A Proposta

Capítulo 22


— Mais vinho? Cecília piscou. Estava a quilômetros de distância. Ela inspirou e forçou um sorriso.

— Vá em frente. Vamos fazer os pedidos também.

Estavam no restaurante havia uma hora. Fazia uma semana que Dulce havia saído do hospital e estava muito melhor. Saíram para um jantar com um único parente que Cecília conhecera, um tio picareta que nem ao menos criou-a. Deixou-a junto com Fátima a entrega da própria sorte e apenas se reaproximou por conta do casamento com Gustavo, achando que iria tirar alguma vantagem.

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Enganando-se, pois o próprio Gustavo, conhecia o tipo e nunca lhe deu um tostão. E ainda o aturava porque Cecília o tinha como família.

Gustavo não era o único que não simpatizava com o sujeito. Fátima também não o suportava, pois ele nunca manteve contato frequente. Até saber que a sobrinha fizera um bom casamento.

— Tem certeza?

Ela olhou o menu. Não queria ver a pena de Gustavo. Ele só estava uma hora atrasado. Era pouco para os padrões dele. Quando era pequena, passava dias esperando-o.

— Absoluta. Assim que pedirmos, ele vai chegar. Você vai ver, ele vai chegar num segundo.

— Claro que vai – concordou Gustavo, sem muita firmeza.

Ela bebeu o resto do vinho. Provando da amargura da espera. Era adulta agora e já havia aceitado fazia muito tempo que o pai não era confiável.

Mas esperá-lo na vida adulta fazia-a se sentir a garotinha que passava horas aguardando o carro e a adolescente que matava aula para não perder uma visita inesperada.

Ele viria.

Eles fizeram os pedidos e o garçom trouxe mais bebida.

O celular vibrou. Ela já sabia o que era antes de ver.

— Algum imprevisto? – perguntou Gustavo com cuidado enquanto ela lia a mensagem do tio. Não era difícil imaginar.

Ela forçou um sorriso e assentiu.

— O carro dele está fazendo um barulho estranho. Ele não acha seguro vir.

Ela devia saber que era melhor ter ido até ele, o que teria feito se estivesse na escola. Haveria menos risco de surgir um imprevisto. Mas, fazia só uma semana que Dulce saíra do hospital, queria vê-la primeiro. Se certificar que tudo correra bem. E desde que o tio se mudara para Doce Horizonte, não se mexera para visitá-la. Entretanto, tinha intenções, lembrou Cecília.

Fizeram muitos planos para ele ir vê-la. Ela até lhe dera um carro para ele não ficar preso em casa.

Devia ter combinado de encontrá-lo em um restaurante mais próximo de sua residência. Era mais fácil de não acontecer imprevistos.

— Pena – disse Gustavo. – Haverá outras oportunidades.

Outras oportunidades para ela levar bolo.

Já fora ruim ficar com medo de Gustavo se atrasar. Ele tinha ido ao Rio de Janeiro na quarta-feira e só chegara aquela tarde. Duas noites de preocupação.

Às vezes, quando ficava perdida em pensamentos, ouvia as palavras dele: “Às vezes, Cecília, olho para você e lembro por que me apaixonei.”

Ela rira, mas ficara abalada. As palavras dele a deixaram apavorada. Se ele a amava tanto, por que desistira dela tão facilmente?

Dois anos de silêncio diziam tudo. Ele a transformou na esposa Lários perfeita, mas, assim que ela lhe negou o que ele queria, um filho, desistiu dela. Assim como o tio só a procurava quando precisava de dinheiro. Cecília era descartável.

Nada parecido foi dito durante a estadia de Dulce no Hospital ou depois, mas aquelas palavras a marcaram. Então ele foi ao Rio, a terra das mulheres bonitas, deixando-a sozinha pela primeira vez desde que voltaram – temporariamente, lembrou-se –, sozinha na cama enorme dele, com um cérebro que não parava.

Só estavam juntos temporariamente, gritou o cérebro. Em pouco mais de um mês, iriam se separar.

Por que ele dissera aquilo? Por que mencionara aquela palavra? Ele não dissera que a amava agora. Dissera que a amava naquela época.

Mas ele não amava você naquela época. Se amasse, nunca teria tentado mudá-la. Em desafio, ela deitou no meio da cama.

De manhã, após algumas poucas horas de sono, estava de volta ao seu lado da cama, abraçada ao travesseiro dele. Teve que se conter para não se jogar nele quando Gustavo chegou na Escola no fim da tarde junto com Dulce, quando estavam se arrumando após um longo dia. Quis abraçá-lo ainda mais quando ele as levou para conhecerem o novo centro e ver como estavam indo as obras.

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— Ah, pare de fingir que está tudo bem – desabafou de repente, quase às lágrimas. – Nós dois sabemos que meu tio não liga para mim.

Para seu horror, só percebeu que suas mãos tremiam quando Gustavo segurou uma delas.

— Sabia que ele é o único que não está feliz de a gente ter voltado? – disse ela, sem conseguir se conter. – Vai querer me ver quando você sair de cena. Ou quando ele ficar sem dinheiro.

Gustavo não respondeu, encarando-a com os olhos azuis, cheios de empatia, sem raiva.

Compreendera o tio dela logo de cara.

Ela puxou a mão, pegou a taça cheia e levantou-a.

— Parabéns para mim pela minha idiotice, não é?

— Cecília...

— Não se preocupe. – Ela pôs a taça na mesa. – Não é a primeira vez que ele faz isso e não vai ser a última.

— Cecília – repetiu ele, com calma. – Não é culpa sua.

Ela tentou sorrir, realmente com medo de chorar.

— Eu sei.

Bem no fundo, sempre soubera, só não admitia a dura verdade. Era apenas uma mulher. Descartável.

Uma garçonete chegou com o primeiro prato. Cecília fincou o garfo num pedaço da comida. Antes de levá-lo à boca, mais palavras indesejadas escaparam:

— Nunca fui importante para ele. Quando penso na minha infância, só me lembro da espera. Eu ficava tão animada quando sabia que ele viria. Algumas vezes chegava pelo menos uma hora atrasado. Nas outras, simplesmente não aparecia.

Ela tomou outro gole de vinho, perguntando-se por que estava contando a Gustavo uma história que ele estava cansado de saber. Mas havia uma história que ele não conhecia.

— Nem eu, nem Fátima nunca passamos um Natal com ele – disse ela, com os olhos na taça. – E só fomos convidadas para um aniversário dele, o de 40 anos. Eu tinha uns 9 anos, e eu e Fátima fomos juntas. Eu estava muito animada para conhecer meus primos. ele vivia falando deles. Sabia que ele os adorava.

Nessa hora, ela ousou olhar para Gustavo:

— Eles não sabiam quem nós éramos.

— Acho que é compreensível, eles não conheciam vocês.

— Não, eu quis dizer que eles não sabiam de nós. Meu tio jamais contou que eles tinham duas primas.

Gustavo tentou não deixar transparecer a raiva que sentia.

Ele não tinha dúvidas de que, se o tio dela entrasse no restaurante naquele momento, lhe daria um murro na cara com toda a força que tinha.

Como ele ousava se chamar de tio...

Era impressionante que Cecília tivesse conseguido se transformar naquela mulher calorosa e compassiva.

— Vamos para casa? – perguntou ela. – Estou com dor de cabeça.

Ela estava mesmo pálida.

Ele pediu a conta. Levantou-se e pôs a mão sobre a caixinha no bolso. Daria a Cecília quando estivessem em casa, após uma massagem relaxante e uma garrafa de vinho. Iria mimá-la até não poder mais e fazer daquele dia uma data memorável pelas razões certas. Mas, primeiro, tinha que levá-la para casa.