Ainda Vou Domar Esse Animal

Dom Pedro (Bônus 12)


Eu sei que o Ricardo com o cabelo um pouco grande pode se tornar até charmoso, mas não quando o cabelo dele está quase chegando à mesma altura que o meu. Mesmo quando ele ainda era o Animal, ele nunca deixou o cabelo crescer assim. O máximo que ele deixava era até a altura dos ombros, mas agora já está quase no meio das costas. Será que ele está em uma crise de meia idade e querendo imitar aqueles roqueiros? Eu preciso conversar com ele e, por sorte, ele está desenhando e escrevendo mais histórias no caderninho do Marciano e da Mimosa. As crianças estão na escola e o Moacir, a Mariana, o João e a astronauta estão para a rua. Momento perfeito para encurralar um animal.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

—Ainda desenhando, amor? –Perguntei, com a voz mansa. É preciso amansar a fera antes de dar a tacada final.

—Estou, Coelhinha. Estou vendo se termino esse capítulo do casamento da Carla com o Marciano. Semana passado eu fiz o da Mimosa com o café. Os próximos terão que ser os filhos deles.

—Interessante. –Falei, me sentando no braço da poltrona e acariciando os terríveis cabelos longos dele, que estão até um pouco embolados com nós.

—Você vai me dizer logo o que está te incomodando? –Ele perguntou, com uma certa alegria na voz.

—Eu sou assim tão transparente? –Perguntei. Aparentemente, minha técnica falhou.

—Nem um pouco, querida, mas eu já te conheço melhor que a mim mesmo e sei que você, quando vem assim com esse jeito manso, está incomodada com algo ou querendo algo. Qual dos dois é?

—Quando você vai cortar essa juba, Ricardo? Olha o comprimento desse cabelo! –Falei, puxando um pouco suas madeixas prateadas.

—É isso? O meu cabelo que está te incomodando?

—Claro que está! Você está voltando a se descuidar de novo, como fazia antes de nos casarmos. Até a barba você tem deixado de fazer.

Ele me puxou para o seu colo e enterrou o rosto em meus cabelos, rindo. Eu não sabia se ria junto ou batia nele. Eu estou falando sério, cacete!

—Ricardo, isso é sério.

—Eu sei, me desculpa, eu só nunca achei que o meu cabelo te incomodaria assim.

—Ele não incomoda. Até a altura dos ombros não, mas mais que isso parece que eu estou beijando uma mulher e transando com uma. Eu não tenho nada contra as lésbicas ou os gays, até tenho colegas bi, mas eu sempre gostei de homens e nunca tive curiosidades de jogar no outro time, obrigada.

Ele me puxou mais apertado contra si e começou a realmente gargalhar. Pensando no meu discurso, acho que posso ter exagerado um pouco. O Ricardo está longe de ser considerado um homem afeminado.

—Eu prometo para você que passo até a máquina zero, se você quiser, mas aguente dormir com uma mulher por mais uma semana.

—O que você está aprontando?

—A festa de aniversário da Alien é daqui a uma semana. Você nem desconfia?

***

Eu não esperava que o idiota do meu marido estivesse deixando o cabelo crescer para fazer uma trança e se fantasiar de pirata. Não, o pior não foi isso, foi que ele pegou uma velha prótese quebrada e adaptou um pedaço de pau para criar uma perna de pirata. Juro que ele está gostando disso mais que as crianças. Realmente eu achei que pudesse ser uma boa ideia a festa de oito anos da Bianca ser uma coisa temática com fantasias e tudo, mas, vendo as fantasias que a minha família arrumou, eu sinto vontade de cavar um buraco e enfiar a cabeça dentro. O meu irmão e minha cunhada vieram de gênio da lâmpada e odalisca, com suas versões mirins com o Fabinho e a Camila; a Mariana e o João estão de vaqueiro e vaqueira, mas eu fiz questão de arrumar uma fantasia de astronauta para a pequena Alice. Ela não larga do Zé e isso me lembra um astronauta correndo atrás de um Marciano, até mesmo a primeira palavra dela foi Zé; meus dois amores estão, como se esperado, com duas fantasias de extraterrestres coloridos. A Alien se vestiu de um cor de rosa e o Zé com um azul. A costureira, quando eu encomendei as fantasias, não acreditou que fosse realmente sério. Foi preciso uma conversa persuasiva e uma grana a mais para ela aceitar o trabalho, mas valeu a pena; O Moacir está de um Conde Drácula, um Conde meio careca e barrigudo, mas um Conde; eu escolhi uma da Sininho para mim, com o vestido um pouco mais longo que a da personagem e menos sensual, eu também não quero minha bunda aparecendo; o Pedro, o único amigo da escola que a Alien quis chamar, veio vestido de príncipe. A Alien, assim que o viu com a roupinha vermelha e a calça preta, o chamou de Dom Pedro. O Ricardo quase enfartou, coitado; A minha mãe arrumou um vestido preto com bolinhas brancas e está como aquelas dançarinas dos anos 60; mas o prêmio de pior fantasia, de longe, vai par ao meu pai. Ele, sem noção, arrumou um terno azul bebê e uma peruca, que mais parece um rato morto e afogado, e se fantasiou de quê? Isso mesmo, de Roberto Carlos. O original já não é muito bom, mas a cópia que o meu pai fez parece que foi atropelado por um caminhão que voltou de ré e passou por cima de novo. Para piorar, ele ainda trouxe alguns discos dele e colocou tocando. Acho que só aquela música “quero que vá tudo pro inferno”, já tocou umas 5 ou 6 vezes. Ninguém merece!

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

—E então minha Coelhinha, o que tanto faz aí? –O Ricardo perguntou, me abraçando por trás e passando os braços em minha cintura.

—Hoje é fada.

—O que está fazendo, fada? –Brincou.

—Observando as fantasias. Meu pai ganhou de você.

—A minha é a mais bem feita de todas. Admita.

—Claro, você foi o único que ficou meses sem cortar o cabelo só para fazer uma trança e o único que pode usar uma perna de pau de verdade.

—Vantagens de ser perneta. –Falou, rindo.

Ele me puxou mais para si e apoiou o queixo no meu ombro. Ele estava calmo e até cantarolava baixinho, mas, de repente, ele ficou rígido e começou com a respiração pesada. Eu até achei que ele estava tendo um treco, mas me acalmei ao ver o Pedro e a Alien dançando, tá, tentando dançar uma valsa ou uma espécie de valsa.

—Sofia...

—Eu sei e eu já vi. Deixe eles. Eles estão se divertindo.

—Ela tem apenas 8 anos! Ela ainda não está em idade de dançar. A primeira dança dela deveria ser comigo, quando ela tivesse 15 anos e em um vestido de princesa, não com esse projeto fajuto de príncipe. –Falou, carrancudo.

—Não seja ciumento. Eles fazem um bonito par. –Me arrependi no momento que as palavras saíram. Ele apertou mais meu estômago e tenho quase certeza que escutei um ranger de dentes.

—Ela ainda é muito nova para formar um par.

—Eu sei, foi somente força de expressão.

—Olha isso, Sofia! –Ele gritou no meu ouvido quando viu o Pedro levantar a Alien e a girar. O garoto é bom, deveria fazer dança de salão. Teria um grande futuro.

—Pena eu não estar com a câmera para filmar.

A resposta que eu recebi foi, literalmente, um rosnado indecifrável. Ele iria me largar para acabar com a festa das crianças, mas segurei os braços dele e o mantive agarrado a mim. Ele rosnou mais uma vez, mas entendeu o recado.

A dança terminou, mas os dois pequenos pombinhos não se desgrudavam. O Pedro é um cavalheiro nato. Ele tirou a flor que estava enfeitando o bolso dele e entregou para a Alien. O Ricardo, mais uma vez, me apertou as costelas e soltou um rosnado. Eu tive que morder a língua para não rir.

—Ele acabou de dar uma maldita flor para a minha filha. Mas que porra de garoto é esse? Crianças são egoístas e não dividem nada. –Ele falou, entre os dentes.

—O Pedro, aparentemente, é diferente. Ele é um cavalheiro.

—Ele não tem idade para ser um cavalheiro e muito menos um cavalheiro com a minha filha. Só quem pode ser cavalheiro com ela sou eu. –Reclamou, cheio de ciúmes.

—Ricardo, querido, amor da minha vida, a Bianca está crescendo e, daqui a pouco, ela vai arranjar namorado e eu acho bom que comecemos a nos acostumarmos com a ideia disso.

—Ela não vai namorar antes dos 25. –Falou, muito seguro de si.

Eu, olhando para a Alien que estava, atualmente com um sorriso envergonhado e olhando para a flor antes de beijar, rapidamente, o rosto do Pedro, duvidei disso. Dessa vez eu não consegui e nem tentei segurar a fera. O Animal andou mais rápido que humanamente possível para alguém usando uma perna de pau e pegou a filha no colo. O Pedro, garoto inteligente, vendo a aproximação do provável futuro sogro, correu de lá para brincar com o Zé. Eu fui até onde o pai ciumento estava.

—Olha a flor que o Pedro me deu, mãe! Será que podemos colocar dentro de um livro? Vi em um filme que isso não deixa ela morrer. –A pequena falou, animado. O Ricardo apenas bufou.

—Deixa que eu coloco para você, meu amor. –Falei, pegando rapidamente a flor dela antes que a pobre plantinha tivesse um sumiço inesperado. Eu teria que pensar bem em qual livro a colocaria. Do jeito que o Ricardo é, tá riscado ele revirar a biblioteca só para achar a flor odiada e queimar ela.

Eu deixei pai e filha sozinhos e fui para dentro. Ele, mesmo não sendo o primeiro, fez questão de ser o segundo a ter a dança com a Alien. Se ela não reclamar, é bem provável dele ficar a noite inteira grudado nela só para não dar espaço para o príncipe Dom Pedro. Ainda morro de rir com esses ciúmes dele.

Fim.