No outro dia, fui o primeiro a acordar. Passei as mãos pelo rosto, confuso. Eu não tinha dormido muito bem, e havia feito um trato comigo mesmo: se de manhã eu mudasse de ideia, me sentisse diferente, tomasse uma outra decisão a respeito do que sentia por André, então não iria contar nada para ele.

Porém, algo no meu peito crescia. Uma vontade de falar tudo o que estava preso na minha garganta. E sabia que isso passaria quando dissesse tudo que tinha para dizer. Precisava ser corajoso ao menos uma vez nessa vida. Senti que era o dia, o momento certo, um momento que eu não poderia desperdiçar.

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Quando Maria acordou, ela me perguntou se eu estava bem após a conversa que havíamos tido.

— Estarei melhor depois que contar — respondi, determinado.

*

André, eu gosto de você.

André, eu quero te beijar.

André, eu sou gay.

Caramba. Eu não sabia por onde começar. Havia tantos caminhos que poderiam ser tomados, mas eu duvidava se algum deles era bom.

Maria disse que precisava correr, já que seu ônibus passava em menos de quinze minutos. Ela havia dormido com a própria roupa com que viera; não quisera aceitar o pijama velho da minha mãe que ofereci. Mas ela aceitou o modesto café que meu pai preparou: pão com manteiga e café com leite.

— Obrigado — disse ela enquanto comia.

André também estava junto à nós, sentado ao lado de Maria. Ele não parecia muito contente. De vez em quando, ele lançava pequenos olhares a Maria — os quais ela aparentemente não reparava.

Quando ela foi embora, deu um abraço em cada um de nós. Antes, porém, ela me lançou um olhar interpretativo; um olhar que dizia para eu seguir em frente.

— Tchau, gente — falou, no portão de casa. — Até mais.

Assim que ela se foi, virei-me para André. Era o começo.

Eu sentia.

— Queria ir no parque hoje — sugeri.

Ele franziu o cenho.

— Hoje?

— É.

— Mas nós sempre vamos aos domingos.

Suspirei.

— Hoje é um dia especial.

*

No ônibus, minha barriga se revirava. Eu podia estar determinado a contar a verdade, mas meu corpo não. Estava suando pencas, e André percebeu.

— Caramba cara, você tá bem?

— Tá muito quente — falei, e não era mentira, pois o calor do verão piorava tudo.

A hora estava chegando, a hora tão esperada.

Quando chegamos no nosso ponto e descemos do ônibus, meu coração parecia gritar. Era isso que eu tinha que fazer. E eu escolhera o parque da cidade, o nosso lugar, para que tudo acontecesse da forma perfeita.

Era como se uma orquestra tocasse em monha mente, uma sinfonia grandiosa de uma epopeia. Como se o clímax da minha vida estivesse chegando, como se tudo levasse aos momentos que se seguiriam. Era tão estranho, mas era o certo a se fazer. Eu estava dando um tiro no escuro, e quem ele iria acertar, bem, isso eu teria que descobrir.

Como eu não tinha enxergado tudo isso antes?

*

Sentamos na grama, perto de uma árvore. A mão direita dele ficou bem ao lado da minha mão esquerda. Observamos a água calma do lago fluir, e por um bom tempo ficamos em silêncio. Levantei o olhar para o céu azul logo acima de nós, perguntando-me se depois que eu me declarasse para André ele continuaria tão azul assim.

A nossa amizade era como uma estrada que levava a um penhasco. Eu havia chegado ao fim, e estava pendurado na borda.

André podia ser a pessoa que me salvaria.

André podia ser a pessoa que me empurraria.

*

— Por que você está tão quieto, Gabs? — quis saber André.

Encarei-o. Seus olhos eram curiosos, sua expressão era calma.

Lembrei-me de Maria. Você nunca saberá o que ele sente realmente se não disser a verdade.

— Eu gosto de alguém. — Por fim, falei. Meu coração batia freneticamente.

Ele franziu o cenho, confuso com a nova informação.

— Sério?

— Sim.

— De quem?

Suspirei. Senti o ar em meus pulmões. Olhei para André, talvez pela última vez. Para o André amigo. As lágrimas estavam vindo.

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Quando a minha mão sentiu o impulso de tocar na dele, não reprimi.

— De você, André.

E segurei-a em meus dedos. De início, não houve reação alguma. Ele não se desvencilhou do meu toque, não se moveu. Apenas olhou no fundo dos meus olhos. E eu olhei nos dele.

Não me empurre, André. Não me empurre do penhasco. Por favor.

Foi como se ele estivesse em transe.

— De... desculpa, eu não entendi.

Suspirei. As palavras pareciam pesar uma tonelada quando saiam da minha boca, e era difícil dizê-las.

— Eu gosto de você.

Ele piscou várias vezes, olhando para o lado. Só então baixou o olhar e viu a minha mão em cima da dele.

— Eu... eu não... sei o que dizer — disse ele, parecendo ter levado um soco. — Eu... eu...

— Desde que eu te conheci — comecei, sentindo um forte impulso, e as palavras vieram rápidas, como se eu já tivesse pensado naquilo por um bom tempo. As lágrimas escorriam por minhas bochechas e caíam na grama logo abaixo. — Eu senti algo por você. E isso foi crescendo com o tempo. É algo forte, algo muito além de uma amizade. André, eu estou... eu acho que estou apaixonado por você. Quero ficar com você o tempo todo.

André continuou me olhando.

— Diga alguma coisa. Qualquer coisa. Por favor.

Ele engoliu em seco.

Eu estava me apoiando com apenas uma mão no penhasco. André estava de pé, na borda, me observando. Meus dedos se soltavam, um por um.

André, me ajuda. Segura a minha mão.

André soltou minha mão e me olhou com seriedade e confusão. Seus olhos eram graves e tristes.

— Gabriel — começou, e um tom cortante impregnava sua voz, um tom tão triste que eu jamais vira. — Você é meu amigo...

Encarei a grama.

— E é isso — concluiu ele.

Meneei a cabeça. Fechei os olhos.

E me levantei.

Eu estava indo.

Virei-me de costas.

Estava indo embora.

— Gabriel — começou ele. — Não vai. Não faz isso comigo, cara...

Eu estava caindo do penhasco.