O alarme tocou cedo demais e todos levantamos-nos parecendo exaustos e acabados. Achei bom não terem nos chamado para fazer o exercício de guarda essa noite. Era justo demonstrarem um pouquinho de compreensão e terem nos deixado dormir a noite toda depois de ontem.

Olhei ao redor do dormitório e todos já estavam acordados, mas eram poucos os que tinham conseguido levantar da cama. Muitos pareciam ter chegado do exercício e se jogado na cama, sem trocar de roupa ou se limpar.

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Durante o café foi a hora de colocar o papo em dia sobre o exercício:

– E ai, como vocês foram ontem? - Danilo perguntou. Ele era o que estava melhor entre todos nós. Quase não demonstrava sinais de cansaço.

– Eu fui mal - queixou-se Eric. - Fui um dos últimos a chegar e quase não consegui.

– Eu também não fui bem. Cheguei bem tarde e pensei várias vezes em desistir. - foi a vez de Carol falar.

–É verdade foi horrível — declarei. Todos ainda ficaram olhando para mim, esperando mais detalhes — Na minha opinião também fui muito mal, achei que era uma das últimas a chegar, mas fui a terceira. E o Julio me garantiu que eu fui bem. Então não sei.

Eles não falaram nada sobre meu desempenho, estavam preocupados em saber o de Danilo:

– E como você foi Danilo? — Carol deu um sorriso cativante para ele.

– Fui o primeiro a chegar. - ele pensou um pouco antes de continuar — Não quero me gabar nem nada, mas não achei tão difícil assim. Foi um pouco complicado sim, mas talvez por eu ter feito exercícios desde criança e já saber sobre essa prova através do Julio, já sabia o que esperar e o que fazer.

–É pode ser. - eu disse, e logo me lembrei de se grande feito — Ah! E parabéns por ter sido o primeiro a chegar. Aposto que seu irmão ficou orgulhoso de você.

– É, acho que ele ficou mesmo. Pelo menos quando eu cheguei ele veio correndo pra me dar um abraço.

– Ohhh! Parabéns Danilo. Por você ter sido o primeiro a chegar e por ter conseguido derreter o gelo do coração de Júlio — brincou Carol e todos rimos.

– Não fale assim dele. Eu sei que às vezes não parece, mas ele é legal — mesmo achando a brincadeirinha de Carol engraçada, Danilo tinha que defender o irmão.

– É isso mesmo. Ele não parece — retrucou Carol de volta.

E os dois continuaram implicando um com o outro por um bom tempo.

– Soldados está na hora de partirmos. Já pegaram suas bagagens? - Era Júlio perguntando à turma antes de sairmos para a floresta. Tínhamos recebido uma mochila, bem menos pesada que a de ontem, cheio de coisas úteis para os três dias que passaríamos fora.

– Sim senhor — responderam alguns alunos, os que pareciam mais calmos em relação aos outros. Pois a maioria tinha uma expressão ansiosa no rosto. Não sabíamos ainda o que teríamos que fazer na floresta, nem se existiam perigos lá e isso nos assustava um pouco. Também havíamos sido orientados a levar nossas armas, com balas de borracha é claro, para evitar que atirássemos um nos outros por descuido ou vingança.

– Bom, antes de entrarmos nos carros, quero que conheçam o soldado Thomas. Ele irá me auxiliar nesses dias — Júlio apontou para um cara parado mais ao canto. Era um típico soldado do quartel, com seu jeito arrogante e seu porte atlético. O que o diferia dos demais era que ele era completamente careca e tatuado.

Thomas...Thomas...Thomas...eu já havia o visto antes em algum lugar. Qual era mesmo? Ah, sim! Ele foi com a sua ganguezinha assistir a primeira aula prática de defesa pessoal. Ele era quem ajudava Alexandre a nos xingar.

Ai merda! Já to imaginando como serão esses dias na floresta com ele por perto....

Fomos levados até um pedaço do caminho em dois carros do quartel, semelhantes aos que nos levaram ontem para o exercício de carregamento de peso. O restante do trajeto teríamos que fazer a pé.

Descemos dos carros, e pegamos nossas coisas, seguindo a pé pelo caminho. Júlio e Thomas iam na nossa frente mostrando o caminho e todos os seguíamos. Ninguém conversava muito, todos prestando atenção onde pisavam e cuidando para não tropeçar em nada a medida que adentrávamos cada vez mais a floresta.

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Após um logo tempo, estávamos já cansados devido a todo o desgaste físico de ontem mais a caminhada de hoje. Júlio e Thomas ainda andavam na frente e nós ficávamos cada vez mais pra trás deles, diminuindo o ritmo pelo cansaço.

Danilo como sempre ainda se mantinha inteiro, mas fazia questão de andar devagar para continuar ao nosso lado. Em um momento ele olhou pra trás e eu segui seu olhar. Logo atrás de nós Eric parecia não conseguir andar mais, ele e Carol andavam de braços dados, um dando força para o outro.

– Júlio! - Danilo gritou alto o suficiente para seu irmão escutar.

Júlio parou imediatamente ao ouvir seu nome e se virou para trás. Ele encontrou os olhos de Danilo e começou a voltar em direção a ele, que havia parado de caminhar.

– O que foi soldado? - ele perguntou um pouco irritado.

– Estamos cansados, precisamos descansar uns minutos. - Danilo falou determinado, como se tivesse certeza que mesmo que Júlio não concordasse ele daria um jeito de conseguirmos descansar um pouco.

Júlio deu uma olhada em cada um de nós e concordou:

– Tudo bem. Descansem um pouco. Cada um tem uma garrafa com água dentro da mochila, mas não bebam tudo.

Me sentei ao chão como os outros e peguei a garrafinha com água que Júlio havia falado, tomei apenas dois goles e a guardei novamente. Quem sabe se não teríamos apenas isso de água pelos três dias?

Tinha me esquecido que Thomas estava lá também e só me lembrei da sua presença, quando ele veio andando rápido, claramente irritado, em direção a Júlio que estava encostado em uma árvore enquanto observava a todos.

Estava próxima a eles e graças ao tom de voz elevado de Thomas consegui entender o que ele dizia:

– O que eles estão fazendo? - apontou para todos nós.

Julio respondeu baixo e não pude escutar. Apenas entendi o que Thomas falou:

– Descansando? Você não tá falando sério — ele deu uma risada forçada — É assim que treina seus soldados? Deixando eles descansarem?

Novamente não ouvi a resposta de Júlio, mas ela fez Thomas sair ainda mais raivoso do que quando havia chegado e sentar-se em uma pedra enquanto esperava todos nós estarmos prontos para continuar.

Nesse meio tempo fiquei observando todos e não pude deixar de notar Danilo indo conversar com o irmão. Eles não estavam rindo ou se abraçando. Mas pareciam estar se entendendo muito bem. Devia ser bom ter alguém da família em meio a tanta gente desconhecida. A relação dos dois parecia ser tão bonita. Eu queria ter tido um irmão ou uma irmã.

Levantei de pé mostrando que já estava descansada e depois de alguns minutos outros fizeram o mesmo. Júlio, então, parou de conversar com Danilo e reassumiu sua postura de líder:

– Acho que já deu tempo para vocês descansarem, vamos seguir o caminho. Não estamos muito longe e temos que chegar logo para arrumar o acampamento antes que anoiteça.

Ninguém reclamou e todos saímos seguindo Júlio e Thomas. Danilo veio andar ao meu lado:

– Como você está?

– Bem e você? - respondi com um sorriso.

– Melhor agora. - ele deu uma piscadinha para mim e eu ri, dando a entender que tinha achado sua brincadeira engraçada. Mas eu sabia muito bem que não era bem uma brincadeira, ele estava falando sério, flertando comigo.

Dei logo um jeito de puxar um assunto ameno:

– Acho bonito você e seu irmão juntos. Queria ter tido uma irmã.

– É, agora eu acho legal ter um irmão mais velho para me apoiar. Mas quando eu era criança não gostava de dividir minhas coisas com ele.

Eu ri e não falamos mais nada o caminho todo.

– Chegamos — anunciou Júlio e muitos pareceram querer pular de alegria — Comecem a montar suas barracas enquanto eu vou buscar lenha e Thomas vai buscar água.

As barracas seriam usadas em dupla, e Carol tinha me convidado para ir com ela. Rapidamente pegamos a barraca da mochila e a desdobramos, tentando entender como ela funcionava:

– Você já montou uma barraca alguma vez na vida? - perguntei enquanto revirava a mochila em busca de um manual de instruções.

– Não e você?

– Também não.

Começamos a tentar desvendar como aquilo funcionava, mexendo de um lado ao outro e tentando olhar como os outros estavam fazendo. Tínhamos conseguido montar metade da barraca quando escutamos uma risada atrás de nós:

– O que vocês estão fazendo? - Danilo tentava controlar o riso.

– Não é óbvio? Estamos montando a barraca — respondi irritada com a barraca e com ele rindo de nós.

– Sinto em lhes dizer, mas está tudo errado — ele continuava rindo.

– Aff! Ninguém pediu sua opinião. - Gritei e voltei ao trabalho.

Ele parou de rir e se aproximou de mim e de Carol, pegando uma ponta da barraca:

– Deixe eu ajudar, já terminei a minha. -Ah! Que novidade! Ele havia sido o primeiro a terminar. - Essa ponta aqui é lá no outro canto...

– Como você sabe montar barraca? - Carol quis saber.

– Sempre acampávamos nas férias do papai.

Ele começou a pegar as pontas da barraca e virar colocando na posição certa, nós tentávamos ajudar, mas não sabíamos muito bem o que fazer.

– Por que vocês não vão ali no canto observar enquanto o bonitão aqui termina de montar a barraca das magníficas damas? Ajudaria muito mais do que ficar aqui atrapalhando.

Sabíamos que era verdade o que ele tinha dito, então desistíamos e nos retiramos para admirar sua destreza. Fiquei impressionada com a habilidade dele, realmente ele tinha prática naquilo.

Não percebi quando Júlio voltou, mas ele foi até nós:

– Já terminaram de montar sua barraca, soldados?

Não respondi nada, sabia que se falasse que sim ele iria querer ver e se falasse que não ele iria se irritar por não estarmos lá montando. Mas infelizmente Carol acabou respondendo:

– Danilo está montando para nós. - ela admitiu.

Júlio se virou e foi em direção a nossa barraca, onde Danilo estava.

– Danilo, venha aqui agora. - gritou ele.

Danilo, sabiamente, largou a barraca e veio em direção ao irmão, já sabendo o xingão que iria ganhar:

– Sua barraca já está montada, soldado?

– Sim, senhor. - era a primeira vez que eu via Danilo tratar Julio como um superior e não como seu irmão.

– Então se você já cumpriu sua tarefa, deixe os outros cumprirem a deles. Nada de ajudar! Assim nunca irão aprender — e se virando para nós — continuem a montagem vocês. E sozinhas!

Ele se retirou e voltamos à barraca, passando por Danilo que nos olhou e deu de ombros como se não se importasse por ter recebido bronca do irmão, mas se desculpasse por não ter conseguido terminar a barraca.

Agora que a barraca já tinha sido começada a ser montada corretamente estava mais fácil, e conseguimos terminar a montagem sem muitas dificuldades.

Quando estava completamente escuro, Júlio reuniu a turma ao seu redor:

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– Prestem atenção, vou ensiná-los a fazer fogo somente esta vez. Nas próximas vocês terão que fazer sozinhos.

Ele pegou algumas folhas secas e gravetos e fez um círculo, como se fosse um ninho de passarinho:

– Aqui é a onde ficará a nossa fogueira. - pegou pedaço de madeira maior e uma faca em seu bolso— devemos fazer um entalhe em forma de V nessa madeira, do tamanho em que caiba um graveto. - Depois que o entalhe estava pronto ele continuou a explicação — Embaixo dessa madeira que servirá como base, colocaremos uma casca de árvore que será onde as brasas irão ficar.

Ele se agachou em frente a madeira preparada, pegou o graveto entre as mãos e o posicionou no encaixe feito. Então olhou para nós para ver se prestávamos atenção e começou a girar o graveto entre as suas mãos, enquanto nos ensinava:

– Devemos manter o graveto pressionado contra a base o tempo inteiro. E devemos girá-lo para ambos os lados. - ele ficou girando o graveto cada vez mais rapidamente enquanto nós observávamos todos os detalhes — Fazer fogo exige habilidade e calma. Sempre demora até que comece a aparecer as brasas.

Era incrível como ele parecia ser tão experiente. Se eu ouvisse só a sua voz explicando teria certeza que ele tinha mais de 40 anos.

– Estão vendo a fumaça começando a sair? - ele levantou os olhos para nos perguntar. Dei uma olhada e fiz que sim com a cabeça. Realmente estava saindo um pouquinho de fumaça.

Depois de um tempo em que ele ainda continuava girando o graveto incansavelmente eu já achava que ele não conseguiria. Alguns dos meus colegas deviam achar a mesma coisa pois já não prestavam atenção e conversavam entre si. Dei uma olhada por tudo e vi Thomas sentado no escuro com uma faca, limpando suas unhas da mão. Ele parecia entediado e nem um pouco interessado em nossa aula.

– Pronto — a voz de Júlio me fez voltar a prestar atenção nele. - Agora vamos pegar a casca de árvore e colocá-la no ninho. - foi isso que ele fez e depois se abaixou, começando a assoprar a brasa. Ele parecia tão relaxado ali, assoprando. Parecia muito com Danilo e parecia também muito mais novo.

Por fim o ninho pegou fogo e ele terminou a aula.

– Hoje já é tarde, mas amanha vocês terão a oportunidade de tentar fazer também. - ele deu uma pausa — Como chegamos aqui mais tarde do que esperado, não tivemos tempo de arranjar comida. E a menos que alguém queira se arriscar na floresta escura, eu aconselho todos a irem dormir e buscaremos alguma coisa para comer amanha cedinho.

Mesmo estando com fome, eu preferia ir dormir assim do que sair de noite andando por ai. Pelo jeito meus colegas sentiam a mesma coisa e foram para suas barracas. Mas antes que entrássemos Júlio nos chamou uma última vez:

– Não podemos todos dormir e deixar o acampamento descuidado. Dois de vocês terão que ficar de vigia. Podemos começar com dois agora e mais tarde chamar outros dois. Algum voluntário?

Percebi que todos queriam mais era dormir de uma vez e eu, por incrível que pareça, não me sentia com tanto sono assim. Então decidi me oferecer:

– Eu. - disse erguendo o braço e olhando para Júlio. Ele não demonstrou reação nenhuma.

– Quem mais?

– Eu — Danilo também se voluntariou.

– Ok. Agora os demais podem ir para suas barracas. Mais tarde escolheremos dois alunos para serem os próximos vigias.

Sentei encostada em uma árvore de frente para a pequena fogueira que Júlio havia feito. Danilo sentou-se de frente para mim, para que pudéssemos vigiar cada um, um lado.

Júlio trouxe mais alguns gravetos de um monte ali perto e colou no fogo para aumentá-lo. Thomas, que até aquele momento permanecia sentado na mesma pedra que eu havia visto uns minutos antes, levantou-se e falou:

– Estou indo dormir. Vê se vigiem direito isso ai.

– Ficarei aqui vigiando com eles — disse Júlio — Não se preocupe.

Thomas foi para sua barraca, e ficamos nós três lá em silêncio, vigiando a noite e os perigos que a floresta escondia.