Preciso fazer uma pergunta.” Téo estava sentado sobre a bancada e suas pernas impediam que eu fosse embora apesar de não estar tentando fugir, mesmo restando apenas nós dois na sala onde tínhamos acabado de ter aula de medicina legal. Todos foram convencidos (já que valia benditas horas complementares fundamentais para o diploma) a auxiliar na decoração do salão para o baile de máscaras e não teríamos mais nenhuma aula naquela sexta-feira.

— Estamos em um relacionamento aberto ou aquele beijo não vai se repetir? – seus lindos olhos de outono pareciam inebriados mais uma vez e evitei olhá-los ou o beijo se repetiria logo, logo. Com certeza, acabei por “irradiar” meus pensamentos porque Téo, delicadamente, segurou meu queixo e levantou meu rosto na direção do seu, obrigando-me a olhá-lo.

Não sabia como responder e, ainda mais, tendo que olhá-lo. Não tinha porque não beijá-lo novamente. O problema é o que ele estava pensando a respeito do relacionamento aberto. Não era porque queria ter vários homens ao mesmo tempo. Tinha motivos bem mais sérios, só que ele não tinha que saber e tratei de respirar bem fundo antes de pensar nisso.

— Ok. Preciso explicar uma coisa antes. – estava escolhendo as palavras. — Não tenho pretensão de conhecer outros homens. Só é aberto porque não temos obrigações um com o outro. Mas se você quiser...

— Só aceitei essa de relacionamento aberto porque é melhor do que nada e acho que você não ia aceitar ser minha namorada. Jane falou que você nunca teve um relacionamento sério. Não que eu não pretenda mudar sua opinião a respeito disso. – ele estava sugerindo que queria que eu me apaixonasse?!

— Vai ser quase como um namoro se não ficarmos com mais ninguém, certo? – concluí. — Só não vamos ficar o tempo todo juntos. – isso não podia mesmo acontecer. Era a regra principal! Se ficássemos juntos muitas horas, somando isso aos beijos, a chance de nos apaixonarmos era bem grande!

— Ok. Não vou roubar a sua vida, lindinha. – ele brincou. — Só uma parte dela, pode? – deslizou os dedos pelo meu rosto e alcançou a minha nuca. — Quando eu quiser te beijar... Tenho que pedir antes? – sorriu. Parecia estar se divertindo com isso.

— Hum... – murmurei enquanto passava os braços ao redor do pescoço dele. — Acho que seria bonitinho você ficar pedindo. – impliquei e suas mãos puxaram minha nuca até que nossos lábios se colidissem carinhosamente.

Téo segurou meu lábio inferior com os dentes e em seguida dominou a minha boca. Ele parecia faminto e isso me deixou do mesmo modo. Suas mãos percorriam as minhas costas e chegavam aos meus ombros para massageá-los delicadamente. Sua mão subiu e soltou meu cabelo deslizando os dedos pelas mechas. Puxei meus lábios de volta e encostei-os mais uma vez antes de me afastar completamente.

— Vou tentar descobrir mais alguma coisa sobre o meu tio. – acariciou meus braços enquanto falava isso e eu gostei. Seus toques, na verdade, eram muito agradáveis.

— Talvez não seja nada demais. Sei lá. Uma besteira entre famílias. – pegou minhas mãos e as beijou.

— Não acho. Minha mãe não se importaria tanto se não fosse sério. – congelei.

— Sério? Por sério você quer dizer perigoso? - abaixou a cabeça e senti que havia algo o preocupando. Não estava lendo a sua mente, estava sentindo suas emoções. — Fale Téo.

— Pode ser, mas só se ele descobrir. Não precisa ficar preocupada. Não vou deixar que nada te aconteça.

Não! Ele tinha feito uma promessa de que me protegeria. Isso não era coisa de um relacionamento aberto e não queria que ele se arriscasse por mim. Isso nunca devia ter começado, não é? Sabia que tínhamos muitos segredos e seria difícil não nos envolvermos demais.

— Não acho que você deva se envolver nisso, Téo. – afastei minhas mãos suavemente. — Basta não falar meu nome e estará tudo certo.

— Não. Se você tem um inimigo, tem que ataca-lo e não ficar na defensiva. – ele aconselhou. — Quer ser pega de surpresa? – ele desceu da bancada.

— Não concordo com isso. – fiz a expressão mais séria que podia e mostrei a ele. Téo sorriu.

— Você ainda não percebeu que eu adoro essa sua cara? – me deu mais um beijo rápido e saímos da sala.

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Mais uma vez estava indo fuxicar as caixas da vovó. Nunca tinha entrado tantas vezes lá e era a segunda vez que fazia isso em duas semanas. Só que não tinha escolha. Precisava saber se existia algo sobre aquela mulher, quer dizer, fantasma que usurpou meu corpo por alguns instantes.

Estava cansada e, por isso, me sentei o mais próximo possível de várias caixas para não ter que ficar me movendo de um lado para o outro. A única coisa que queria muito era encontrar logo uma resposta. Que fosse breve a minha busca.

Se fosse esconder minhas coisas, onde colocaria? Era difícil decidir isso quando todas as caixas de papelão eram idênticas, ou seja, sem-graças. Por outro lado, podia imaginar um pouquinho. Se quisesse esconder algo ou muitas coisas (já tinha encontrado um envelope ultrassecreto que devia estar escondido por uns quatorze anos), não os colocaria em um mesmo lugar. Um pouquinho em cada caixa e, isso me fazia ignorar aquela onde encontrara o livro espelho com a carta. Genial! Tinha eliminado uma caixa.

Levantei, fechei os olhos e girei contando até dez, a direção onde parasse indicaria a caixa a ser aberta. Ok. Agachei-me e tirei tudo lá de dentro. Retratos, livros sobre plantas, pedras e uma caderneta de desenhos. Folheei um por um e, como se fosse um presente dos deuses, tinha sido realmente bem breve a minha procura. Nem conseguia acreditar, mas estava lá, em um dos rascunhos da vovó.

Ela desenhara o fantasma que roubou o meu corpo. Exatamente como eu a vira. Os cabelos, bem parecidos com os nossos, os olhos com manchas e alguns machucados que vovó representara com a cor vermelha. Era assim. Preto e vermelho. As únicas cores usadas. E a mulher tinha os braços virados na direção de quem o visse como se fizesse um convite.

Será que também roubara o dela? Ou será que eram conhecidas? Talvez fosse alguma ancestral bem antiga na árvore genealógica. Arranquei a página da caderneta. Não tinha nenhum nome para que pudesse identificar aquela mulher. Bem... também não podia exigir tantas informações assim da vovó quando ela, mesmo estando morta, estava se comunicando melhor comigo do que outras pessoas (como por exemplo a mamãe).

Pensar nisso me deixou muito chateada. Por que eu tinha que buscar respostas em caixas? Por que minha mãe mentira para mim durante todos esses anos? Não podia perceber o meu desespero ao ter o mesmo pesadelo várias vezes? O que mais seria mentira? Sentia-me traída e desolada por não poder confiar na minha própria mãe.