A Rainha da Beleza

XXII - Ladies de Cinzas


—Já acordaram? - perguntei sonolenta, ao chegar à sala de jantar e encontrar Isabel e Alicia rindo, ambas ainda em seus vestidos de festa, sentadas aleatoriamente na longa mesa.

—Acabamos de chegar - Alicia confessou, sorrindo, soprando uma xícara fumegante de chá.

—Você sumiu no final da festa, achei que tinha ido se deitar - falei para Isabel, me sentando e deixando que uma das empregadas trouxesse louça para mais uma.

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—Não, Bordeaux me levou para uma festa na cidade - ela desfez, olhando para Alicia - e não era justamente a festa onde estava nossa ruiva e seu namorado misterioso?

—Ele não é misterioso, nem é meu namorado - Alicia corou fortemente, bebendo um gole de chá - É só um amigo.

—Um amigo que desapareceu com o vento assim que eu e Dylan chegamos - Isabel provocou, animada dado um largo gole em sua bebida verde gosmenta.

—Ele tinha trabalho a fazer - Alicia suspirou pesadamente, ficando de repente um pouco triste.

—Às quatro da manhã? No Natal? - Isabel não parecia convencida.

—Ora Isabel, temos coisas mais interessantes pra discutir do que isso - Alicia grunhiu, e depois olhou para mim - Bethany, me diga que Dylan estava apenas inventando histórias ontem à noite...

—Sobre o que? - perguntei, franzindo a testa.

—Sobre eu ter defendido sua queria amiguinha negra - Isabel mordeu um brioche, colocando novamente sua expressão ranzinza.

—Bem, nem mesmo eu acredito ainda - suspirei, olhando para ela - Por que você fez aquilo?

Ela me olhou feio, cruzando as pernas - Não pensem que eu tenho qualquer, mínima e única afeição por aquela garota - ela começou séria - Mas aquele homem não tem o direito de tratar nenhuma mulher, nem mesmo ela, do jeito que ele trata. Eu teria feito isso por qualquer uma Bethany.

—Você sempre me surpreende - comentei, e ela deu um sorrisinho, como se já soubesse disso. Ela parecia prestes a falar algo, quando Annie entrou apressada na sala, se serviu de suco e pegou um brioche.

—Bom dia - ela falou, quando enfim nos notou - Parecem ter se divertido, nem vi vocês chegarem ontem.

—Chegamos não faz mais de uma hora - Alicia explicou, e depois ergueu uma sobrancelha - Aonde você vai com tanta pressa?

—Ah, bem, eu acabei de receber uma carta - ela se levantou, limpando as migalhas da calça de veludo cor de creme - Vou sair a cavalo com Fox, e ele pediu que eu estivesse pronta o quanto antes... Nós nos vemos mais tarde.

—Ela anda bem falante ultimamente - Isabel comentou, assim que Annie saiu tão logo quanto entrou - A pequena futura rainha...

—Você estava se saindo tão bem até agora - Alicia entortou a boca, desgostosa - Pare com isso, sabe que ela não gosta destas brincadeiras.

—Isso não muda a verdade - Isabel bocejou, olhando para meio brioche em sua mão antes de solta-lo no prato e se levantar - Eu estou com sono. Acham que podem me acordar antes do almoço? Preciso enviar um cartão de natal para... - ela deu outro bocejo, piscando um pouco antes de voltar a falar - Para minha irmã.

—Eu posso te acordar - dei os ombros, e ela sorriu. Isabel Venezza estava realmente sorrindo para mim.

—Obrigada Bethany, você é mesmo - bocejo - Una caramella. Buonanotte, ragazze.

Ela se foi, e eu e Alicia nos olhamos por alguns minutos antes de começar a gargalhar - Ela me chamou mesmo de "um doce", ou meu italiano é assim tão ruim?

—Não, você entendeu bem - Alicia riu, mexendo o fundo da sua xícara - Foi uma boa noite, acho que fazia tanto tempo que eu não via Isabel tão feliz... E eu a vejo todos os dias desde que eu tinha quatorze anos, Bethany. Irônica, satisfeita, aliviada, muitas vezes, mas feliz?

—Ela é uma peça rara - concordei, e Alicia também deu um longo bocejo - Você também deveria ir dormir, deve ter sido uma noite e tanto.

—Sim, sim... Foi sim - ela deu um sorrisinho - Foi uma bela noite Bethany. Una gran noche, como diria minha irmã.

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—Isso não é Italiano, é? - franzi a testa.

—Não, é espanhol - ela se esticou, ficando em pé com um pouco de dificuldade - Acho que bebi um pouco mais do que deveria... Sim, irei me deitar. Mas antes...

Ela saiu correndo, até a sala de estar, e voltou com uma caixinha embrulhada em papel laranja brilhante - Feliz natal Bethany!

—Achei que só iriamos abrir os presentes depois do almoço - peguei a caixa mesmo assim, surpresa.

—Não, esse não é o meu presente, é... - ela bocejou de novo - Me pediram para te entregar.

Olhei a caixa, sem bilhete, e então agradeci, antes de desembrulhar e encontrar um porta-retratos. Meus olhos encheram-se de lágrimas, olhando para os cabelos ruivos rebeldes de Isis voando, para minhas tranças e para a saia gasta de barra puída.

Eu lembrava daquela época, pouco antes de Apolo vir para Paris, quando ele tinha usado todas suas economias para comprar uma máquina de tirar fotos de um vendedor viajante. Ele não era nada bom, nenhuma de suas fotos saiu menos do que extremamente embaçada - exceto aquela. Naquele último dia em casa, ele conseguiu o retrato perfeito, das nossas costas sentadas na grama macia.

Isis estava tão infeliz que o irmão partiria que sequer conseguia olhar para ele.

—Está chorando... - levantei os olhos, olhando para Fox parado na soleira da porta, com a testa franzida me encarando - Está tudo bem, Bethany?

—Eu... Eu estou bem - falei, secando os olhos. Eu não precisava que ele me visse chorando.

—Você, está mentindo - ele se aproximou, tirando um lenço do bolso e se abaixando, estendendo até minha bochecha - Mentindo para seu príncipe. Posso?

Assenti, um pouco surpresa com a proximidade para responder. Então, perguntei, esperando não parecer tão acusadora quanto me senti - O que está fazendo aqui? Achei que fosse cavalgar com Annie.

—Bem, eu iria, se eu a encontrasse - ele riu, um pouco sem jeito, guardando novamente o lenço - Acho que nós nos desencontramos... Essa é Isis?

—O que... Ah, sim, é ela - falei, afastando a foto para que ele pudesse ver melhor - É uma pena que não dê pra ver o rosto dela, você com certeza se apaixonaria, vossa alteza.

—Não preciso de mais nenhuma paixão nesta vida, Bethany - os olhos dele ficaram sério, tocando as bordas da moldura - Mas ela parece ter olhos verdes brilhantes e destemidos, um sorriso meio arrogante, e bochechas muito proeminentes.

—Pode dizer tudo isso pelas costas dela? - perguntei, surpresa.

—Posso dizer tudo isso por conhecer o soldado Apolo - ele confessou, sorrindo, apontando para a assinatura embaixo da foto - Eu ia lhe dar um presente mais tarde, mas acho que nenhum se equiparia a este.

—Não precisa me dar nada - falei, talvez mais rápido do que devia, então surpresa percebi que eu talvez quisesse algo dele, e isso me fez entristecer lembrando de Annie, que deveria estar esperando em algum lugar naquele enorme palácio - Acho que estava procurando alguém.

—Sim, sim é verdade. Preciso encontrar Annie - ele se endireitou, e depois estendeu colocou a mão no meu ombro e sorriu - Feliz Natal Bethany.

—Feliz natal, vossa alteza - E depois de um minuto de hesitação, ele se foi, e eu me senti ainda mais solitária com a minha foto. Se Isis estivesse ali, ela saberia exatamente o que falar - nada agradável ou gentil, mas com certeza saberia o que falar.

.........

Dava para vê-los do terceiro andar da biblioteca - não que eu devesse estar olhando - correndo pelas extinções dos jardins em seus enormes corcéis de pelo escuro. Cavalgavam de forma quase idêntica, feroz, porém suave, e muito precisa, como se não fossem as mesmas pessoas cheias de inseguranças no meio de uma corte.

Balancei a cabeça, eu não tinha o direito de invejar Annie. O que eu esperava, afinal? Ser rainha? Eles eram perfeitos um para o outro, tão parecidos...

—Feliz Natal senhorita Bethany, espero que tenha recebido meu presente - Dylan parecia apressado, recolhendo livros em uma grande pilha como uma criança sobrepondo panquecas.

—Ainda não abri presente algum - não era exatamente verdade, mas eu não precisava dar detalhes que pouco importava à Dylan - mas tenho certeza que será adorável.

—Não, não tenho o intuito de ser adorável, acredite em mim, mas gostará mais dele do que imagina - Dylan sorriu se aproximando de mim - Sua cara não parece boa, teve algum problema na noite de ontem?

—Não, não, nenhum problema - Voltei-me para a pilha de livros - Imaginei que estivesse indo dormir, soube que teve uma noite agitada.

—E um dia mais agitado ainda recebemos cartas que um embaixador inglês está vindo para as festas de ano novo, e Fox pediu cuidadosamente uma lista de livros - ele ergueu um bloco de notas - Não faça essa cara, este é meu melhor natal nos últimos vinte anos!

—Imagino que seja - Desviei os olhos da mancha de batom vermelho na sua camisa, rindo.

—Mas você parecia muito interessada em algo do lado de fora, imagino eu o que seja - ele se aproximou, olhando para o horizonte e encontrando-os - Ah, entendo... Fox, não é mesmo?

—O que tem Fox? - perguntei, tentando soar indiferente, enquanto Dylan começava a rir - Qual é a graça?

—É um bichinho maldoso, os ciúmes, não é? - ele estava quase gargalhando, enquanto eu sentia meu rosto esquentar - Se estivesse na minha posição, também riria Bethany.

—E qual seria esta posição? - grunhi me afastando da janela e sentando ao lado dos livros, olhando os nomes nas lombadas.

—Você é esperta Bethany, mais do que a maioria... Está sempre nesta biblioteca lendo e está sempre percebendo coisas que parece que queremos esconder - ele pigarreou, quando me pegou olhando de novo para o colarinho, e o escondeu - Não deve demorar para que você perceba.

—Perceba o que?

—Não, não fará com que eu tire a graça disso - ele riu, pegando os livros com uma facilidade considerável, e sorrindo - Até lá, aproveite o ciúme. É um docinho amargo, este maldito...

Ciúmes.Por que mentir pra mim mesma? Dylan estava certo. Era um gosto amargo, azedo,borbulhando na minha garganta como bile. E eu esperava que passasse logo.

.........

'Abril, 2216

Cameron se casa hoje. Eu nunca o vi tão nervoso. Não deveria ser eu, o irmão mais velho a casar antes? O rei, para ser mais exato?

Eu não sei dizer. Sem sombras de dúvidas não sou um bom rei. Mas nunca o vi tão feliz quanto é com Belle. Mesmo sua doença parece recuar perto dela.

Mas não vejo como esse possa ser um bom momento para se casar. É claro que o povo está em festa com algo bom em meio a todas as tragédias, mas casar com alguém sabendo que algum de vocês pode morrer há qualquer momento? É tolice.

Já matamos mais deles do que eles mataram os nossos. E isso não é algo que me orgulho'

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Quando o almoço foi servido, todas já estavam acordadas e pareciam ao menos dispostas. Isabel gritava com uma empregada para que enviasse suas cartas e Alicia parecia não ter notado que usava um par de cada sapato quando enfim nós nos sentamos à mesa. Todas nós.

—Bem, imagino que poderia ser pior - Isabel olhou para a mesa, a última a tomar seu lugar perto a Alicia - Vamos comer!

—Espere - grunhiu Tina, enquanto Kali, Jin, Alicia e Annie abaixavam a cabeça. Estavam rezando. Pensei que Isabel protestaria, mas apenas assentiu e afastou o olhar. Fiz o mesmo. Não havia deuses em que eu acreditasse, nem nada que eu quisesse pedir ou agradecer. Quando todas levantaram suas cabeças, Tina satisfeita assentiu para começarmos a comer.

O almoço começou longo e preguiçoso, confortável. Ninguém parecia muito preocupada com nada, trocando piadas e histórias de Natais passados, mesmo as gêmeas pareciam ter algumas boas lembranças no fim, e entraram na conversa sem parecerem incomodadas.

—E você? - Isabel apontou uma colher de sobremesa para Nisha, quando cada uma recebeu uma pequena torta rosa e branca.

—Isabel, por favor - gemi, e ela me olhou com os olhos franzidos.

—Hoje não, Isabel - concordou Alicia, em tom cansado.

Ela bufou - Estou falando sério. Eu quero saber! - ela afirmou - Todas nos arriscamos por ela ontem... Espero pelo menos uma boa história, já que não recebi nenhum agradecimento.

—Obrigada por ontem à noite, Isabel - Nisha falou, e eu não podia ter certeza, mas jurava que ela estava corando - A todas vocês. Desculpem-me, mas não tenho nenhuma história de Natal.

—Bem, então nos fale sobre você - falou Kali, recebendo um olhar surpreso de Jin - Alguma coisa boa. Deve ter alguma lembrança boa, não?

—Não muitas... Não consigo lembrar muita coisa - ela suspirou - lembro-me dos meus pais, da minha mãe me fazendo tranças e do meu pai pescando na beira do rio, mas em algum momento eles sumiram. Lembro-me de incêndios, que podem ser um ou muitos. Lembro-me de uma mulher branca, muito velha me entregando aos homens que me prenderam, de ser tocada, ferida, das marcas das cordas e de ouvir coisas. De sentir fome e de nem saber o que comia, só agradecer por me darem comida. É quase tudo que eu lembro antes dos soldados me encontrarem.

Todas se entreolharam, um pouco tristes, um pouco desconfortáveis, era difícil dizer. Foi Lilie a primeira que falou.

—Eu me lembro do incêndio também - ela falou, olhando para o prato - Da árvore de natal em chamas. Da mamãe nos escondendo embaixo do piso... Qual era o nome da mamãe?

—Evelyn, Lilie - Livie respondeu, suavemente - Nossa mãe se chamava Evelyn.

—Certo, Evelyn - a outra piscou por um minuto, e depois voltou a comer.

—Annie, como está Fox? - Tina cortou o assunto, suavemente - Nem consegui falar com ele depois do alvoroço de ontem...

—Bem, ele está bem, na verdade há muito tempo não me parece tão feliz - e então, ela fez uma leve careta - Bem, menos comigo.

Tina suspirou - Será que sempre será assim entre vocês?

—Com Fox, é assim que geralmente são - Annie deu um sorrisinho contido.

—Você sabe que ele só está sendo superprotetor - Alicia se intrometeu gentilmente - Você sabe o porquê...

Annie assentiu - É claro que sei.

—Se Fox está andando com as próprias pernas, você poderia muito bem começar a fazer o mesmo - Isabel falou, mais interessada na torta do que na conversa, erguendo a cabeça quando todas olharam para ela - É só a minha opinião, mas se quiser seguir agindo como uma covarde, o problema é seu.

—Isabel, é natal - suspirei, e ela me lançou o mais inesperado olhar de pena, como se eu fosse só uma garotinha se intrometendo em um assunto que não deveria.

—Você tem razão Bethany, é Natal - ela sorriu, se levantando - E eu estou ansiosa para saber os presentes que recebi este ano.

—Você não tem mesmo espírito natalino, não é? - Tina riu, se levantando - Vamos. Também estou curiosa. Alicia?

—Eu acho que é melhor...

—Ela não quer que vejamos o presente do namorado misterioso dela - Isabel riu, saindo da sala enquanto as gêmeas atacavam Alicia com perguntas.