixo de toda essa maquiagem sem motivo algum para tal, mas só tenho... 13 minutos antes da aula de Poções, então, qual é a lição relâmpago de hoje? Eu já gravei o Eu, tu, ele, nós, vós, eles. — Tony havia dado um peteleco no nariz de Gui irritantemente, porque ele estava fazendo aquela expressão indignada de quando era contrariado, tipo Cesc quando começava a pensar em suas muitas maluquices absurdas e sem sentido.

Gui afastou a mão do outro para longe, dramaticamente.

— Pois já cansei de passos de bebês, agora você vai aprender português na marra, garoto! - Apontou para a revista na frente de Tony com emoção. — Leia toda esse mangá e me faça um resumo da história até o fim de semana!

— Naru... Mas isso aqui é japonês! Não tem nada em brasileiro não? - Tony folheou o mangá oferecido, desgostoso, então Gui o arrancou de suas mãos com uma cara que era, bem, de um pufoso furioso agora.

— Isso aqui é um clássico! E está em português, o que você quer mais da vida? - Ele disse exasperado, abraçando a revista. Tony o olhou sem compaixão.

— Achei que quando você disse que iríamos usar a literatura como ferramenta, veríamos livros brasileiros...

Gui fez biquinho, olhou para sua preciosa edição de “Uzumaki Naruto” diretamente dos longínquos anos de 2007, então encarou novamente a cara deslavada daquele bruxo britânico ridículo que não sabia aproveitar a boa arte.

— Talvez eu tenha algo aqui... Enquanto isso, vá terminar a compra do seu celular, decida no uni, duni, tê, eu não ligo! - Disse magoado e Tony o encarou sem entender nada.

— Uni, don, o quê?

— Gab, ele vai querer o celular número dois, dados bancários da conta estudantil de Antony Drian Zabini, verifique o bracelete dele, por favor. - Gui falou tudo isso enquanto guardava a revista de volta a sua proteção e escolhia outra sem demora.

— Espera aí, eu não... Gab, espera! - A máquina estava escaneando seu bracelete para efetuar a compra, mas parou ao ouvir o tom de voz de Tony. — Eu não sei se é esse o aparelho que eu quero!

— Mas eles são todos muito parecidos! E esse aí tem críticas excelentes no Witchound, ele pega as rádios bruxas com criptografia de ponta, então você não corre o risco de ter aqueles incidentes internacionais que estavam acontecendo com os clientes da Motorola... - Gui sussurrou a última parte, porque o sistema da rádio oficial da escola, a CBV - Castelobruxo Viva - era todo wireless pela Motorola, patrocinadora de alguns colegas irritadinhos.

— Que incidentes? - Tony perguntou alarmado, mas Gui só fez o universal sinal de silêncio e apontou para as caixas de som prateadas com o M conhecido acima da porta.

— Olha, achei o que estava procurando! - O menino com duas chiquinhas loiras de ponta rosa entregou a Tony mais uma revista, ignorando a cara de estranhamento dele. — Turma da Mônica Jovem, ainda bem que peguei exemplares diversos, acho que estava prevendo que você partiria meu coração...

Tony pegou aquela outra revistinha, essa com personagens mais abrasileirados e coloridos e tentou ler o título da capa sozinho.

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Eles creiceiron? Creceraum? Quer dizer que cresceram, é isso? Ao menos tem a ver com o verbo crescer? - Perguntou confuso e Gui fez que sim com a cabeça, porque a pronúncia era horrível, mas o significado estava certinho.

— É isso mesmo, você acertou. O volume um tem esse título porque a turma tem uma revistinha clássica, com referências da nossa cultura, aventuras divertidas, mas todos são crianças... - Gui deu toquinhos de leve na capa do exemplar na mão de Tony. — Aqui eles cresceram, vê? São adolescentes agora.

— Ah, mas eu quero ver eles crianças... - Tony resmungou para si mesmo, então Gui tomou a revista com agressividade. — Eu quero começar pelo início!

— Pois peça a Gab então! Mas fique sabendo de uma coisa: eu quero um resumo de alguma história na minha mesa até o final de semana! - Se levantou bruscamente, fazendo sua saia armada balançar levemente para cima e para baixo. Tony controlou o riso. — Na minha mesa metafórica, digo.

O garoto saiu batendo os pés e com aquele uniforme adaptado não podia ser levado a sério, ele era muito adorável para ameaçar alguém ou fazer valer um ponto. Tony ignorou a ordem e o drama de Gui, virou para a tela onde Gab mostrava as últimas edições dos “gibis da Turma da Mônica”.

Eles pareciam muito mais acessíveis e fáceis de ler do que aqueles “mangás” bobos que sabia que Aidan curtia também, mas ao menos o lufa-lufa era metade japonês, já Gui... O batedor deixou o raciocínio de lado e sorriu animado com a revistinha que lembrava as de sua infância.

Ou as que leu no dirigível a caminho daqui se fosse ser honesto.

— Imprima essas dez últimas edições, Gab, coloque na conta estudantil de Antony Drian Zabini. - Dirigiu o braço até o local em que o scanner identificava e confirmava qualquer transação bancária, desde o bar de suquinhos até compras em sites da internet.

Todo mundo tinha uma conta a acionar com o objeto de sua Expertise - O de Artes era um broche, o de Esportes era uma braçadeira - seus pais podiam colocar sua mesada lá ou o seu patrocinador colocar seu salário e ninguém tinha que lidar com notas e moedas de todas as partes da América, nem tinha que enfrentar as famigeradas taxas de câmbio do bar de suquinhos...

Era muito mais fácil assim.

Gab efetuou as compras das revistas online e encaminhou para a impressão - Tony as receberia até o fim da tarde em seu quarto - mas depois a máquina voltou para a página onde os três celulares ainda pairavam com suas fichas descritivas ao lado.

— Irá compra o aparelho telefônico agora, Tony, ou devo cancelar a compra? - A vozinha quase infantil da Inteligência artificial perguntou bem-humorada, como sempre.

— Cancele a compra do celular e imprima a ficha técnica daquela impressora que você me mostrou... Depois feche a conta. - A máquina fez um bip, liberou um comprovante de final de sessão - que era usado mais para provar que você estava trabalhando ao invés de pregando peças em alguém, do que qualquer coisa - e projetou uma mão na tela acenando um adeus para Tony.

O garoto sorriu porque sabia que a máquina tinha percebido que já era quase hora da classe, deixou o laboratório de tecnologia trouxa, voltando para o ambiente ensolarado e arborizado do pátio de aulas de Castelobruxo, sem nada daquelas engenhocas trouxas de metal, frias e estéreis.

Gui já tinha falado sobre o lugar desde o primeiro dia juntos, mas só quando Gaia lhe explicou as vantagens de estudar as estatísticas de jogo antes da partida pelo computador trouxa, é que Tony havia ido até lá conferir o laboratório de informática.

Agora que estava com intimidade com a coisa toda, podia ligar para Cesc de uma das cabines de lá, mas qual seria o ponto? Ainda tinham as muito úteis penas de comunicação do Ocaso e logo mais o seu aparelhinho móvel chegaria e não é como se tivesse grandes coisas para falar sobre sua espionagem...

E para ser honesto, “pesadelou” com a profecia, então não tinha certeza se queria mesmo se envolver nisso, ninguém poderia culpa-lo por querer uma vida tranquila, não é? Se as coisas ficassem ruins para seus amigos, iria ajudar, mas o pessoal se saiu bem sem ele no lance do djinn e tudo mais...

É, ele fingiria que estava participando da confusão muito animado, mas iria focar na sua carreira. Sim, aquele era um bom plano!

Tony parou de pensar nas suas desculpas para não tentar descobrir como diabos se liga para Cesc via internet, porque havia chegado finalmente a seu destino. Hesitou na frente da classe de Poções do quinto ano, já de portas fechadas.

Respirou fundo antes de entrar, porque se a profecia era seu pesadelo em forma de futuro, aquele lugar era o seu pesadelo em forma de sala:

Para começar, os brasileiros não faziam duplas, alguns professores falaram em trabalho de equipe no futuro - Tony desconhecia o conceito de trabalho em grupo em sua forma mais cruel - mas na aula de agora era só ele e Merlin, se é que o velhinho barbudo não foi tirar férias no Rio de Janeiro...

Segundo motivo para isso ser um pesadelo: haviam aulas teóricas e aulas práticas, primeiro nas teóricas eles ouviam, debatiam, viam projeções com os ingredientes e no quinto ano os alunos ainda tinham que começar a se preocupar com um troço de pressão interna do caldeirão - que diabo é isso, minha Morgana? Não basta a pressão para não ser um fracasso na vida? - isso sem contar na temperatura e tempo já usuais, que aqui não vinham descritos nos livros, tinham que ser calculados de acordo com a quantidade de poção pedida pelo professor!

E isso porque era a matéria básica, imagine o que os caras da Expertise específica de Poções não deviam estar fazendo...

Havia comentado por alto em um dos treinos que era ruim em Poções, então Gaia Ramíres, sua mentora, recomendou que ele estudasse antecipadamente para as aulas e fosse ler os manuais na sessão da biblioteca da Espertise em Poções, porque a FerrZ cobrava que as notas de seus alunos estivessem todas no mínimo na média da escola.

Era como se tivesse realmente feito pacto com as trevas no fim das contas!

Por fim, para completar o cenário do pesadelo, Tony tinha quase certeza que não sabia o nome de todos os equipamentos e utensílios da matéria em inglês, que dirás em português e espanhol... Como ele seguiria as instruções em português e espanhol?

A professora começou a falar das preparações que iriam fazer, nessa aula prática seriam unguentos simples para aliviar alergias mágicas na pele, mas o problema é que os livros tinham os ingredientes sem as receitas, era tudo com proporção “se utilizar como gordura a lanolina sem água, deve se adicionar o princípio ativo com o dobro da quantidade da versão feita com a gordura hidratada por trituração”.

Tony estava tentando usar o feitiço tradutor de Gui para as palavras chaves que não entendia, mas a verdade é que não entenderia aquilo mesmo que estivesse em inglês! Fez uma careta e se debruçou sobre a sua mesa, tinha que ler o plano de aula de novo e de novo e de novo, até descobrir por onde começar.

— Ei, Zabini! Zabini! - Tony olhou para o lado para ver sua colega de turma em Hogwarts - da Grifinória, no caso, infelizmente - o chamando baixinho. — Não tem mistério, unguentos são umas das coisas mais fáceis de fazer em poções, a chance de dar errado é mínima!

— Cuida da sua vida, Torres, eu sei o que eu estou fazendo. - O sonserino virou meio de lado, para não ter que ficar vendo a cara de boa samaritana da garota na mesa vizinha.

Não estava tão desesperado ao ponto de pedir ajuda a uma grifinória, pelo amor de Salazar!

— Pssiiii, Zabini! - Ela continuou pentelhando e Tony até tentou ignora-la, mas a garota com uma grande marca de nascença na bochecha direita e olhões bonitos continuou fazendo aquele som de bola vazando irritante. — Pssssiiii, ei, psssiii!

— Que inferno, Torres, o que é agora? - Ele explodiu em voz baixa, porque não queria chamar a atenção da classe toda. A menina olhou ao redor também, para ver se a professora estava observando aquela conversinha paralela dos dois.

— Rose me disse para te ajudar, eu sou amiga de Rose, lembra? - Ela apontou para si mesma, ainda animada e Tony colocou os olhos em fendas, porque se lembrava de Sarah Longbotton, mas não da boba alegre da Torres como amiga da sua namorada. — Ela me pediu para te ajudar na aula de Poções.

— Em troca de quê? - Tony perguntou desconfiado e a menina bem-humorada que nem Gab, a Inteligência artificial, aproveitou que todos estavam caminhando pela sala para pegar seus ingredientes ou tirar dúvidas com a professora, para se aproximar da cadeira do sonserino.

— Em troca de um obrigado e um sorriso sincero, do que mais? Deixa eu ver seu livro... Ah não, lanolina não, isso é péssimo! Aqui, tenta fazer algo a base de rícino. - Romena devolveu o livro para Tony, apontando a informação na página. — Você vê, todo unguento começa com alguma gordura, nesse caso é um óleo vegetal, que por si só já tem algumas propriedades.

Levou dois segundos inteiros para o garoto se convencer de que precisava de ajuda e pegar o livro de volta. Ok, não era como se ele estivesse mesmo se rebaixando, não é? Rose havia enviado Romena Torres em seu socorro e seria no mínimo ingratidão recusar um presente da sua amada, não é?

É.

— “Óleo de rícino, bom para crescimento capilar”? - Tony perguntou em dúvida para a garota que arrumava os utensílios na mesa em uma ordem que devia ter alguma lógica em sua cabeça. — Está me sugerindo fazer um unguento para passar no cabelo? Tipo, quem faz isso?

— Pode ser apenas para os pelinhos no braço cresceram de volta, por exemplo! Mas de toda forma, você tem que adicionar algo mais consistente a ele como... Como cera de abelha, para dar mais corpo a pomada e então você escolhe um princípio ativo, agora que tem a base. - A menina apontou para o livro e Tony a olhou em dúvida. — Escolhe!

— Ok! Err... Arnica do mato! Pronto, satisfeita? - Tony falou exasperado, porque havia um motivo para Romena Torres não ter caído na Lufa-lufa com todo seu jeitinho doce: ela era uma general assustadora quando queria.

— Ah, arnica do mato é um ingrediente muito bacana, Zabini, boa escolha! - Ela falou feliz, ignorando completamente que ele havia escolhido o primeiro ingrediente em que pôs os olhos. — Não tem mistério agora, vai ser como um jogo: você vai olhar as observações da arnica, do rícino e da cera de abelha e vai tentar montar uma fórmula onde os três não se anulem ou causem uma reação ruim!

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— Como assim?

— Tá, por exemplo: sabemos que o rícino e a cera estão ok juntos, certo? Mas o extrato de arnica é a base de água e a gente sabe que água e óleo não se misturam, então o que a gente faz? - Ela questionou professoralmente e apontou para as observações do ingrediente ativo no final da página do livro. — Dá uma olhada tabela para ver um ingrediente que ajude.

Tony voltou para a primeira página do capítulo, onde as proporções básicas estavam. Tinha base, princípio ativo, aromatizantes, emulsi... Ele apontou surpreso, porque ele sabia a resposta!

— Preciso achar um emulsificante! Algo que ajude as duas coisas a ficarem juntas numa só! - O garoto falou surpreso e a menina sorriu animada para a resposta.

— Ou... - Ela fez um gesto para ele completar, mas Tony a olhou sem entender, porque, aquela não era a resposta certa? — Ou ao invés de pôr um ingrediente, você pode retirar algo da equação. Se não pode ser a gordura, que é a base dos unguentos, pode ser a...

— A água! Mas como é que a gente tira água do extrato de arnica? - Tony voltou algumas páginas, onde estava o ingrediente e suas especificações. — Qual é Torres, você está complicando minha vida!

— Muito pelo contrário, estou facilitando! Sabe o tamanho do quebra-cabeça que seria acrescentar um ingrediente novo? Aqui, veja, a arnica não perde as propriedades com o calor, o extrato dela é feito com o cozimento da erva, então tudo que você tem que fazer é concentrar mais o extrato! Como chamamos esse método?

— Não é concentrar? - Tony perguntou em dúvida e a menina fez um sinal com a mão, o sinal de para baixo. O batedor demorou alguns segundos para entender a mensagem, mas depois associou com o gesto do Quadribol. — Reduzir! Quando você coloca algo no fogo para tirar a água e deixar concentrado, você reduz! Nossa, de onde veio isso? Eu realmente lembrei?

— Tá vendo que não é tão difícil? Agora vai colocando tudo na ficha da preparação, faz a proporção de acordo com os ingredientes que você escolheu e... Mão na massa! - A grifinória se afastou de volta para sua mesa, sorrindo e Tony retribuiu o sorriso. — Vê? Quando eu digo que a Gastronomia é a Poções que deu certo, ninguém acredita.

A menina piscou e começou a trabalhar no seu próprio projeto. Tony se lembrou que ela e mais alguns alunos de Hogwarts tinham escolhido a Expertise de Gastronomia e haviam sido zoados por isso no dirigível, quer dizer, quem vai para Castelobruxo brincar de comidinha?

Bem, Romena Torres acabou de provar que não era tão boba quanto parecia, então brincar de comidinha não devia ser tão simples quanto soava.

***

Tony estava agora terminando sua série de braços na academia da Expertise de Esportes, um dos anexos feitos na estrutura de Castelobruxo recentemente. A sala contemplava vários tipos de equipamentos para diferentes esportes bruxos e híbridos dos dois mundos, porque todos os atletas deviam sair de sua formação na escola com um conhecimento básico desse universo.

O sonserino sabia que não teria a oportunidade de ver todas as matérias e nem sequer sairia com o título de Expert, embora a experiência no Brasil ficasse ótima no currículo, então por isso mesmo estava se esforçando nas matérias gerais, se divertindo nas optativas, mas se dedicando como nunca antes nas específicas.

Tony tinha duas matérias específicas para se preocupar no momento: Corpo técnico e suas competências e Fisiologia do exercício bruxo, a primeira tendo uma quantidade de estudos de caso altíssima para entender cada papel dentro de uma equipe técnica de um time e a segunda, muita pesquisa e trabalhos escritos sobre o funcionamento do organismo bruxo.

Mas o garoto não tinha muito do que reclamar, tinha tido a sorte de escolher disciplinas optativas que realmente seriam muito úteis no futuro: Mentalismo, da Expertise de Ilusionismo e Magia Viva, da Expertise de Obrumbação.

Obviamente seus colegas de escola o olharam feio quando escolheu uma optativa em uma Expertise que era o equivalente a Artes das Trevas - tinha sido o único que sequer tinha cogitado a ideia - mas ele tinha interesse e o quão perigoso poderia ser uma Magia Viva feita por um amador?

Havia conhecido o conceito ainda em Hogwarts, na aula de DCAT ministrada por Harry Potter, descobriu que os inferi faziam parte de uma categoria muito específica de Artes das Trevas que trabalhava para dar vida a objetos inanimados e, nesse caso específico, devolver um remendo de vida a seres já mortos.

Mesmo com a suspeita geral sobre a Expertise, nas aulas teóricas de Magia Viva Tony não se deparou com alunos paranoicos, de vestes negras, pele pálida e rosto escovado, a imagem geralmente associada àqueles que flertam com o lado sombrio da magia, muito pelo contrário, havia garotas bonitas e risonhas como Laura Morales ou o metido a herói Fábio Casagrande.

O sonserino estava lembrando da dica que Laura havia lhe dado na aula: “tente não ficar colocando seu julgamento na frente do conhecimento, senão você nunca vai conseguir uma nova perspectiva do acontecimento”, quando um dos exemplos mais claros de garotas bonitas nas Artes das Trevas se aproximou para revezar o aparelho com ele.

Em uma academia cheia de outros aparelhos vazios.

— E então, Zabini, feliz com sua estadia aqui? - Yolanda Calixto se sentou no equipamento ao lado do seu, com uma garrafinha de poção energética combinando com seu top de ginástica azul.

Para qualquer cara na escola, aquilo seria um sinal de muita honra e prestígio, porque simplesmente estava falando com a nova realeza de Castelobruxo, mas Tony conteve o sorriso em meio ao esforço de levantar a barra de pesos no ritmo pedido pelo seu personal.

Ter Yolanda Calixto interessada nele infelizmente fazia parte do seu plano suicida de três partes.

Tinha que admitir que havia demorado mais tempo do que ele imaginara para ela se aproximar, muito provavelmente porque, embora ele tivesse conseguido o contrato de patrocínio com a FerrZ, ele ainda andava muito com Gui e cumprimentava simpaticamente Alissa e Clara pelos corredores e a única companhia aceitável desse grupo era Sofia, e mesmo assim com restrições.

Mas Tony estava ciente dos riscos e estava ciente também que estava imprimindo seu próprio estilo no jogo dos tronos de Castelobruxo, demonstrando para quem quisesse ler nas entrelinhas que só faria o que fosse melhor para ele.

Uma jogada correta para o grupo de Clara, mas arriscada para o outro lado da moeda que não gostava nada, nada de ser confrontado.

Tony levantou do aparelho, higienizou com um aceno de varinha, esperou a garota morena - com um corpo de dar inveja em qualquer criatura respirante - ajustar o peso da barra e se deitar no lugar que ele ocupava, antes de finalmente responder à pergunta.

— Castelobruxo é uma escola tão boa quanto dizem, estou mais do que satisfeito. - Respondeu educado, sem dar mostras de interesse real.

Se manteve apenas como um cavalheiro auxiliando no exercício com uma mão para dar equilíbrio a barra de ferro, enquanto assistia a garota levantar os pesos, de um jeito que salientava a curva dos seios dentro do top.

Ela estava concentrada no exercício, mas nem por isso deixava de parecer sexy, ainda mais quando o olhava gemendo pelo esforço. Yolanda Calixto sabia muito bem a imagem que suscitava na mente dos caras: os cabelos em um tom castanho claro espalhados em ondas rebeldes ao redor do rosto, a posição deitada e as expressões e sons...

Quem diabos malhava de cabelo solto e batom vermelho?

A herdeira do trono de Iara terminou sua primeira série no aparelho com um sorriso deslumbrante, desocupando o espaço para o colega britânico usar. Tony sabia que, por não ter dito nada enquanto ela se exercitava, estava claro que a goles estava nas mãos dela.

Calixto provavelmente sabia disso desde que atravessou todo o ginásio apenas para revezar o aparelho com ele.

— Então você é um dos meus agora? - A chilena falou com um sorriso insinuante nos lábios carmins. Tony apenas levantou uma sobrancelha em questionamento, já que não iria gastar fôlego para responder a isso, tinha um exercício para terminar. — Me refiro ao patrocínio, já que minha família é acionista do Conglomerado FerrZ.

Yolanda não esperava respostas e muito menos estava disposta a ajudar o colega com o exercício, com braços como aqueles, obviamente Antony Zabini não precisava de ajuda alguma.

— Tio Alexey esteve furioso nos últimos meses com a contratação de tantos atletas malnascidos e rudes, mas você... - Ela deu um olhar comprido e malicioso por todo o corpo de Tony, que já concluía sua última série. — É todo um lorde.

— Imaginei que com ações de uma empresa voltada para esportes, a senhorita soubesse que bons atletas nascem em qualquer lugar. - Tony não conteve o tom irônico usado após beber alguns goles do tônico desenvolvido nos laboratórios FerrZ. — Nós jogadores gostamos da adrenalina do jogo, entretanto nem todos tiveram a chance de aprender a etiqueta bruxa como nós dois.

Yolanda sorriu para o tom, porque aparentemente o senhor Zabini - ou seria Lorde Zabini? - tinha mais coragem do que todos os seus colegas de classe juntos e olha que ela fazia a Expertise mais intimidadora de todas!

— Não me referia a origem e sim ao fato de que a maioria deles nem sequer conseguem ficar uma partida inteira sobre uma vassoura, estão sempre se chutando e mordendo, são uns selvagens. - Tony agora estava de pé, então a garota pelo menos duas cabeças mais baixa, se aproximou até estarem a menos de 10 centímetros de distância.

— Tem momentos na vida que pedem selvageria. - Tony disse com um tom neutro, nenhuma força no mundo poderia dizer que ele estava flertando com a sextanista chilena.

Yolanda o olhou como um igual, mesmo tendo uma desvantagem na estatura, mas isso, na verdade, lhe dava um ar de petulância e perigo muito atraentes. A garota sorriu, ficou na ponta dos pés e segurou Tony pelos ombros, como se fosse lhe segredar algo no ouvido.

— Esteja no cais daqui há cinco luas, às 19 horas, para uma reunião informal. - A garota se afastou lentamente e encarou Tony com aqueles olhos âmbar realmente impressionantes. — Mas, por favor, senhor Zabini... Deixe a selvageria no dormitório.

Yolanda se afastou com um sorriso malicioso nos lábios cheios e Tony sorriu assim que a viu cruzando pela porta. Ah, agora sim tinha avanços para contar em seu relatório de espião!