– Estou me sentindo uma marginal! – Alysson exclamou. Não pude deixar de rir do seu comentário.

– Relaxa, você não está cometendo nenhum crime.

– Mas eu nunca quebrei esse tipo de regra.

– Alysson, estamos indo fazer um piquenique, não assaltar o banco central. Seu pai não vai te matar se descobrir.

– Só que eu não estou preocupada com o meu pai, e sim com a minha mãe.

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– Eu não conheço a sua mãe – comentei.

– Nem queira.

– Agora eu não posso conhecer minha sogra?! – Alysson soltou uma breve risada.

– Poder você até pode, mas eu não aconselharia. Se você não gosta do pai, saiba que ele é um doce de pessoa comparado a ela.

– Quem disse que eu não gosto do seu pai? Sr. Cooper é o melhor diretor que eu já tive!

– Puxa saco – murmurou.

– Estou falando a verdade, Srt. Cooper.

– Sr. Miller, não sei como seu nariz não cresceu ainda. Você mente tanto, que nem sente.

Eu sei disso, Alysson. Eu sei.

– Agora você me ofendeu.

– Ah, o bebê ficou magoado – ela disse com uma voz manhosa e depositou um beijo em minha bochecha.

Continuamos o caminho nada silencioso até a praça onde tivemos nosso primeiro encontro. Eu estou com o carro do tio Paul, que está de folga do trabalho hoje. O dia está pedindo por um piquenique. Parece que alguma força maior preparou esse dia especialmente para nós.

Para falar a verdade, eu peguei Alysson bem desprevenida hoje. Acordei com uma necessidade enorme de vê-la. Vi que o dia estava bom e liguei logo cedo para ela, chamando-a para o tal segundo encontro que já falamos há bastante tempo. Ela aceitou, óbvio, mas teve que sair escondida dos pais. Ela não achou muito... confortável a ideia de sair pela janela. Foi bem engraçado, admito. Mas ela pratica esportes com frequência, inclusive escalada. Então foi bem rápido. A única coisa que me incomoda, é o fato de ela ter preferido não contar para ninguém sobre nós. Não sei bem o porquê, mas não vou insistir que ela faça algo que não quer. O que importa é que estamos juntos e estamos bem.

– Chegamos – anunciei.

– Finalmente!

– A viagem foi tão ruim assim?

– Scott, sem drama, por favor.

– Drama? Que drama? Eu não faço drama. Nem sei o que isso significa. – Ela apenas revirou os olhos e saiu do carro.

Saí logo depois dela e abri o porta-malas para tirar as coisas todas de lá. Alysson me ajudou a carregar algumas coisas. Foi necessária apenas uma viagem para levar tudo.

Não demoramos a arrumar as coisas em seus devidos lugares. Eram poucas coisas na verdade, o suficiente para duas pessoas. O suficiente para nós dois. Não era nada extravagante, nunca é. Mas parece ser o suficiente. Essa é uma das coisas que eu mais gosto nela. Você não precisa dar o melhor, você só precisa dar o seu melhor e, por mais que seja simples, ela vai amar.

– Então, Alysson Cooper, me conte as novidades.

– Hum... Deixe-me ver. Ah, as férias estão chegando.

– Sim. Isso eu já sabia.

– Não sei onde eu vou passar as férias – concluiu.

– Isso é uma novidade? – perguntei.

– Não, mas... Sei lá – disse e riu em seguida. E eu a acompanhei.

– Acho que já sei onde você pode passar as férias – eu disse depois de um tempo. – Eu tenho uma casa na praia.

– Tem? – Assenti.

– Herança dos meus pais.

Um silêncio extremamente desconfortável se seguiu. Esse não o tipo de assunto sobre o qual falar em um encontro.

– Não sei se meus pais me deixariam viajar sem eles – ela disse por fim.

– Você já tem 18 anos – rebati.

– Vou tentar convencê-los. – Assenti novamente.

– Se você se sentir mais confortável, pode chamar mais alguém. Sarah, Lilyan, sua prima... Como é mesmo o nome dela?

– Chloe.

– Chloe. Isso. A Chloe e mais quem você quiser. Se quiser levar seu rato de estimação pode também.

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– É um ramister, não um rato.

– Parece um rato.

– Mas não é.

– Mas parece.

– Que seja! – deu a discussão por finalizada. – Eu não pretendo levar o Ronald.

– Ronald? – Não me aguentei e comecei a gargalhar alto, muito alto.

– Não acredito que você está rindo do nome do meu ramister! – ouvi Alysson murmurar.

– Você pôs o nome de um rato de Ronald e não quer que eu ria? – respondi tentando controlar a risada.

Alysson bufou e cruzou os braços.

– Duvido que você daria um nome melhor – ela disse.

– Aposto que daria – rebati.

– E qual seria, então? – me desafiou.

– Qualquer um que não fosse Ronald – respondi começando a rir novamente, mas controlado dessa vez.

Alysson revirou os olhos e se virou para o outro lado.

– Ei – chamei-a quase num sussurro. Ela não respondeu.

– Me aproximei dela lentamente e a abracei por trás, apoiando meu queixo em seu ombro.

– O bebê ficou magoado – repeti suas palavras. Percebi que ela segurou uma risada.

Depositei um beijo no seu pescoço, depois na curva entre o pescoço e o ombro e outro no próprio ombro. A ouvi suspirar, o que me fez sorrir.

– Não pense que vou te perdoar só por causa de uns beijos.

– Tudo bem. – Tirei meus braços, que antes envolviam sua cintura, e minha cabeça de seu ombro.

– Isso não significa que você pode parar, Scott. Volte já aqui! – ela ordenou, sem mover um músculo.

– Onde eu estava com a cabeça quando arrumei uma namorada bipolar? – me lamentei.

– Em mim, Sr. Miller – ela respondeu. – Você estava com a cabeça em mim.

Ela não poderia ter dito verdade maior.

...

Voltamos para casa no fim da tarde.

Conversei com Alysson a respeito de contarmos pelo menos aos nossos amigos sobre nós – eu não conseguiria fingir que nada está acontecendo entre nós. Sim, nossos. Parece que nossos “bandos” se uniram, não só em amizade, mas em relacionamentos relativamente mais sérios. Estou falando de James e Sarah e Zac e Lilyan. Não vi os dois primeiros junto ainda, mas, pelo que eu ouvi até agora, está acontecendo alguma coisa. Fico feliz por eles dois. E espero, para o bem dele, que a Sarah não se machuque. Eu não estava brincando quando disse que entregaria a cabeça dele numa bandeja.

Enfim, Alysson concordou. Amanhã mesmo vamos contar.

...

Ir para a escola nunca foi tão agradável.

– Nunca te vi tão ansioso para ir à escola – Anthony comentou ao meu lado.

Hoje era o dia dele de dirigir, o que está me deixando meio nervoso. Ele está indo muito devagar.

– Não estou ansioso.

– Está sim.

– Não estou não.

– Então, para de balançar a perna feito louco e de bater com os dedos uns nos outros.

– Eu não estou... – olhei para minha perna e para os meus dedos, que estão no meu colo. Sim, eu estou fazendo isso.

– E pare de ficar na defensiva também. – Bufei e revirei os olhos.

– Eu não estou na defensiva. – Anthony me lançou um olhar como quem diz “Sério?!”. Revirei os olhos mais um vez.

Tenho revirado muito os olhos ultimamente.

O resto do caminho foi silencioso. Agradeci mentalmente por isso. Não sei se conseguiria contar para Anthony sobre eu e a Alysson sozinho. Sei que uma hora vamos ter essa conversa, mas eu prefiro que não seja agora. Tudo está bom demais para correr o risco de estragar.

Pela primeira vez em muito tempo eu me sinto realmente feliz. Não feliz, mas preocupado, ou feliz, mas irritado, ou ainda feliz, mas apreensivo, inseguro. Não, eu estou feliz. Apenas feliz. Pela primeira vez, não tem morte, não tem brigas, não tem aposta, não tem Peter, mesmo que ele ainda seja um problema, não estou preocupado com ele. Não agora. Agora eu estou apenas feliz, muito feliz.

Avistei Alysson no primeiro portão junto com os outros. Sarah e James estão abraçados, Zac e Lilyan estão abraçados, Alysson está parada entre eles ao lado de Ross. Ross, faz muito tempo que ele não se junta a nós. Tem estado bem distante, às vezes age como se nem nos conhecesse. Mas isso não importa muito para falar a verdade.

Anthony e eu nos aproximamos deles. Eu, sinceramente, não sei como reagir. Quer dizer, para eles, nós estamos brigados. Ninguém sabe de nada do que aconteceu na festa, até onde eu sei. Eu deveria cumprimenta-la com um beijo, como os namorados fazem, e jogar a bomba de uma vez? Deveria agir como se realmente estivesse brigado com ela? Deveria simplesmente chegar e falar? Eu não sei. Minha mãe costuma me dizer uma frase: Se está em dúvida entre fazer isso ou aquilo, não faça nada. Não vou fazer nada.

Chegue cumprimentei todos com um simples aceno de cabeça e fiquei parado em frente a Alysson. Enviei um olhar interrogativo a Alysson, com uma das sobrancelhas erguida, como se perguntasse “Posso?”. Ela balançou discretamente a cabeça negativamente. Soltei o ar, que só agora percebi que prendia. Me senti aliviado, mas inquieto. Eu queria falar logo, queria poder agarrá-la ali mesmo, queria gritar ao mundo que Alysson Cooper me pertence. Eu, Scott Miller, fui capaz de conseguir o coração dessa garota incrível. Mas paciência é uma virtude.

Todos ficaram conversando, até tentavam me incluir na conversa, mas eu não dei importância. Estava ocupado demais pensando no momento em que finalmente ficaria sozinho com ela.

As aulas foram torturantes, assim com o intervalo. Pensar nela, vê-la, sem poder tocá-la... Esse é o pior dos castigos. É engraçado pensar que, quando não estávamos juntos, eu podia beijá-la a qualquer hora, no lugar que fosse, na frente de quem fosse (menos do diretor, claro). E agora que nós namoramos eu não posso se quer falar com ela. Isso é um absurdo!

– Vocês são péssimos atores – alguém disse, e eu logo reconheci a voz doce e feminina. Sarah.

– Do que você está falando?

– Você e a Alysson. Pensam que enganam quem? – Eu deveria considerar isso um problema?

– Eu ainda não sei do que você está falando. – Eu minto mal, mas essa foi, de todas, a pior.

– Ah, claro que não – ironizou. - Scott, não deixe essa sua loirísse atrapalhar seu raciocínio. Você é melhor do que isso – Fiquei ainda um tempo a encarando, com uma expressão de quem realmente não estava entendo. Sarah revirou os olhos. – Eu vi o anel no dedo dela. Se ela está usando o anel, é porque vocês fizeram as pazes, e se ela não quer contar para ninguém, como eu percebi, por causa das trocas de olhares na entrada do colégio, significa que tem mais coisa aí, e você vai me contar tudinho e vai ser agora.

Bufei e contei tudo logo. Não iria adiantar tentar enrolar a Sarah. Ela sempre consegue o que quer, e eu odeio isso nela.

– Você tem que parar de ser tão observadora – comentei, depois de contar toda a história.

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– É um hábito. – Deu de ombros. – E não se preocupe. Eu conheço bem a Alysson. Se bobear, daqui a pouco ela mesma vai estar se jogando em cima de você na frente de todo mundo.

– Espero. Mas é meio difícil imaginar a Alysson fazendo esse tipo de coisa.

– Eu sei. Se eu já não a tivesse visto fazer isso, eu nunca acreditaria também.

Eu me recuso a imaginar a Alysson se jogando em cima do Peter.

– Tudo bem – eu disse, com o intuito de mudar de assunto. – Soube que você não está mais com o cara que ninguém sabe quem é.

– James já deu com a língua entre os dentes, é?

– Não culpe o menino. Ele só está feliz – soltei uma breve risada.

– Ah, está? – ela virou o rosto para o lado, mas eu notei que ela estava levemente corada.

– Por que vocês garotas coram por qualquer coisa? – perguntei.

– Eu não coro por qualquer coisa.

– Nesse exato momento seu rosto parece um tomate.

– Ah, cala essa boca! – Me deu um tapa no braço, o que só me fez rir.

– Agora eu posso saber pelo menos o nome do cara?

– Enzo – disse enquanto revirava os olhos.

– Nunca ouvi falar.

– É aqui da escola. Qualquer dia te mostro quem é. – Assenti

O celular dela começou a tocar.

– Alô... Sei, sim... Tudo bem... Já estou indo. Beijos. – Desligou o telefone e virou-se para mim. – Minha mãe. O carro dela quebrou e eu tenho que ir buscá-la. – Bufou. – Nos falamos mais tarde?

– Pode ser.

Nos despedimos e lá se foi ela.

Fui para casa a pé. Não estava afim de esperar Anthony, que está fazendo um trabalho da escola. Eu prefiro fazer em casa, mas ele cismou em fazer na biblioteca. Não demorei a chegar e nem me cansei em andar tanto, por incrível que pareça.

– Como foi? – Dylan perguntou assim que eu fechei a porta.

Ele já sabe de tudo. É, eu não aguentei e acabei contando tudo. Meninos também precisam desabafar às vezes.

– Ela não quis contar ainda.

– Quem não quis contar o quê? – A voz de Anthony soou no ambiente, seguido pelo barulho da porta se fechando.

Eu, que já estava em pé ao lado do sofá, me virei para olhá-lo, depois voltei a olhar para Dylan, que deu de ombros, o que eu entendi como um “O que tem se ele descobrir agora? Uma hora você vai ter que contar mesmo.”. Respirei fundo e me preparei psicologicamente para a tal conversa com Anthony, que veio mais breve do que eu imaginei que viria.

– Alysson – eu disse.

– O que tem ela?

– Ela está meio que namorando... – Pigarreei. – Comigo? – completei, a última palavra soando mais como uma sugestão.

Anthony ficou me encarando em silêncio por um momento. Pensei que ele fosse explodir ou algo assim. Eu tinha muito medo mesmo que brigássemos. Já brigamos por causa dela uma vez, não quero que aconteça de novo.

– Ah, sim – ele disse finalmente. – Fico feliz por vocês.

Silêncio.

– Obrigado – respondi.

Ficamos ainda mais um tempo ali, até eu decidir que era melhor sair dali.

– Acho que eu já vou subir. – Dito isto, peguei minha mochila e subi para o meu quarto.

Isso foi estranho.

Por mais que ele tivesse desistido da Alysson por mim e que tenha ficado com a prima dela, a tal da Chloe, Anthony ainda sente alguma coisa por ela. Eu vi isso no olhar dele quando eu contei sobre o nosso namoro. Tenho a sensação de que esse nunca será um assunto agradável entre nós.

Peguei uma roupa qualquer e fui tomar um banho. Não foi um banho demorado, mas também não foi o banho mais rápido que já tomei. Decidi sair do chuveiro logo, antes que eu começasse a pensar. Dizem que o banho é um das melhores horas para pensar. Não posso discordar, mas isso me irrita bastante. Não que eu não goste ou não precise pensar na vida, decidir coisas, lembrar de outras, mas por que eu não consigo ter esse mesmo sentimento em qualquer outra hora e em qualquer outro lugar? Por que tem que ser logo na hora em que eu estou cuidando da minha higiene? Tudo bem, eu reconheço que esse é um pensamento banal e desnecessário, mas isso me irrita.

Depois do banho, desci as escadas com a intenção de ir a cozinha comer alguma coisa e, se tiver a oportunidade, conversar com Dylan, perguntar se ele sabe alguma coisa sobre a Chloe, se Anthony disse alguma coisa. Mas a bendita campainha tinha que tocar.

– Ah, ótimo! Tinha que ter visita logo agora. – resmunguei. Tocaram novamente a campainha. – Já vai! – gritei, já irritado. Abri a porta e, sabe aquele irritação? Então, ela se transformou em ódio profundo e receio. – Peter?

– Oi, Scott – ele disse sorridente. – Precisamos conversar.