A Última Chance

Sinceridade


Caspian X

Fui consumido por uma enxurrada de atividades ao longo da tarde que sequer tive tempo de ponderar calmamente sobre tudo o que estava acontecendo. Imagens entrecortadas surgiam em minha mente ao longo do dia, tirando minha concentração em diversos momentos, a maioria delas relacionada à chegada dos Pevensie.

Não era surpresa que eu estava imensamente feliz por tê-los de volta. Eles eram praticamente uma família para mim, foram aqueles que me apoiaram para enfrentar os maiores desafios da minha vida. E, aparentemente, estava chegando mais um.

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A profecia era enfática. Uma maldição fora jogada em Nárnia e a terra sofreria as consequências desse mal até resolvermos o mistério que envolvia aquelas rimas e combatêssemos o autor daquele feitiço.

Em meio a todo aquele caos, o destino me colocou diante de outra contradição: dias antes da festa de noivado com Liliandil – a pessoa que julguei ser a pessoa mais adequada para ocupar o lugar de rainha ao meu lado –, nada menos que Susana retorna e, junto a ela, toda a torrente de sentimentos que estavam adormecidos. Que eu pensava ter superado.

Não que fosse culpa dela, é claro. Não era que eu estivesse lamentando. Eu gostei de revê-la. Nossa, eu adorei revê-la. Meu coração bateu acelerado desde o momento em que a vi entrando pelos portões do castelo no lombo de Wildren. A questão agora é que... eu não sabia o que fazer.

— Lorde Bern já o aguarda, majestade – Anunciou a centauro que auxiliava um mordomo telmarino a arrumar a mesa de chá. Os dois já deixavam o recinto quando entrei, vendo Lorde Bern sentado à mesa. Ele se levantou com dificuldade devido à idade.

— É uma honra estar diante de sua presença, milorde – Disse com a mesma alegria de sempre, fazendo uma reverência contida – Está cada dia mais parecido com vosso pai.

— É uma honra para mim que ache isso – Sorri. – Vamos nos acomodar. Lady Liliandil logo estará conosco.

— E como vão os preparativos para o casamento? – A pergunta foi um soco no estômago, como era de se esperar.

— Estão caminhando – Foi o que consegui dizer. – O baile de noivado vai acontecer em alguns dias... e infelizmente temos previsões de tempos difíceis em Nárnia, então... o casamento vai ter que esperar um pouco.

— Compreendo – Concluiu, até que seu olhar foi além de mim e ele sorriu – Milady!

Virei o rosto para ver Liliandil se aproximar, gentil e delicada como sempre.

O momento com Lorde Bern fora agradável e proveitoso, porém rápido. Ele me passou todas as informações importantes sobre seu governo das Ilhas Solitárias, comentando sobre as tentativas de invasão de um grupo de piratas, cuja nacionalidade era desconhecida. Fora isso, o comércio marítimo estava de vento em popa, graças a Aslam.

— Caspian – Chamou-me Liliandil. Eu continuava distraído, sequer prestava atenção no que ela falara – Está tudo bem?

Pisquei um par de vezes. Não precisava mentir para ela, não devia fazê-lo. Mas também não queria compartilhar com minha noiva as frustrações de estar balançado com a chegada de outra mulher.

— Vou ficar – Assegurei – Apenas... dê-me um tempo – Desviei o olhar dela – Vou resolver isso.

Pedro Pevensie

— Então é isso? – Edmundo indagou quando o mago Coriakin recitou a poesia.

Estávamos reunidos numa antessala que precedia a sala de jantar. Caspian pediu que Liliandil mandasse preparar uma refeição especial de recepção para nós. Pelo visto, ela o ajudava a administrar o castelo.

Conosco, estavam todos os nossos amigos Glenstorm e a esposa Windren – que teriam minha eterna gratidão por terem trazido Edmundo e Susana a tempo –, Trumpkin, Texugo, doutor Cornelius e o mago Coriakin, fora obviamente Liliandil.

— É, essa foi a mensagem deixada no livro de feitiços – Coriakin afirmou – Não consegui reunir mais informações sobre ela.

— Se me permite – Cornelius pediu a palavra – Tenho em minha biblioteca pessoal um grande acervo de documentos e livros narnianos, verdadeiras relíquias, informações que reuni durante toda a vida. Pode ser que haja algum conhecimento remoto que possa auxiliar.

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— Vou querer examiná-la com o senhor – Disse o mago.

— Sua biblioteca é enorme, não encontrou nada nela? – Lúcia perguntou de cenho franzido.

— Receio que minha coleção se concentre em livros de magia e poucos volumes de conhecimentos gerais do mundo. Creio que se quisermos ter acesso a informações de Nárnia em si, acharemos apenas no próprio continente – Coriakin era um mago sábio e diria até poderoso, ele teria encontrado algo em questão de segundos com sua magia se este estivesse em sua biblioteca.

— E sobre essa serpente? – Susana levantou outra questão – Acham que é algum monstro? Ou uma feiticeira?

— Não quero ter que enfrentar uma serpente gigante outra vez – Edmundo resmungou no ato.

Caspian sorriu.

— Não sei se a magia profunda se daria ao trabalho de enviar uma profecia apenas por um monstro – Observou ele.

— A última vez que houve uma profecia – Falei pela primeira vez – Foi quando a Feiticeira Branca dominou Nárnia. Será que é a ela que a profecia se refere como aflição a ser ressuscitada?

— Não duvido – O Texugo falou – Não depois do que Nikabrik quase conseguiu fazer.

— Se for, temos que descobrir logo quem é essa víbora e o que ela planeja – Lúcia disse determinada – Temos que desvendar essa profecia logo. Nárnia esperou 100 anos para que viéssemos e os narnianos tiveram tempo de saber sobre o que a profecia se tratava. Se já estamos aqui, é porque o perigo está perto demais.

Uma criada abriu as portas do salão de jantar.

— O jantar está servido – Ela anunciou simpaticamente com uma reverência.

Caminhamos devagar rumo ao salão, que era bem iluminado. As paredes eram pintadas com um tom de creme, com uma faixa horizontal de azulejos num tom um pouco mais escuro decorado em dourado. Os lustres eram banhados a ouro também e tudo ali combinava.

— Você está bem? – Perguntei a Susana discretamente, alcançando-a na caminhada. Ela sabia a que eu me referia.

— Se não estou, vou ficar – Ela disse suavemente, sem qualquer indício que queria evitar as perguntas.

— Se essa... situação estiver incomodando você, eu posso...

— Não precisa se preocupar com isso – Ela me interrompeu, os olhos azuis claros demonstrando a seriedade. Susana realmente não queria que eu fizesse algo.

O jantar estava incrivelmente apetitoso. Caspian fez questão de se desculpar por não oferecer um banquete farto, mas não queria arriscar esbanjar sem saber se o reino conseguiria suportar a fase de seca pela qual estavam passando. Se fosse qualquer outro anfitrião, não teria dito nada, mas ele sabia que estava entre amigos e nenhum de nós pensou que a refeição estivesse abaixo do padrão.

Eu passei boa parte da ceia conversando com Glenstorm – que sempre fora um servo fiel e ótimo conselheiro –, mas não sem observar todos à mesa.

Lúcia estava bastante contente conversando com Trumpkin. Ele fazia o tipo emburrado a maior parte do tempo, mas soltava um sorriso ou outro apenas quando Lúcia estava por perto, mesmo ela não sendo mais a criança que ele conheceu – eu estava me obrigando a aceitar isso. O sorriso dela era sincero. Ela estava realmente em casa.

Edmundo conversava com Caspian, Liliandil e Susana. Eles interagiam estranhamente bem, principalmente no que dizia respeito ao triângulo amoroso que se formava bem ali. Esperava que Caspian conversasse com Susana o mais rápido possível. Eu não ficaria assistindo Susana sofrer calada por muito tempo sem fazer nada.

Horas mais tarde...

Caspian X

Se os dias em Nárnia estavam quentes, escaldantes, quando o sol se punha parecia que todo aquele calor ficara em um passado longínquo. O frio invernal da noite me fazia acreditar que meu reino em breve se tornaria um deserto, afinal calor de matar nas manhãs e frio congelante à noite remetia a apenas um lugar.

O sono ia embora com frequência, não importasse o quanto eu estava cansado. Já havia ficado noites sem dormir antes, os problemas sempre apareciam, mas não daquele jeito. Dias seguidos, quase mais de uma semana.

Suspirei. Era a primeira vez em que eu lidava com algo assim. Graças à Aslam o povo narniano não costumava comer nem beber além da conta, não é da natureza dos animais e dos nativos guardar riquezas e oferecer glutonarias. É um costume infeliz dos humanos. Os telmarinos, felizmente, estavam aprendendo a economizar também.

A questão é que Nárnia sempre fora uma terra fértil e próspera. Nunca faltou água, nunca houve indício de seca ou pobreza no solo.

Não havia motivo para duvidar da profecia. Uma maldição havia sido jogada sobre Nárnia e enquanto não soubéssemos exatamente como quebrá-la, as coisas tenderiam a piorar.

Abri a porta do quarto quando esse parecia sufocante demais.

— Não consegue dormir de novo, majestade? – Garvis, o chefe da guarda, fazia a minha segurança noturna de vez em quando. Não sabia por que, mas ele também tinha problemas de insônia e dava folga ao guarda de plantão quando queria trabalhar.

Sorri sem olhá-lo.

— Sabe quando... a cama parece macia demais para as marteladas que os problemas te dão na cabeça?

— Não perca a fé, meu senhor – Aconselhou – Tudo vai se resolver.

Era incomum um telmarino falar daquela forma. Os humanos de Nárnia eram criados para acreditar nos próprios punhos, na própria capacidade. Nada era conquistado sem luta, nada era recebido de graça. Eles passaram a respeitar a figura de Aslam, mas... não arriscaria dizer que tinham fé nele.

Eu iria comentar algo, mas ouvi um grito no lado direito do corredor. Os guardas da porta da qual o som veio se agitaram e eu caminhei até lá, com Garvis ao meu encalço, a espada já desembainhada.

— Eu estou bem! – Susana tinha as mãos erguidas quando os guardas abriram a porta. – Foi... – E então ela me viu – Não foi... nada. Está tudo bem.

Comprimi os lábios. Era a hora. Precisávamos conversar.

— Está tudo bem, rapazes – Essa foi a deixa para que recolhessem as espadas e se afastassem. Olhei para Susana, que baixou as mãos, encarando-me séria, porém não com raiva ou coisa assim – Você vai voltar a dormir?

— Acho que não – Ela franziu o cenho com a pergunta.

— Quer conversar? – Meu coração acelerou ao esperar sua resposta. Eu estava devendo um momento com Susana à minha alma havia cinco anos. O que eu sentia por ela ficou adormecido e eu realmente pensara que a tinha esquecido quando Liliandil surgiu em minha vida. Mas só o fato de ficar nervoso com a possibilidade de um “não” dela era prova suficiente de que eu estava errado.

— Não sei se é uma boa ideia – Decretou por fim, cruzando as mãos na frente do corpo. Os olhos azuis me olhavam e se desviavam de mim repetidas vezes, como se ela não estivesse certa da resposta. Era a minha hora de insistir, sutilmente.

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— Da última vez que me evitou – Sorri de lado, maroto – Soldados telmarinos quase mataram você.

Ela prendeu os lábios aos dentes para evitar o riso a todo custo. Eu tinha vencido, estava certo disso.

— Não o fizeram, graças a você – Admitiu, ainda segurando o sorriso. – Mas ainda assim...

— Ainda bem que eu não obedeci à sua... intransigência – Evitei falar a palavra teimosia, enraizada na família Pevensie de um jeito até engraçado, tudo com um bom motivo apesar de tudo.

— Está bem, majestade— Susana ergueu as sobrancelhas e enfatizou as palavras – Quer dar um passeio ao relento da madrugada?

— Não seria nada mal.

Parecia loucura, eu não estava acreditando no que estava vivendo. Ela estava bem ali, prestes a conversar comigo sem interrupções, ou sem hora marcada para aquilo acabar.

Cheguei a pensar em Liliandil por um instante. Pela primeira vez, meu compromisso com ela me pareceu... uma prisão, um obstáculo. Eu nunca havia visto dessa forma, mas foi o que senti ao ver Susana sair do quarto após ter buscado um robe grosso cor de lavanda para se agasalhar.

Dispensei Garvis com um olhar. Ele costumava ser discreto e eu esperava que continuasse assim, tanto quanto esperava que os poucos guardas do corredor também o fossem.

— E então? Sobre o que quer conversar? – Susana colocou as mãos nos bolsos do robe, protegendo-as contra o frio. Passamos a caminhar pelo corredor.

Dei-me conta de que não sabia como começar. Dei de ombros quando a primeira coisa veio à cabeça.

— Percebi que não me contou o que houve exatamente quando chegaram – É, não foi o melhor jeito de começar o diálogo.

— É sério que me chamou para conversar sobre uma cobra? – Ela sorriu indignada, da forma que costumava fazer. Senti falta daquele sorriso iluminando os olhos.

— Você tem uma ideia melhor?

— Hum... – Parou de me olhar para pensar e tomei um susto quando conseguiu algo – Ah, claro! Você não imagina quem encontramos em Londres!

Franzi o cenho.

— Fora Eustáquio, não imagino quem do seu mundo eu possa conhecer – Confessei, esperando que contasse.

— Sua tia! – Parei de andar assim que falou. Meus lábios entreabriram – E o general Glozelle também! – Ela se aproximou de mim, ainda parado.

— E como eles estão? – Perguntei curioso – Não pensei que Aslam os colocaria tão perto de vocês.

— Eu também não, foi pura coincidência – Explicou – Fui comprar um par de sapatos para Lúcia e encontrei Prunaprismia lá. Ela me parece bem, até feliz. Mencionou que o filho cresce saudável e acho que ela reconhece que Aslam fez o que prometeu.

— E Glozelle? – Era estranho pensar no general de Miraz. Ele sempre fez o que meu tio ordenou, inclusive tentar me assassinar enquanto dormia. Apesar disso, quando teve oportunidade de me matar na batalha do Monte, simplesmente não o fez.

Voltamos a caminhar lado a lado e logo viramos à esquerda.

— Aparentemente trabalha na sapataria, assim como sua tia. Ficou na defensiva assim que viu Edmundo e eu, acho que pensavam que fomos espioná-los – Sorri com o absurdo. Aslam jamais mandaria alguém fazer isso – Mas foram amáveis. Perguntaram de você, inclusive.

— Verdade? – Isso realmente me surpreendeu. Sei que eles tinham todos os motivos para me odiar, afinal fui o responsável por mudar suas vidas completamente. Talvez a ambição de Miraz tenha sido o gatilho, mas... estava conformado com a possibilidade de me culparem.

— Sim e estão felizes por você estar se saindo bem – Ela contou, parecendo satisfeita em contar.

Fiz silêncio por alguns momentos.

— Obrigado por me dizer isso – Agradeci de coração. Boas notícias estavam se tornando raras àquela altura – Fico feliz que, apesar de tudo o que tiveram que passar, estejam vivendo bem.

Susana inclinou a cabeça.

— Sabe que o que aconteceu não foi culpa sua, não é? – Realista como sempre, abrindo os olhos de todos com as frases cruas e objetivas.

— Sei, eu sei – Assenti – Mas é... difícil não se sentir responsável. Não poder fazer algo, evitar o sofrimento...

Ela sorriu outra vez.

— Já lhe disseram que você nasceu para isso? – Eu entendi o que quis dizer. Aslam disse que, justamente pelo fato de eu achar que eu não estava pronto, eu estava. E aos poucos, mesmo duvidando da minha capacidade diversas vezes, ele provava que estava certo.

Susana recebeu meu sorriso como um “eu sei”, ou um “obrigado” e continuamos a caminhar em silêncio. Viramos outro corredor, dessa vez à direita.

Observei a rainha gentil fitar os pés enquanto andava. Chegou um momento em que passou a andar ainda mais devagar, como se estivesse parando. Eu a acompanhei e virei-me para ela quando finalmente parou.

Aguardei. Pacientemente. Senti meu coração voltar a acelerar ao esperar que ela tomasse coragem para falar.

— Eu senti sua falta – Susana encarou meus olhos ao pronunciar as palavras. A sensação foi de meu coração falhar uma batida. – E-eu não quero causar problemas, está bem? – Desviou o olhar de mim e deu de ombros – Não vim aqui destruir seu noivado com a estrela, ela é... boa demais para que sequer pense nisso. – Seus olhos marejaram e ela sorriu – Me chamam de gentil, mas ela é mais amorosa do que eu jamais poderia ser...

— Susana... – A interrompi e seu sorriso sem alegria se desfez. Esperava o pior, com certeza. A questão era que eu nem sabia ao certo o que falar, o que decidir. Era duro pensar, pesar na balança o que fazia sentido e a vontade do meu coração – Eu não sei nem por onde começar. Se passaram cinco anos desde o dia em que nos vimos pela última vez. Uma rainha se fez necessária e eu resisti... Conheço Liliandil há dois anos e só...

— Eu já entendi – Ela interrompeu, forçando um sorriso. Não conseguiu, contudo, apagar a lágrima que se desprendeu de seu rosto. – Só mencionei este assunto porque gostaria de ser sincera com você. – Usou as pontas dos dedos para secar as lágrimas – Acho melhor eu voltar para o quarto.

Ela deu as costas e andava em ritmo pouco acelerado. Antes que virasse o corredor, fui mais rápido que ela e agarrei sua mão com a minha trêmula.

— Então permita que eu seja sincero também – Não podia deixá-la ir sem que eu terminasse.

Susana se voltou para mim devagar e eu cogitei a possibilidade de soltar sua mão para que fosse embora assim que vi seu rosto avermelhado mesmo na pouca claridade das tochas dos corredores.

— Nada... – Continuei, do ponto onde havia parado, sentindo os olhos arderem – Nada do que senti por você mudou desde então. – Suas sobrancelhas se arquearam levemente – A mesma sensação que tive quando a vi na floresta... eu senti hoje. E o mesmo medo que tive quando deixei que partisse com Lúcia... eu senti quando Coriakin disse que você e Edmundo poderiam estar correndo perigo.

— Caspian...

— Acontece que – Foi a pior parte, sem dúvida – Eu não sei o que fazer diante de tudo isso, diante do fato de que você está aqui e agora! – Fiz uma pausa – Não sabe o quanto estou feliz por vê-la, mas... uma dúvida excruciante me atormenta.

— Qual? – Indagou quase que imediatamente.

— Se eu desfizer meu compromisso com Liliandil... você poderá permanecer em Nárnia e ser a minha rainha?

Susana piscou um par de vezes, a dúvida perpassando por seus olhos. Ela baixou a cabeça levemente, a culpa recaindo em seus ombros.

— Essa sempre foi a pior parte, não é? – Falou por fim – A certeza infeliz de que quando tudo acabasse, eu teria que voltar para casa...

— Quando tudo isso acabar... vai ter que me deixar. – Minhas próprias palavras eram como flechas certeiras no meu coração. Aquilo doía tanto. Era pior do que a saudade que me consumia dia após dia, ano após ano. - Não sei o que fazer...

— Eu sei... – Deixou algumas lágrimas caírem – Eu não deveria ter vindo.

— Se veio, foi por um bom motivo – Segurei sua mão sem muita firmeza. Evitei as minhas próprias lágrimas ao máximo. Não me permitia chorar na frente dela, fazê-la sentir-se culpada por algo que estava além de seu controle.

Balançou a cabeça levemente, recuperando-se da tristeza por um momento.

— Eu vou... voltar para o quarto – Sentenciou.

— Deixe-me levá-la de volta – Era o mínimo que eu podia fazer.

Soltei sua mão e fizemos o percurso de volta calmamente, em silêncio. Eu procurei não ruminar nossas palavras, não ainda. Acho que foi a caminhada mais difícil que já fizera em toda a minha vida.

Susana entrou no quarto sem se despedir. Os guardas nada perguntaram, nem me dirigiram olhares. Foi só eu dar as costas para ouvi-la chorar lá dentro. Os meus olhos arderam ainda mais e eu coloquei a mão sobre eles.

Nunca pensei que seria assim. Que fosse ser tão cruel. Eu preferia os meus sonhos, as cenas que fantasiei durante dias, que ela voltaria para mim quando eu menos esperasse. E ela assim o fez, mas... não para ser minha.

Não dirigi palavra alguma a Garvis quando entrei em meus aposentos. Não vi necessidade. As lágrimas caíram pesadas e silenciosas.