A Última Chance

Calormanos


Lúcia Pevensie

Depois de apresentar toda a sua corte, incluindo todas as suas esposas, filhos e tarcaãs mais chegados, o Tisroc foi conduzido para se acomodar no castelo. De todos dos deslocamentos, sem dúvida o da Calormânia para Nárnia fora o mais penoso e, apesar do coração de pedra, o corpo do Tisroc Ahadash não era de aço.

As horas passaram rápido. Caspian convidou a família real da Calormânia e a da Arquelândia para uma ceia especial à noite. O baile seria na noite seguinte, mas ele queria fazer bem o seu papel de anfitrião antes da grande ocasião que havia levado todos a estarem ali.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Decidi passar no quarto de Susana para irmos juntas para a sala de jantar e me deparei com quatro ou cinco guardas próximos à sua porta.

Ergui uma sobrancelha. Era verdade que Caspian havia falado conosco sobre aumentar a segurança em torno de nós, pois não confiava em Ahadash ou sua corte. Ele, aliás, viera muito bem armado e guardado da Calormânia, não deixei de notar. Esperava que não tivéssemos que batalhar.

— Susana? – Chamei depois de bater.

— Entra! – Falou ríspida e eu já imaginava o porquê.

Adentrei no quarto de fininho. Ela terminava de arrumar os cabelos, quase os arrancando com a força que usava para escová-los.

— Vai terminar ficando careca desse jeito.

— Caspian está ficando louco? – Deixou a escova em cima da mesa. – Eu sei que ele quer nos proteger, mas cinco guardas? Realmente precisava disso?

Maneei com a cabeça.

— É, eu sei que ele está exagerando, mas há de convir que todos nós notamos a forma que o Tisroc olhou para você. Sabe que os calormanos honram suas tradições e são vingativos ao ponto de odiarem os inimigos de seus antepassados mais distantes.

— Eu sei, mas me sinto sufocada!

Deixei que ela reclamasse um pouco enquanto terminava de se arrumar. A verdade era que eu sequer sabia o que dizer. Era óbvio que Caspian temia por Susana, que se preocupava com ela tal qual o homem apaixonado que era. Mas seu amor não podia se concretizar. Mesmo que eu quisesse ficar em Nárnia para sempre, eu chegava a duvidar que fosse possível, apesar de ser a mais esperançosa de nós. O que eu podia fazer por eles?

— Fale com ele, então, Susana – Simplifiquei – Os guardas não vão sair da sua cola, apesar de ser rainha. O poder está nas mãos de Caspian agora, só ele pode resolver isso.

Ela se levantou da penteadeira.

— Mudando de assunto – Falei quando saíamos do quarto – Como foi o chá com a princesa Neriah?

— Foi agradável – Susana sorriu ao falar – Ela é bastante culta e educada, mas soube ser simpática. Licínia, filha do duque de Galma, se juntou a nós.

— Ah, sério? – Fiquei surpresa. A menina costumava se esconder sempre que podia.

— Ela não queria de início, mas Neriah e eu a convencemos.

— Ela é tão fechada quanto parece?

— Um pouco – Susana maneou com a cabeça – O preconceito das pessoas e a pressão dos pais a deixou insegura, acho que ela nem gosta de si mesma. Não sabe ela que tem um coração de ouro.

Sorri por fim.

Ao descermos as escadas e virarmos alguns corredores, ouvimos alguns ruídos estranhos, que com a nossa aproximação logo se tornaram cochichos e palavras audíveis por fim.

Susana me puxou para antes da esquina e os guardas pararam logo atrás de nós. Ela fez um sinal de silêncio e eu assenti.

Quanto tempo isso vai durar?— Ouvi a voz do Tisroc, grave e afiada como um punhal.

Quanto tempo eu quiser— Uma voz feminina respondeu simplesmente, convencida – A cada dia, a terra ficará mais fraca e eu, mais forte. Meu exército logo vai ressurgir e quando ela aparecer, Nárnia perecerá.

Assim eu espero— Ahadash falou em tom de ameaça – Apostei todas as fichas nisso e ai de ti se isso falhar.

Susana e eu nos entreolhamos, apesar do escuro. Ouvimos os passos dos dois rumo ao corredor do pátio para o salão de jantar e decidimos esperar um pouco antes de segui-los.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Temos que contar a Caspian que estão tramando alguma coisa – Susana me disse.

— O que acha que ela quis dizer com “a terra ficará mais fraca”? – Perguntei.

— Acho que tem algo a ver com a profecia – Respondeu – Não estou gostando nada disso.

Andamos o mais rápido possível em direção ao salão. No pátio que o antecedia, Caspian conversava com Edmundo e o rei Naim e Pedro falava com a princesa Neriah e Tácito, noivo dela. Seria um tanto indiscreto tirá-los da conversa para contar.

— Rei Caspian – Garvis se apresentou, fazendo uma reverência a todos. Caspian pediu licença e foi até o chefe da guarda para receber o recado.

Senti-me ansiosa. Garvis foi designado para procurar o garoto loiro e o irmão na cidade, mas isso já fazia horas. A expressão de Garvis não demonstrava êxito.

Caspian dispensou o telmarino e se voltou para Edmundo e o rei Naim, a capa pesada arrastando conforme caminhava. Todos nós estávamos agasalhados quase como num inverno.

— Alguma notícia dos garotos, Caspian? – Perguntei, me aproximando do grupo.

— Não encontraram o mais velho – Noticiou Caspian – O mais novo, Erlian, estava sozinho em casa, dormindo.

— Não estava com fome, estava? – Não queria ter que imaginar uma criança de onze anos trancada num mausoléu passando fome e frio.

— Não – Negou – A mulher da taverna cumpriu a ordem que dei de alimentar o menino. Garvis o deixou com a tia, Orestila.

Edmundo cruzou os braços, apertando o casaco contra o corpo.

— Vão continuar procurando o mais velho? – Perguntou ele.

— Por pelo menos mais três dias – Caspian respondeu – Ele pode ter saído da cidade, estar escondido.

Edmundo ergueu as sobrancelhas.

— Não que tenha muitos lugares para um humano se abrigar por aqui – Retrucou ele – Nárnia não é um país de muitas cidades.

O chefe de cozinha nos interrompeu e anunciou que o jantar estava servido. Liliandil apareceu um pouco depois, havia ido aos céus visitar a família.

Peguei-me perguntando, dentre tantas outras coisas, o que faria um garoto de doze anos - que era o que Rilian tinha quando veio à Nárnia - cruzar o mar de Galma até aqui. Ou estava fugindo, ou procurava algo muito importante.

O jantar fora um pouco tenso para mim e Susana. Cruzamos olhares várias vezes, perguntando-nos qual o momento mais adequado para abordar o assunto da conversa misteriosa do Tisroc.

— Lúcia – Edmundo chamou – Depois eu vou contar a Susana, mas Caspian e eu conversamos com o rei Naim da Arquelândia sobre a lança da profecia.

— E então? – Perguntei curiosa.

— Realmente existem lendas que falam que cavaleiros errantes atravessando as montanhas e seguindo o curso do rio até uma gruta perigosa. Ele disse que é preciso ser um nadador muito habilidoso para alcançar os fundos da gruta, onde se pensava que está a lança.

— Alguém já conseguiu isso?

— Como eu disse, é uma lenda – Ed maneou a cabeça – Sabe como é, os corajosos ou insanos o bastante para tentar devem ter morrido afogados. O rio é muito profundo e inconstante.

— Hum... – Murmurei por fim.

Susana Pevensie

Ao término do jantar, a corte de Arquelândia e a de Calormânia se retiraram do salão após se despedir de nós.

Não deixei de pensar na conversa de Ahadash com aquela mulher, que eu sequer conhecia ou vira o rosto. Segundo Edmundo, Caspian já havia pensado na possibilidade de que os calormanos fossem os culpados pela seca que consumia Nárnia a cada dia. Depois do que eu ouvi, não duvidava dessa possibilidade.

Eu lembrei minha viagem à Calormânia. Lembrei dos sacrifícios cruéis, do orgulho, das conspirações, a ambição, a falta de escrúpulos e de humanidade.

— Caspian! – Chamei antes que ele e Liliandil sumissem no corredor. – Desculpe interromper, mas... – Me perdi um pouco na visão dolorosa de vê-los juntos – Eu gostaria de falar com você.

Seu olhar encontrou o meu e eu me lembrei de nossa última conversa. Eu o deixara sozinho naquela sala, não fui forte o bastante para ouvir suas palavras de amor sem sucumbir à dor de não o ter ao meu lado.

— Eu vou deixá-los sozinhos – A estrela disse. Ela depositou um beijo na bochecha de Caspian antes de ir. Não era um beijo nos lábios, mas... eu nunca os vira em contato tão próximo.

— Aconteceu algo? – Ele caminhou até mim devagar e eu fiz o mesmo, até nos encontrarmos no meio do corredor, ele com sua dupla de guardas e eu com meu pequeno exército.

— Primeiro, você pode me explicar por que me encheu de guardas? – Inquiri com as mãos na cintura. Sentia-me mais uma prisioneira do que uma protegida.

— Eu não quis oprimi-la, se é o que está pensando – Esclareceu. – Não acho que o Tisroc Ahadash tenha boas intenções nesse castelo e percebi a forma mal-intencionada com a qual ele a olhou.

— Ele não vai me fazer nada no castelo – Falei com obviedade – É arriscado demais.

— Susana, os calormanos odeiam você mais do que a qualquer um!

— Eu já conheço essa história toda! – Retruquei.

— Então confie em mim! – Pediu ele, mais intensamente do que eu podia esperar – Bem... era só isso que queria falar?

— Não, tem algo mais importante – Aproximei-me ainda mais de Caspian para que não fôssemos ouvidos. Nossos olhos se encontraram outra vez, provocando-me sensações fortes. Eu tinha medo de me perder naquela multidão de sentimentos que seus olhos emanavam, ameaçando me envolver sem volta. Desviei o olhar – É um pouco sério.

— Estou ouvindo.

— Lúcia e eu ouvimos Ahadash conversar com uma mulher – Expliquei – Não sei se é calormana, ou telmarina, não fazemos ideia. Mas ela disse que enquanto a terra fica mais fraca, ela se fortalece. Disse que tem um exército para ressurgir.

— Não estou entendendo – Franziu o cenho.

— Eu sei que é confuso, mas... estou preocupada. Pela forma que falaram, estão envolvidos nessa maldição, tenho certeza.

— Eu não os deveria ter convidado – Passou a mão na testa – Coloquei a vida de todos em perigo.

— Precisamos vigiá-los – Falei – A começar pelos sacerdotes. – Ele franziu o cenho de novo – Os calormanos costumam fazer sacrifícios para alcançar os favores de seus deuses. Sequer sei se realmente existem, mas e se Tash concedeu a Ahadash a maldição de tornar Nárnia uma terra infértil, morta? Alguma das sacerdotisas pode ser uma feiticeira.

— Eu sei que você esteve em Tashbaan durante seu reinado – Comentou – Se diz que isso é possível, eu vou colocar espiões para segui-los e ouvi-los. – Assenti – E você ainda me pergunta por que coloquei tantos guardas atrás de você.

— Caspian, não comece – Retruquei de cara.

— Eu não quero discutir, só estou dizendo que estou tentando proteger você – Ele respirou fundo – Ainda quer que eu retire os guardas?

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Só... diminua – Não desisti tão fácil. – Eu sei me cuidar, não vai me acontecer nada.

Ele expirou.

— Está bem – Caspian comprimiu os lábios. – Bem, nos vemos amanhã na reunião com o Tisroc e o rei Naim.

Assenti. Ele me deu as costas, a capa espessa e longa o seguindo pelo corredor, logo antes da dupla de guardas.

Eu sentia um estranho vazio todas as vezes que nos separávamos. Estávamos conscientes de que aquilo era o certo a se fazer, mas a cada dia que passávamos juntos, mesmo sabendo que era temporário... simplesmente dilacerava o meu coração.

Estava decidido. Eu não iria àquele baile. Não tinha motivos. Eu apenas me machucaria ainda mais vendo Caspian e Liliandil festejarem seu compromisso com todo o reino. Eu não suportaria.

No dia seguinte...

Pedro, Edmundo, Lúcia, Caspian, Liliandil e eu combinamos de nos encontrar na sala do trono antecipadamente para que pudéssemos tratar da profecia e das informações que tínhamos até o momento sem Naim ou Ahadash por perto.

— Então sabemos que é possível que a lança esteja em território arquelandês – Deduziu Pedro – Acham que vale a pena ir até o rio Ruidoso averiguar?

— Não custa tentar, mas – Lúcia respondeu – O que vamos fazer com a lança quando a conseguirmos? Quero dizer, não sabemos nem quem é a víbora que vamos ter que matar!

— Continuamos num beco sem saída – Caspian murmurou.

— Acho que vale a pena pedir permissão a Naim para explorar a gruta – Liliandil opinou. – É melhor dar esse passo e esperar um pouco para dar outro do que não sair do lugar.

— Eu concordo – Falei por fim – Mas acho que vamos ter que esperar as comitivas voltarem para seus respectivos reinos. Não é nada seguro deixar o castelo sem governo com os calormanos por perto.

— Bom, o que espera dessa reunião? – Edmundo perguntou a Caspian.

Ele coçou a lateral da barba antes responder.

— Bem, é uma assembleia de acordos comerciais – Explicou – É a primeira vez que Calormânia e Nárnia planejam estabelecer regras para integrar o continente. Acredito que o rei Naim queira fazer alguns ajustes nos contratos dele conosco também. Como sabem, os calormanos são gananciosos e orgulhosos, portanto eu não pretendo deixar que proponham um acordo: Nárnia ditará as regras, com o auxílio e a sabedoria de vocês e eu apenas ouvirei suas objeções para os ajustes.

— É uma ótima ideia – Edmundo concordou – Nós sabemos que o senso de justiça dos calormanos só favorece a eles, por isso temos que confiar no nosso.

— Você lembra das regras do acordo da nossa época? – Lúcia perguntou – Podemos tomá-lo como base.

— Ótima ideia, Lu – Elogiei – Aquele era um acordo tão bom que a Calormânia jamais desejou alterações durante todo o nosso reinado. – Deu de ombros – Pelo menos até a derrota de Rabadash.

Lúcia Pevensie

Saí com dor de cabeça da reunião. Não houve alardes, mas foi uma negociação difícil. Como esperado, Ahadash era difícil de lidar: como rei experiente, suas convicções eram sólidas demais para ceder fácil. Ele gostou de algumas cláusulas do contrato, mas sua primeira sentença foi “por que um acordo tão velho?”.

Edmundo se aproximou.

— Eu tinha esquecido como essas reuniões eram torturantes – Comentou e eu concordei – Com o tempo, vira rotina, mas não sei como Caspian teve tanta paciência.

— Acho que preciso de um chá para dor de cabeça – Comentei, massageando as têmporas – O que vai fazer agora?

— Terminar de ajudar Liliandil com as plantas de Cair Paravel – Seus olhos se iluminaram quando mencionou a estrela. – Acho que estamos fazendo um ótimo trabalho.

— Cuidado, Ed – Alertei. – Ela está noiva de Caspian.

— Ei, calma! – Franziu o cenho – Não estou de olho nela, só estou lá para ajudar!

— É só um conselho de irmã – Retruquei – Vê se me escuta antes de ser tarde.

Deixei Edmundo parado no corredor.

Edmundo Pevensie

Lúcia me deixou confuso e me fez pensar em suas palavras repetidas vezes – e depois pensar que estava pensando demais sobre aquilo, e depois pensar que eu era um idiota se estar pensando aquilo outra vez.

Eu sempre achei essa coisa de se apaixonar uma verdadeira bobagem. Meninas? Com suas frescuras e cuidados excessivos com coisas inúteis, eu? Me apaixonar por uma delas? Que Aslam me livrasse!

Eu sei, é o típico pensamento de criança. Ainda quando tive a vergonhosa chance de presenciar Susana beijar Caspian na frente de toda Nárnia, eu pensei o mesmo. Os anos vão passando e você muda de pensamento – nossa, soei como um velho caquético agora, certeza.

Devia ser normal ficar encantado com a beleza de Liliandil. Ela era uma estrela, era como o que todo humano do meu mundo devia imaginar um anjo. Todos os homens daquela tripulação – inclusive Caspian, que amava minha irmã – ficara hipnotizado por aquela beleza. Mas agora, todos se comportavam como se aquilo fosse normal. Para mim, no entanto, o efeito não passara.

— Rei Edmundo! – Ela me recebeu com o sorriso delicado, o tom de voz hospitaleiro. – Estive aprimorando os nossos trabalhos de ontem. – Liliandil vasculhou entre os papéis da mesa de Caspian – Quero ver se gosta.

Eu me aproximei e dei a volta na mesa para observar os esboços. Liliandil acrescentou alguns elementos de decoração nos ambientes que eu a ajudei a desenhar, tudo de acordo com o estilo narniano do qual eu me lembrava.

— Ficaram muito bons – Elogiei – Você leva jeito para isso.

— Obrigada – Ela ruborizou um pouco – Apesar de tentar ajudar Caspian, não tem muitas coisas dos humanos que eu saiba fazer bem. Percebi que gosto de planejar festas e desenhar – Deu de ombros com um sorriso e eu ri com ela – Mas nada além disso.

— Já se aventurou a lutar esgrima? – Embora não fosse um costume entre as mulheres, eu estava cercado de garotas à frente do seu tempo. Lúcia e Susana eram guerreiras exemplares, então imaginei que talvez Caspian tenha ensinado algo a Liliandil.

— Caspian tentou me ensinar, mas odeio violência – Admitiu envergonhada – Da primeira vez que quase o machuquei, desisti de imediato. Acho que se fosse lutar numa guerra, eu usaria minha magia para colocar todo o exército inimigo para dormir.

Eu ri, lembrando os lordes telmarinos que ela fez adormecer por estarem brigando na praia e na mesa de Aslam.

— Tem alguma coisa que quer aprender? – Perguntei.

Ela juntou as sobrancelhas loiras, pensando sobre algo que a despertasse curiosidade.

— Descobri que vou ter que dançar com Caspian e com uma dúzia de homens no baile de hoje – Tentei disfarçar a palpitação no coração com a possibilidade de ensiná-la a... – E descobri também que sou péssima com valsa. Acha que pode me ajudar?

Céus, o que eu ia dizer? Lúcia estava certa, a proximidade com Liliandil era perigosa. Eu negava isso a todo instante, só percebia quando estava tão próximo a ela.

Mas a estrela não tinha culpa. As intenções traiçoeiras do meu coração eram as culpadas.

— Claro que posso – E cavei minha própria cova.

Pedro Pevensie

Depois da reunião, eu caminhei um pouco pelo castelo. Fui cumprimentado por alguns lordes do conselho, passei por lorde Macrino e a esposa e vi Lady Orestila brincando com o sobrinho Erlian no jardim.

Aquela história já me dava um pouco de raiva. Eu fizera tudo o que podia por Lúcia, Susana e Edmundo e teria feito o dobro de pudesse. Não sou um irmão perfeito, longe disso, mas sempre dei meu melhor para que eles ficassem bem. Eu jamais poderia cogitar abandonar um deles, sob nenhuma circunstância. Como Rilian fora capaz de deixar o menino, sendo ele tão novo?

Continuei andando. Passei por uma sala no corredor à direita que tocava uma música estranha, apesar de animada e diferente. Pela brecha da porta, pude ver um grupo de moças calormanas sendo guiadas por uma sacerdotisa que dançava tão bem que deve ter sido treinada por anos.

Foi quando ouvi um instrumental mais suave além da sala. Num banco através do arco para o jardim, uma das dançarinas segurava um papel ao cantar, provavelmente com a letra da melodia, acompanhada por um flautista calormano.

— There's a place out there for us— Sua voz começava levemente grave e ela parecia sentir cada sentença da canção. – More than just a prayer or anything you've ever dreamed of... So when you feel like giving up...

Ela parou quando me flagrou a observando. Era a calormana mais bela que eu já vira na vida – não que as moças calormanas fossem feias ou coisa assim, mas aquela tinha algo de especial. A pele era tipicamente bronzeada e parecia ser mais macia que qualquer tecido; seu rosto era levemente arredondado que terminava em um queixo afilado; os olhos eram de um belo tom castanho e intensos; os lábios cheios exibiam uma expressão encantadora quando entreabertos.

— Eu não quis interromper – Desculpei-me.

— Não se preocupe, majestade – Ela levantou-se do banco e fez uma reverência, acompanhada pelo flautista. – Posso ajudar?

— Eu só... estava... passando e a vi... cantar – Atrapalhei-me nas palavras e ela sorriu. O sorriso mais lindo que eu vira em anos – Você tem uma voz linda.

— Fico muito agradecida, milorde – Ela fez outra reverência.

— Qual o seu nome? – Cruzei o arco do jardim para me aproximar.

— Hian... – Ela foi interrompida pela sacerdotisa que ensaiava as outras meninas.

— Hiandra! – Chamou a mulher num tom autoritário. O vestido vermelho da sacerdotisa chamava atenção em sua pele estranhamente branca. Estranho porque... não era comum que calormanos aceitassem nortistas (considerados bárbaros) para cargos importantes. – Vá ensaiar com as outras garotas. É a estrela da coreografia, não pode errar nada.

— Sim, senhora – A moça não pareceu muito feliz ao ter que deixar sua música, mas não pestanejou. O flautista a seguiu e eles se separaram quando Hiandra entrou na sala.

— Perdoe minha intromissão, majestade – A sacerdotisa pediu, fazendo uma reverência. – Essa menina tem um talento artístico raro, mas precisa de disciplina.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Não se incomode – Balancei a cabeça e voltei a encarar a porta por onde Hiandra havia entrado.

— À propósito, sou Katrizia – Apresentou-se – Grã-Sacerdotisa do grande templo de Tash.

Senti um arrepio na espinha ao ouvi-la falar. Foi quando olhei a tal Katrizia nos olhos. Sua íris era levemente achatada dos lados, como se fosse levemente oval.

— Eu preciso me retirar – Saí de sua presença o mais rápido possível.

Que mulher sinistra. Ela me passava a mesma sensação que a... feiticeira branca me passou... quando a vi pela primeira vez, no acampamento de Aslam.

Quando estava quase virando o corredor, virei-me para trás. Katrizia estava entrando na sala de novo, a cauda do vestido vermelho sangue a seguindo. Ficaria de olho nela. Algo de muito errado aquela mulher guardava.