Naquela mesma noite, o futuro chegou. Peg esteve distraída e envergonhada durante todo o dia, mas eu estava até apreciando aquele jogo. Algo de animal e primitivo acordou em mim, meus instintos de caçador se aguçando enquanto eu sondava minha presa indefesa. Seria nossa brincadeirinha particular agora?

Tudo estava como sempre, jantamos, conversamos, mostramos interesse pela presença de nossos amigos. Mas eu sabia que estava acompanhado no calor de meu desejo. As mãos de Peg me provocavam, pousando distraidamente sobre meu rosto, meus braços, minhas costas, onde quer que elas pudessem tocar. E a cada toque, eu sabia.

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Sem pressa, nos deixamos ficar na cozinha. Não havia sentido em apressar a eternidade. Aos poucos, todos foram se retirando. Mel deu uma piscadela sugestiva para mim. “Missão cumprida”, os olhos dela me diziam, enquanto os de Jared voavam preocupados de mim para Peg. Mas eu não me importei. Isso não tinha nada a ver com ele.

Lily e Jamie ficaram por último. Lily estava animada com a possibilidade de ter de volta a sala de jogos. Ela estava feliz, quer dizer, o máximo que ela conseguia ficar nos últimos tempos, e Peg ficou contente em vê-la sorrindo. Eu também. A vida e o amor continuavam nas cavernas do Arizona. Alguns dos últimos humanos perpetuando a esperança no planeta. Algumas dezenas de humanos e duas Almas. E o meu futuro com a minha começava hoje.

Por fim, Jamie, que estava deitado no colo de Peg, se levantou e foi para seu novo quarto. Éramos só eu e ela agora. Sem desculpas, sem rodeios. Apenas nós e nosso desejo que irradiava pelas paredes de pedra dos corredores que percorríamos às pressas até nosso quarto.

Tomei Peg nos braços, o contato com o corpo dela instalando o caos nos meus pensamentos. Não havia nada de racional em mim agora. Eu estava faminto como um lobo.

Diante da porta, eu parei. De agora em diante, este seria nosso lar e eu queria que ela entrasse aqui do mesmo jeito que permaneceria para sempre: nos meus braços. Beijei-a com fúria, dando-me conta de que aquela era minha mulher. Toda a força do desejo que eu senti desde que comecei a amá-la culminava nesse momento.

Num movimento rápido, dobrei uma de minhas pernas no ar e coloquei Peg sentada sobre ela. Meus olhos encantados com os contornos do corpo que eu percorria com um das mãos. Usei a mão livre para empurrar uma das portas que tombou num baque surdo, pendendo sobre algumas caixas que tinham ficado atrás dela. Coloquei Peg sobre a cama, pousando seu corpo com cuidado, preocupando-me com a queda. Não queria machucá-la.

Uma lembrança menos feliz brotou em minha mente. Da última vez em que isso aconteceu. De como eu queria machucá-la então, quando meu coração estava em carne viva.

Voltei-me para rearranjar a porta. Os acontecimentos dos últimos meses voando rápido em minha mente. A dúvida se instalando novamente. Tudo em mim dividido entre essa mente que insistia em racionalizar e meu corpo que exigia o controle de tudo. A vida não era fácil para um homem das cavernas. Um Ian primitivo, aquele que eu guardava lá no fundo da minha cabeça, rugiu furioso para mim. Mas o cara bonzinho e honrado lembrou-o de que Peg ainda não tinha se apaixonado pelo lobo, apenas pelo cavalheiro. E era preciso isso para ela agora. Era preciso adiar mais um pouco minha felicidade para que ela pudesse estar feliz também.

— Peg, precisamos conversar – eu disse, odiando-me por esse sentimento infernal de que era preciso ser um homem de honra, quando tudo o que eu queria era libertar um animal. Maldita dupla personalidade!

— Ian, você acha que eu não sei o que está para acontecer? Que eu não sei o que eu quero?

— Não é isso, eu sei que sabe. E você não tem ideia de como eu me sinto quando você me diz que é o que quer... – Fechei os olhos, inspirando fundo, minha mão agarrando meu próprio cabelo num gesto automático, como se eu tentasse trazer o ar para minha mente em chamas. – Eu só não sei se você sabe o que isso significa para o nosso relacionamento do ponto de vista... humano.

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Será que você sabe que eu nunca me apaixonei de verdade antes? Será que entende que em todo este mundo só existe um lar para mim agora? Será que sabe que esse lar é você?

— Você acha que eu não sei lidar com os meus sentimentos humanos, Ian?

Bom, eu não sabia.

— Eu só quero fazer as coisas certas com você, Peregrina. Agir direito. Não sei se você sabe exatamente o que significa para mim. O que eu sei é que, por mais que te deseje, preciso que você entenda que com você é muito mais do que isso. Claro que seria maravilhoso finalmente estarmos juntos, mas talvez não seja a hora.

O Lobo Mau queria estraçalhar o Ian Bonzinho por ter dito isso.

Calma, Lobo! Ian Bonzinho também se odeia, mas ele precisa fazer a coisa certa!

Foi então que algo estranho aconteceu. Peg reconheceu o Ian bonzinho e quis gritar em alto e bom som que não era ele quem ela queria agora.

— Eu não sei por que você está me tratando como criança. COMO PODE SER? EU TENHO MILHARES DE ANOS HUMANOS, IAN! — vociferou, parecendo verdadeiramente furiosa. Eu nunca tinha visto isso! Tanta ira. Não fazia ideia de que ela a tinha em si.

Olha só! Quem diria, Chapeuzinho, você pode ser má também!

Eu a abracei, tentando tranquilizá-la, silenciar essa nova fúria porque meus próprios rugidos estavam altos demais dentro de mim. Os gritos cessaram facilmente, mas seus olhos eram duros quando ela os cravou em mim:

— Isso é só um corpo, Ian. Apenas um corpo jovem, mas a Alma que mora nele, a antiga alma peregrina pela qual você se apaixonou sabe muito bem o que está fazendo.

Eu nunca tinha visto Peg desse jeito. Nunca em todo esse tempo, no corpo de Mel ou no corpo de Sol, ela tinha estado tão possessa. Era uma nova mulher essa que estava diante de mim. Acho que íamos ter uma luta de lobos zangados!

Mordi os lábios quando pensei nisso, minha bela Chapeuzinho arreganhando os dentes e lutando contra o Lobo Mau. Eu sei que não era a hora, mas não consegui conter a risada, deixando-a absolutamente indignada.

— Você fica tão bonitinha quando está nervosinha! — disse eu, ainda entre risos.

Comecei a beijá-la: a boca, o pescoço, os ombros, qualquer parte que pudesse alcançar. As risadas entremeando os beijos. Aquilo a desarmou completamente e ela acabou rindo comigo, uma lágrima fujona se despregando do canto de seus olhos por causa das risadas.

Com a ponta do dedo, colhi a lágrima de seu rosto pousando-a no meu.

— Eu quero rir com você sempre. E roubar as suas lágrimas para elas serem só minhas e você nunca ficar triste. Eu te escolhi e, no que depender de mim, essa escolha é para sempre. Sabe, antes existia uma palavra para isso aqui na Terra. Casamento. Será que você entende que eu quero me unir a você por completo, enquanto você estiver aqui na Terra? Eu sei que isso é algo muito sério e vou entender se você disser que ainda não está preparada.

Bem, eu vou tentar, pelo menos.

— Eu também te escolhi. Eu, a alma Peregrina, que te ama completamente, humano Ian. Eu te disse que jamais teria outro companheiro, não importaria onde, nem quanto tempo vivesse. Eu te disse isso, Ian, quando nos despedimos. Como você pode ter esquecido?

— Eu não me esqueci, mas aquilo foi diferente. – Eu não sabia que aquela era uma despedida, não fui capaz de acreditar que minha vida estava mesmo prestes a ser virada do avesso. — Quando me disse isso você achava que não haveria outras vidas, muito menos esta vida, que você não teria saída. Que você... — Ia morrer. — Você fez Doc prometer não te trazer de volta.

A lembrança dessa descoberta era a mais dolorosa que eu tinha. Tive que virar o rosto porque não podia encará-la. Não nos olhos de Sol, que tinham trazido de volta a minha própria vida.

Senti o toque de sua mão delicada no meu rosto, a pressão suave enquanto ela me chamava de volta para si. Peg ajoelhou-se diante de mim, seus olhos em prece cravando-se novamente nos meus, procurando seu lugar, devastando minha resistência, consumindo minha sanidade.

— Quando te disse isso, eu tinha certeza de que não sobreviveria a você. E ainda não pretendo. Mas eu não te fiz essa promessa porque achava que não precisaria cumpri-la e sim porque eu escolhi este planeta. Esta é a minha casa e eu não vou sair daqui para nenhum outro lugar. Mais do que tudo, não vou a lugar nenhum nunca mais sem você. Isso eu te prometo agora. Que tal isso como um voto de casamento pra você?

Acho que estava bem para mim. Cavalheiro e lobo se juntaram, partindo em sua legítima demanda. Eu mal consegui encontrar minha voz, guardada agora num lugar secreto reservado apenas para quando a lógica e a racionalidade não mais sobrevivem.

— Acho que isso faz de você a minha esposa. E acho que eu agora preciso ser seu marido, Peregrina.

Avancei sobre ela, meu corpo tomado por uma força além de qualquer controle. Tudo o que eu queria era me livrar de qualquer coisa que impedisse o contato direto da minha pele com a dela, que pudesse desacelerar a força de ignição que me consumia.

Livrei-me de nossas roupas, arrancando as dela como se sequer existissem. Elas não eram nada, apenas uma camada de tinta sobre uma obra de arte que eu podia adivinhar mesmo sem ver.

Assim como eu imaginava, o corpo dela era lindo. Curvas sinuosas que minhas mãos percorriam com voracidade, seios firmes e perfeitamente redondos apertados contra o meu peito, a curva da cintura nascendo de seu quadril arredondado, a pele branca e lisa arrepiando-se sob o toque de meus lábios.

Eu podia sentir algo novo nascendo dentro dela, o corpo de menina inocente transfigurando-se no de uma mulher feroz, pronta a consumir mundos inteiros com seu fogo, com a força voraz de suas eras.

Nossos corpos encontraram um ritmo próprio, dançando uma dança só deles, à parte de nós, donos de quem nós éramos. Nem mesmo se quiséssemos, nem mesmo se disso dependesse todo o mundo, ou vários, conseguiríamos parar a força do vulcão.