A guardiã do gelo

Eu dando uma de conselheira amorosa


Depois do trato mais estranho da minha vida que eu tinha feito com Tanay, os treinamentos passaram a ser mais interessantes do que antes. Era muito engraçado ver o Tanay morto de vergonha em tentar demonstrar que conseguia ser romântico. Fala sério, ele servia mais pra ser um assassino a sangue frio do que um admirador secreto que entrega flores.

Hoje era mais um dia de treino e dessa vez eu estava mais animada do que nunca. Finalmente tinha achado algo que eu era superior a ele. O bom é que com isso tudo, a intensidade do nosso treinamento de luta ficou bem mais baixa porque eu sempre argumentava "se me forçar demais, vou ficar muito cansada e não vou poder te dar mais dicas de como conquistar a Melina". E o bom é que essa desculpa sempre funcionava.

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Assim que chegamos no local onde treinávamos todos os dias, eu respirei fundo, sem conseguir tirar o largo sorriso do rosto.

— Você tá animadinha demais pro meu gosto — comentou ele ao chegarmos.

— Desculpa, to só me lembrando o quanto é hilário você tentando ser romântico.

Tanay revirou os olhos e fez minha espada aparecer nas suas mãos. Desde que eu chegara na equipe dele, ele nunca tinha me devolvido minha espada — bem, só nos treinamentos de vez em quando. Um dia eu ainda roubo dele.

No segundo seguinte ele estava jogando minha cimitarra em minha direção. Peguei ela ainda no ar e questionei:

— Por que você tomou posse da minha espada, hein?

— Porque ela é boa demais pra você — falou como se fosse óbvio.

Mostrei a língua pra ele ao mesmo tempo que ele fazia uma espada simples com o próprio gelo.

— Preparada pra perder? — Havia um sorriso convencido no seu rosto.

— Perder? Essa palavra não faz parte do meu dicionário, querido.

E finalmente começamos a primeira parte do treino.

Meu rosto estava completamente suado quando o treino acabou. Acho que até já tinha passado do almoço, porque meu estômago roncava. Balancei minha cabeça, sem me importar. Agora era o momento que eu mais gostava: o treinamento de "como ser um homem romântico com a titia Kary".

Devolvi a cimitarra pra ele, enquanto me sentava no toco que servia de banco pra nós dois. E ah, das cinquenta lutas que praticamos, venci vinte. Dez a mais do que no treinamento de ontem. Estava ficando boa nisso.

— Preparado? — questionei num sorriso de divertimento. — Pode começar a me paquerar.

Cruzei as pernas e dei um sorriso doce pra que ficasse bem característico à Melina.

Tanay respirou fundo e se aproximou com passos lentos.

— O charme, cara. Usa seu charme. O sorriso pequeno. Coloca um sorriso no rosto!

Hesitante, um meio-sorriso brotou no seu rosto.

— A persuasão. Usa ela.

Não demorou muito até eu sentir a magia correr pelo ar e agora sim Tanay estava começando a ficar atraente, mas não era suficiente.

— A magia ta muito forte. Deixa ela um pouco fraca. Lembra que Melina é filha da deusa das almas. Sabe-se lá se ela consegue sentir esse tipo de coisa.

Então finalmente Tanay estava bem na minha frente, me encarando com aquele meio-sorriso no rosto e deixando a persuasão correr pelo ar.

— E então? — incitei ele a começar.

— Er... Oi Melina.

— Mel — corrigi.

— Mel — ele consertou. — Você... hã... como foi a meditação?

— Mão na nuca. E pelos céus, dá pra colocar mais persuasão?

Tanay colocou uma mão na nuca e a magia ao nosso redor ficou mais intensa. Deixei minhas bochechas corarem e meu sorriso mais doce antes de responder num tom de voz simpático:

— Foi muito boa. E como foi o treinamento com a linda, maravilhosa, diva e deusa Kary?

Ele revirou os olhos com meu exagero.

— Se ela parasse de ser tão molenga, teria sido ótimo.

— E se meu treinador não fosse tão insuportável, o treino não seria tão chato — rebati, fazendo uma careta.

— E se minha aprendiz não fosse tão infantil, talvez desse pra ter um treinamento civilizado.

Soltei um longo suspiro, balançando a cabeça.

— Tudo bem, voltemos ao papel, antes que eu parta pra luta corporal.

— Você fala como se conseguisse ganhar de mim. — Agora havia um sorriso convencido no seu rosto.

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— Quer que eu prove que eu consigo? — meu tom saiu em desafio.

— Isso é uma ameaça? — Bufei ao ouvir sua incitação.

— Tanay, os papéis. Podemos voltar por favor?

Ele assentiu, claramente satisfeito por minha desistência. Voltei a corar minhas bochechas e a colocar um sorriso doce no rosto ao perguntar:

— Que dia você vai poder me ensinar aquele golpe que você me prometeu, hein?

— Não sei, er...

— Nada de hesitação — o repreendi. — Se ela pedir alguma coisa, faça.

— Posso te ensinar agora se quiser.

— Agora ficou muito melhor. — Eu sorri e então voltei a fazer o papel de Melina: — Ótimo.

E me levantei, caminhando até ele e por fim ficando de costas pro mesmo, esperando que ele tomasse a iniciativa do próximo passo. Esperei por alguns segundos e nada.

— Não vai pôr as mãos na minha cintura?

— Hein? — ele pareceu surpreso com o que eu tinha acabado de inventar. — Não existe nenhum golpe que...

— Não importa, seu sonso. Inventa um na hora, mas coloca as mãos na cintura dela. A partir daí vai ser mais fácil criar um clima romântico entre os dois — expliquei. — Agora põe as mãos na minha cintura.

Não demorou muito até suas mãos estarem segurando firmemente minha cintura.

— Nisso ela vai ficar corada e a partir daqui, você passa a conversar nos sussurros com ela, sabe? E nunca esqueça da persuasão. Ela vai ser essencial — ressaltei. — Depois dela ficar completamente sem graça com seu gesto, ela se vira e é aí que você beija ela.

Tanay arqueou uma sobrancelha, duvidoso.

— Não vamos nos beijar — falei antes que perguntasse.

Ele balançou a cabeça em negação com uma expressão tipo “ficou maluca?”.

— O que eu ia dizer é... Cara, isso vai dar certo mesmo?

— Claro que vai! Está duvidando da sua conselheira amorosa?

— Nada do que você está me dizendo é uma armação de vingança sua, não é?

Droga, por que não pensei nisso antes?, me vi pensando em frustração. Bem que eu podia ter me aproveitado da situação e ter me vingado de todos os treinamentos idiotas que ele me forçou a participar.

— Tudo bem, já entendi pela sua cara de frustração.

Mostrei a língua pra ele pela sua implicância.

— Bem, já está quase na hora de voltarmos — digo. — Alguma dúvida em relação a aula?

— Tem certeza que isso vai dar certo? — ressaltou ele a pergunta.

— Absoluta! Claro que você também precisa ser confiante, se não é aí que vai tudo por água abaixo. — Balancei a cabeça.

Tanay soltou um suspiro derrotado e eu acabei ouvindo ele murmurar:

— Isso não vai dar certo.

— Vai sim!

Ouvi mais um suspiro.

— Melhor irmos andando.

— E é melhor você ir repassando tudo o que vai fazer.

Quando chegamos, Henrietta e Daniela já haviam ido dormir. Melina voava pra lá e pra cá, limpando a bagunça da fogueira, parecendo distraída. Abri um pequeno sorriso. Aquela seria a chance de Tanay fazer o que eu havia ensinado. Me escondi num mato alto e sussurrei:

— Boa sorte.

Tanay engoliu em seco e eu passei a observar a cena com cuidado. Ele se ajoelhou perto de onde ela estava ajoelhada, tirando as madeiras queimadas da fogueira apagada.

— Oi, Mel.

Ela parou e olhou pra ele por um momento.

— Hm, oi.

— Então, er... Como foi a meditação hoje?

— Não saí pra meditar — informou ela, indiferente, continuando a pegar as madeiras.

— Por que não?

— Porque não tinha motivos. — Ela abriu as assas e voou em minha direção.

Eu engoli em seco, pensando que ela havia me visto, mas tudo o que ela fez foi jogar as madeiras e a poeira em cima de mim. Tive que me segurar para não gemer ou espirrar.

— Mel, está tudo bem?

Agora ela estava de costas pra ele. Não estava entendendo a conversa. Geralmente Melina era tão doce e agora estava tratando ele tão friamente.

— Não, não está! — ela elevou a voz, se virando na direção dele.

Tanto Tanay quanto eu, ficamos surpresos.

— Até quando você ia esconder de mim, Tanay? Até quando?

— Do que você está falando? — ele parecia mais confuso que eu.

— Não se faça de besta porque isso é uma coisa que você não é — rosnou ela, voando alguns centímetros do chão pra se aproximar dele com mais velocidade. — Foi com ela, não foi?

— Melina, do quê...?

— A Conexão. Você fez com ela. A sua irmã — ela agora soava triste. — Você achava mesmo que eu não ia descobrir? Por que não me contou?

— Foi... foi sem querer! A culpa foi dela!

— Você alguma vez já se perguntou por que eu saía pra meditar? — Novamente seus pés estavam centímetros fora do chão. Agora ela estava à altura dele. — Porque estava pedindo aos deuses que abençoassem quando fizéssemos, entende? Mas aí foi só ela aparecer que simplesmente todo o tempo que eu gastei por você foi por água abaixo. — Ela cutucou o peito de Tanay, completamente brava.

— Não foi culpa dele — então me pronunciei.

Os dois olharam pra mim.

— Eu não sabia desse ritual todo que se tinha. Nem sabia que existia essa coisa de conexão! — exclamei em minha defesa. — E se eu soubesse, jamais faria ela com Tanay. Ele é muito... idiota.

Melina balançou a cabeça.

— Mas se tiver um jeito de reverter isso, eu vou fazer.

— Há um jeito. — Melina caminhou graciosamente até mim, pondo uma mão no meu ombro. — Apenas um.

— Qual? — questionei, embora o rosto dela estivesse sombrio.

E um gemido escapou da minha boca quando a ponta da adaga cortou a pele exposta da minha barriga.