— Talvez nós devêssemos mandar o Leon, a Mandy e a Esther para passar alguns dias em Washington com os meus pais. – Com o ouvido colado na porta do quarto de Eliza e Rick, pude ouvi-la dizer para ele.

Era a madrugada de quarta-feira. Ashley morrera havia três dias, e Amanda desde que voltara para casa no domingo e soube tudo o que aconteceu, não parara de espernear e chorar, dizendo que não queria continuar morando na casa em que a babá tinha morrido.

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A polícia continuou indo constantemente até nossa casa para investigações, de modo que o meu quarto estava interditado, e para matar dois coelhos com uma cajadada só, Rick e Eliza me colocaram para dormir no quarto de Amanda. Assim eu teria algum lugar para ficar e ela não ficaria sozinha.

Na noite de terça-feira, quando Eliza estava trabalhando, Amanda insistira muito para o pai para que todos nós nos mudássemos para outra casa, mas a débil mente infantil não entendia quando ele dizia que não era assim tão fácil fazer uma mudança. Rick, já ficando aborrecido, mandou-a ir dormir, e disse que falaria com Eliza quando esta voltasse do trabalho, tarde da noite.

E eu fiquei esperando acordada para poder ouvir a conversa escondida.

No momento em que Eliza sugeriu que eu, Leon e Amanda fossemos para Washington passar um tempo com os avós maternos deles, quem sabe até que a cisma que Amanda tinha com a casa passasse, fechei minhas mãos em punho de tanto ódio.

Não. Isso iria estragar os meus planos, ou atrasá-los de maneira imensurável.

— Mas eles estão em aulas! Não podemos fazer isso. – Protestou Rick.

— Mas não seria por muito tempo.

— Teríamos de comprar passagens de avião e falar com eles.

— Sem problemas. Eu faço isso de dia.

A pausa que Rick fez em seguida indicou que ele estava pensando seriamente no assunto.

— É algo tão repentino... Os seus pais iriam concordar?

— Claro que sim. Eles adoram as crianças, e estão loucos para conhecer a Esther.

Outra pausa.

— El, a gente não pode tomar uma decisão de dia?

— É melhor.

Controlando a minha vontade de socar a porta do quarto, para aliviar minha raiva, virei-me para voltar para o quarto de Amanda.

E encontrei a própria, em seu conjunto de pijamas cor-de-rosa, vindo pelo corredor em minha direção.

— Esther? – Ela perguntou, sonolenta. – O que você está fazendo aqui?

— Eu ia pedir para dormir com a mamãe e o papai. – Menti, fazendo esforço para ser paciente.

— Eu também. – Amanda respondeu, e tive de me esforçar ainda mais.

Concordei com a cabeça, e, me voltando mais uma vez ao quarto, abri a porta.

Rick e Eliza, já deitados, viraram suas cabeças para nós.

— Meninas?

— Podemos dormir aqui? – Perguntou Amanda.

Eles se entreolharam, e Rick suspirou.

— Venham.

Fomos até a cama e nos deitamos entre eles.

Eu tinha certeza de que, se eles realmente fossem nos mandar para Washington – e iam, provavelmente – quando Amanda fosse informada da notícia, ficaria bem contente.

Mas eu, por minha vez, peguei no sono profundamente irritada.

*********

Eliza, todos os dias, após as crianças saírem para ir à escola e Rick, ao trabalho, voltava a dormir por mais duas ou três horas. Mas naquela quarta-feira, depois que todos saíram, o que ela fez foi pegar o telefone com o intuito de ligar para os seus pais para falar da possível estadia de Leon, Mandy e Esther na casa deles. Perderia seu sono por uma boa causa.

Discou o número, e esperou até ouvir uma voz muito conhecida dizer “alô?”, no outro lado da linha. Eliza sorriu.

— Oi, pai.

— Eliza! Que bom é ouvir a sua voz! Nós pensamos que você tinha se esquecido de nós!

— Mas é claro que não! – Ela se defendeu, rindo.

— Então, ligue mais vezes! Como vão as coisas?

— Bem. – Eliza respondeu, automaticamente, mas em seguida se lembrou de que estava ligando justamente porque as coisas não estavam bem. Suspirou. – Ou não. Na verdade... – E explicou para o pai tudo o que andava acontecendo, emendando o assunto com o pedido para que ele e a esposa recebessem as três crianças.

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— Minha nossa! Nesses casos, você tem de ligar mais cedo! – Ralhou ele. Então, se dirigindo à outra pessoa, localizada perto dele: - Geraldine, a Eliza quer saber se pode mandar Leon, Mandy e Esther para cá o quanto antes.

Eliza conseguiu ouvi-la responder:

— Mas é claro que ela pode, Roland. Precisa perguntar para mim algo tão óbvio?

— Sua mãe disse que está tudo bem. – Ele respondeu, voltando-se ao telefone.

— Certo. Obrigada, pai. Tenho de desligar agora. Mais tarde eu vou ligar para acertar os detalhes.

Após a despedida, ela desligou o telefone. Pensou em ligar logo para Rick, mas achou melhor pesquisar sobre os voos para Washington primeiro, para já ter tudo organizado para quando fosse passar as informações para o marido.

Eliza encontrou, no site do aeroporto mais próximo da casa deles, um avião para lá que decolaria naquela sexta-feira, às duas da tarde. Era possível comprar as passagens só de ida, para que os três se sentissem à vontade para voltar quando quisessem. E não era tão caro.

Ela pesquisou mais, mas sua opção preferida foi de longe esta.

Ligou para o celular de Rick.

— Rick? Olhe, eu já falei com meus pais e vi as passagens...

— Na verdade, Eliza, eu andei pensando. Por que vamos mandar os três para Washington? Por que não só Mandy? Leon e Esther não têm problemas em morar na casa. Esse tempo longe só iria prejudicá-los na escola.

— É, Rick, a escola é muito importante. Mas policiais estão entrando na nossa casa todos os dias, e ficando de vigília em frente à nossa casa para ver se aquele John Murray não se aproxima. Não é melhor nós abrirmos uma brecha dessa vez?

— Certo. Você tem razão. Então, o que você ia me dizendo? – Ele pareceu mais derrotado do que convencido. O nome “John Murray” ultimamente tinha tido o poder de o deixar arrasado.

Eliza contou para ele sobre a ligação para seus pais e sobre a pesquisa, e Rick concordou com tudo.

— Tudo bem, pode ser isso mesmo.

— Pode? Ótimo!

— Vou desligar. Até logo. – Rick falou, e desligou o aparelho celular logo em seguida.

Eliza terminou de arranjar as coisas, de modo que já estivesse tudo pronto para quando Leon, Mandy e Esther chegassem da escola. E, quando ela foi buscar as duas meninas no ponto de ônibus, contou tudo a elas com um largo sorriso no rosto.

Esther não pareceu gostar, e a primeira coisa que ela fez ao pisar em casa foi correr para o banheiro do primeiro andar, onde se trancou. Por sua vez, Mandy pareceu exultante com a notícia.

Leon também não pareceu gostar daquilo nem um pouco, quando chegou à casa alguns minutos depois, reclamando que teria provas dentro de duas semanas e não poderia perder as revisões.

Mas não havia mais espaço para objeções. Tudo já tinha sido decidido enquanto as crianças estavam na escola, e Eliza estava totalmente convencida de que aquela viagem seria algo muito bom para elas.

Em sua qualidade de mãe, ela julgava saber o que era melhor para seus filhos, talvez tão equivocadamente quanto julgava conhecer cada um dos três muitíssimo bem.

*********

O único ponto positivo de ter sido obrigada a fazer aquela viagem ridícula foi, pelo menos durante alguns poucos dias, não precisar fingir estar bem-humorada o tempo inteiro.

Mesmo já esperando que Eliza nos falasse algo sobre nos mandar para longe, quando voltássemos da escola, por ter escutado a conversa dela com Rick na noite anterior, eu fui invadida por uma vontade incontrolável de arrancar os olhos dela de seu rosto quando ela realmente começou a falar sobre o plano dela que boicotaria todos os meus, e tive de correr e me trancar no banheiro, antes que eu fizesse a coisa errada na hora errada.

Eu tomei o cuidado de não responder vez alguma quando Eliza decidiu que viria bater na porta do banheiro pedindo para que eu saísse de dez em dez minutos.

As horas se passaram, e escureceu. Uma hora Eliza não veio mais, e supus que ela tinha ido trabalhar. Rick veio bater na porta no lugar dela.

— Esther, você já está aí há mais de três horas. Não pode abrir a porta para a gente conversar? Eu estou preocupado com você.

Foi só ele pedir, e imediatamente saí do banheiro e me atirei em seus braços.

— Papai, eu não quero ir a lugar algum. Eu quero ficar aqui com você. Por que a mamãe vai me obrigar?

— Meu amor, as coisas não são bem assim...

— Claro que são. – Estremeci, teatralmente. – Ei, posso te contar um segredo, papai?

— Hm? – Rick pareceu surpreso com o pedido repentino. – Claro.

— Eu acho que a mamãe não gosta muito de mim.

Ele me encarou, pasmado.

— Mas você não vai contar para ela que eu disse isso... Vai? – Questionei. Esta era uma frase que eu geralmente usaria como ameaça, mas que procurei falar em tom mais suave, para que ele não estranhasse.

— Se você for se sentir melhor, será um segredo nosso. Mas esta é uma acusação muito grave, Esther. Por que você acha que a mamãe não gosta de você?

— Porque naquela hora em que ela estava me chamando, ela falou que ia me bater, se eu não saísse do banheiro rápido.

Ele olhou dentro de meus olhos, como se buscando por algum vestígio de mentira, mas eu era muito boa no que estava fazendo. Não tardou para ele trocar a desconfiança pela preocupação.

— Você tem certeza de que foi isso que ela falou?

Assenti.

— Você não pode ter escutado errado?

Neguei.

Rick pareceu ficar aflito, mas eu me pronunciei antes que ele pudesse me fazer mais perguntas:

— Desculpa, papai. Eu sei que você já está preocupado com coisas mais importantes como o homem mau, para se preocupar comigo também. – Falei, falsando arrependimento.

Mais uma vez Rick pareceu surpreso. Eu nunca antes havia tocado no assunto do “homem mau”, que eles achavam que foi quem entrou em casa e matou Ashley, e não eu.

Ele se ajoelhou, ficando mais ou menos da minha altura.

— Esther, você não precisa pensar no homem mau. E pode me falar de tudo o que você quiser, certo?

— E a mamãe?

— Você pode falar com ela também.

— Não. Eu queria saber se a mamãe também não precisa se preocupar com o homem mau.

— Ela precisa. Nós dois vamos proteger você, a Mandy e o Leon.

— Bem, ela parece bem mais preocupada em se livrar de nós do que em nos proteger.

— Esther!

— Desculpa. – Eu disse. Não tinha problemas em me desculpar agora. Não anularia o que eu dissera antes, e já havia passado minha mensagem.

Rick apertou os lábios e franziu a testa por um segundo. Depois relaxou, e se levantou.

— A gente vê isso depois. Agora venha jantar. Você deve estar faminta, já que não lanchou ao chegar em casa hoje.

— Tudo bem. – Dei a mão para ele, e nós dois fomos juntos para a sala de jantar.

O jantar e o resto da noite correram normalmente.

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No dia seguinte, Eliza nos ajudou a fazer nossas malas para a viagem, que seria no dia seguinte.

Apesar da promessa que Rick fizera para mim, achei que ele tinha contado para ela o que eu pensava dela, porque Eliza estava se comportando de maneira afetada comigo. Fiquei com raiva por ter sido dedurada, mas talvez aquilo tenha sido bom.

Já estava mais do que na hora de minha máscara começar a cair para Eliza, pouco a pouco.

Na sexta-feira, ela foi sozinha nos levar ao aeroporto, pois Rick estava trabalhando. Amanda estava especialmente aborrecedora naquele dia, de tão alegre. Não parou de falar na viagem enquanto nós pegávamos nossas coisas no quarto dela.

— Viajar é legal, Esther. Os russos não viajam? – Ela perguntou, estranhando minha expressão séria, enquanto saíamos do quarto.

— Claro que viajam. Eu não estou nos Estados Unidos? – Respondi. Foi um fora disfarçado por um tom amigável, e ela pareceu não reparar.

— Mas você mora aqui.

— Agora.

— Meninas, desçam rápido! O Leon já está aqui! – Eliza gritou, já na porta da frente.

— Nós vamos fazer muitas coisas lá. – Amanda me garantiu, enquanto descíamos as escadas.

— Com certeza vamos.