A guardiã do gelo

Os longos dias e... será que o jogo...?


A longa caminhada se estendeu por longos dias — eu diria uns quatro, mas estavam falando que só tínhamos enfrentado uns três e meio. De qualquer forma, eu não conseguia dormir direito e acreditava que os outros também não já que ao decorrer dos dias, iam ficando mais indispostos para levantar cada vez mais cedo. Pelo menos, vendo o mapa, parecia que nos aproximávamos cada vez mais da pedra Elemental e esse era o meu único consolo.

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Nerea começou a treinar usar as cordas da harpa — vez ou outra eu a via tentando dedilha-la, porém a duração de seu treinamento durava no máximo cinco minutos, pois ela sempre balançava a cabeça, como se se negasse a continuar tocando. Tentei animar ela, incentivando-a a tocar de vez em quando, só que ela inventava uma desculpa qualquer, como se realmente não quisesse aprender.

O único que até então não chegara ao meu lado para conversar foi Malek — coisa que não era nem novidade pra mim —, porém eu gostaria de saber como tinha ido a vida dele sem a minha presença para implicar. Depois de ter conhecido o lado irritante do meu antigo irmão, as implicações de Malek nada eram comparadas com as dele.

Em meio a todo esse caminho longuíssimo que percorríamos, uma vozinha na minha cabeça indicava que eu tinha que ficar mais alerta com tudo o que acontecia ao meu redor, ou seja, perigo. Embora, tudo o que eu tenha notado de anormal nisso tudo foi um lobo albino que parecia nos perseguir para onde diabos nós íamos. E claro, um lince — foi a primeira vez que eu vi um, parecia uma mistura entre raposa e lobo.

A coisa que me distraía nesse longo caminho era a forma animal que eu ia ensinando para meus amigos em como entrar. Só até então o Utae havia conseguido dominar a técnica. Nerea estava quase lá e Imma era o que mais sentia dificuldade. Malek estava se saindo bem, só precisava se concentrar mais um pouco que conseguiria.

Tentei treinar um pouco dos feitiços também no caminho, entretanto, agora que tinha voltado ao nível dois — e mesmo caçando bastante, nenhum dos garotos tinha evoluído de nível, deixando nossa equipe bem fraca —, a magia parecia que havia sido inibida de mim. Parecia até que a própria Quione havia bloqueado esse dom.

Vez ou outra eu também olhava para minha mão, esperando que as linhas que simbolizavam a Conexão pudessem voltar, porém, nada mudou. Acabou, Kary. A ligação que você tinha com ele se foi, não gostava muito de pensar sobre o assunto.

— Tudo bem? — me surpreendi ao ouvir a voz de Utae.

Afirmei com a cabeça.

— Eu te conheço tem tempo, Kary — disse ele como se não aceitasse minha resposta. — O que foi que houve?

— Mas ficou afastado de mim tem muito tempo — rebati, evitando a pergunta.

— Não interessa, você continua sendo minha irmãzinha.

Não consegui evitar de dar um meio-sorriso para ele. Apesar de tudo o que havia acontecido na noite em que eu tinha fugido, ele ainda considerava sua irmã, como se nada entre nós tivesse mudado... Como se eu nunca tivesse fugido... Como se eu nunca tivesse errado...

— Ok, eu falo sobre o que eu to pensando se me disser o que houve depois que fui embora naquele dia — propus.

O filho de Zeus confirmou com a cabeça, aceitando a proposta.

— É que... desculpa Utae, mas eu só ando sentindo falta do meu outro irmão — fui sincera. — É como se uma conexão entre nós dois acabasse sendo rompida pelo destino — digo, mesmo que literalmente uma conexão realmente foi cortada entre nós dois. — Eu te considero muito meu irmão, mas... o que eu tinha com ele era meio diferente.

— Entendo. Você... vai tentar procura-lo?

Neguei com a cabeça.

— As pedras Elementais são mais importantes agora. Ganhar o jogo é mais importante. Além do mais, ele possui tatuagem...

Ele entendeu minha hesitação em continuar a frase. Se o Tanay possuía tatuagem, significava claramente que ele era da equipe adversária.

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— Vai conseguir mata-lo caso necessário? — questionou cautelosamente.

Respirei fundo enquanto caminhava, vendo Imma, Malek e Nerea mais a frente. A filha de Harmonia conseguiu se enturmar bastante com os dois — parece que só eu sou a azarada de ser marcação eterna do filho de Héstia.

— Você vai ter que fazer isso por mim — falei, sem conseguir encará-lo.

Utae não deu uma resposta verbal, apenas abraçou meu ombro, indicando que faria o necessário caso esse momento um dia chegasse.

— Agora é sua vez — digo, querendo deixar o assunto melancólico para trás.

— Nada muito especial — disse. — Alexia foi embora, nos fazendo prometer não contar nada do que ela havia contado para ninguém.

Arqueei uma sobrancelha.

— Por que ela pediu isso? — questionei, claramente curiosa.

— Eu não sei. — Ele deu de ombros. — Disse... que ninguém poderia saber apenas.

Fiquei alguns segundos pensativa, remoendo suas palavras e tentando me lembrar das poucas coisas que ainda rodavam minha mente sobre as revelações a respeito dos guardiões que Alexia tinha nos contado.

— Utae, você acha que esse jogo é mais do que apenas matar? — perguntei depois de um tempo.

Ele comprimiu os lábios, como se pensasse bem no que iria dizer.

— Acho que deveríamos focar apenas no nosso objetivo, Kary. O que estiver além disso imagino que Gilbert apenas colocou para nos distrair e tornar as coisas interessantes. Não precisa levar tudo a sério.

— Lembra naquele dia que ela apareceu pra gente? Alexia disse que tudo isso — fiz um gesto ao nosso redor ao mesmo tempo que seguíamos os outros à nossa frente — não era para existir.

Utae balançou a cabeça.

— Foque no nosso objetivo, ok? Se houver uma nova tarefa para cumprirmos, cumpriremos.

Logo eu estava decidindo não insistir sobre o assunto com ele pois o mesmo parecia tão pensativo quanto eu. Minutos mais tarde eu já tinha deixado o pensamento de lado ao notar que a neve começara a ficar mais funda e a que era derramada pelas nuvens naquela tarde, aumentou a intensidade consideravelmente.

— Devemos estar perto — ouvi ele murmurar.

Assenti em confirmação, concordando com o filho de Zeus.

— Não consigo mais — declarou Malek bem na nossa frente, pondo a mão no peito, parecendo bastante exausto.

Dava até para entender sua exaustão já que o mesmo tentava derreter a neve do nosso caminho para que pudéssemos caminhar melhor, entretanto, nem andar direito o filho de Héstia conseguia agora.

— Deixa comigo agora — falei, vendo o mesmo se apoiar no ombro de Imma.

O ruim de ir limpando a neve do caminho era onde ela era reservada no meu corpo toda vez que eu fazia isso. Se eu ficasse muito tempo "sugando" ela para dentro do meu corpo, sempre dava uma sensação de cansaço como se quilos e mais quilos estivessem sobre meus ombros, deixando meus passos lentos e cansativos.

Sabendo que daqui algumas horas estaria cansada, não me importei ao assumir a frente do grupo, tirando a neve do caminho. Porém, a nevasca que agora aumentara, não facilitava meu trabalho. Esse fato me deixava com bastante pena, afinal, provavelmente todo mundo ficava com frio, menos eu e possivelmente o Malek.

A cada passo a nevasca parecia ficar mais intensa, coisa que começara a me incomodar. Usando o bom senso, deduzi que: 1) estávamos perto da pedra Elemental; 2) algo ruim estava para acontecer. Fiz um escudo ao nosso redor, impedindo que a neve pudesse deixa-los com tanto frio, porém, ser do nível 2 não estava ajudando nadinha.

Tive que parar por alguns segundos quando agulhas começaram a perfurar meu estômago. Ou eu tinha usado meu poder demais ou alguém com muito poder emanando do corpo estava se aproximando de nós.

— Líder, você tá bem? — Nerea questionou assim que eu me apoiei nela quando as agulhadas se tornaram quase insuportáveis.

Afirmei com a cabeça, mesmo que um pouco à contragosto e tentei me soltar dela, entretanto, a mesma me segurou para que eu não o fizesse.

— Kary? — agora pude ouvir a voz do Utae.

— Força. Grande. Alguém — falei pausadamente, respirando fundo a cada palavra.

— Alguém? — Nerea questionou.

— Poder. Forte. — Balancei a cabeça, tentando formar uma frase coerente.

— Deixa que eu cuido da neve agora — falou Malek, mais para Nerea do que para mim, vendo que eu estava praticamente incapacitada sequer de falar.

— Líder, consegue falar? — perguntou Nerea, claramente incomodada e até um pouco preocupada.

Suspirei e assim que abri a boca para dizer algo, alguém pareceu me interromper:

— Não precisa fazê-los entender, filha — a voz conhecida me deixou paralisada por um segundo por me ser familiar. — Acho que eu cometi um erro ao permitir que andassem por essas terras.

A ventania ficou mais intensa, fazendo com que meus cabelos curtos voassem descontroladamente de um lado para o outro. Se só o vento estava me incomodando agora, tinha pena dos outros que tinham a neve ao redor para suportar.

Até que finalmente os vestidos brancos esvoaçantes, os cabelos branquíssimos como os de Tanay e o olho azulado e frio, se fizeram aparecer na frente do nosso grupo.

— Deixei vocês irem longe demais.

As agulhadas no meu estômago ficaram mais intensas a medida que uma lâmina de gelo surgia em seus dedos pálidos.