Diário da Madalena

Puseram-me uma camisa de força e me enfiaram numa sala branca, acolchoada, própria para idiotas. Aquilo era um insulto! Para onde eu olhava só havia paredes brancas. Aqueles idiotas me tratavam como se eu fosse um cão feroz que deveria se acalmar. Eu odiava tudo aquilo e passava a maior parte do tempo me jogando nas paredes e xingando a tudo e a todos.

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Eles disseram, no entanto, que se eu me comportasse, me tirariam dali.

E eu só conseguia pensar que deveria ter feito valer a pena. Deveria ter estourado os miolos daqueles dois ao invés de ficar fazendo medinho neles. Eu não poderia ficar ali, sendo humilhada, sabendo que Valentina e Berg estavam sendo felizes juntos.

A minha única esperança era de que a bala que eu acertara no estômago da anta drogada fizesse algum efeito. Qualquer sequela me deixaria feliz.

Já fazia um mês. Ninguém vinha me visitar, nem mesmo meu pai, minha mãe ou minha madrasta. Eu vivia sob a atenção daqueles médicos que sempre me fiscalizavam para ter certeza de que eu estava tomando os remédios. Diluíam todos em água e eu era obrigada a tomá-los.

Eu deveria fazer alguma coisa. Eu queria reconquistar minha liberdade. Eu queria até mesmo o tapado do Richard de volta.

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Diário do Berg

Agosto. Volta às aulas.

Valentina e Ludi estudariam na mesma escola que eu: Ludi e eu retomaríamos o primeiro ano do ensino médio enquanto Valentina, um pouco atrasada nos estudos, terminaria o fundamental naquele ano. Eu sabia que lá agora seria diferente, pois não teríamos mais a Madalena. Ludi estava ainda abalada com a morte da mãe, sem ânimo pra nada e, aos poucos, com o nosso apoio, ela retomaria sua vida normal. Tentávamos distraí-la o quanto podíamos. E. talvez, a nova escola fosse uma boa distração.

—Aquela é a diretora. O nome dela é Gilda, mas a galera sacaneia chamando ela pelo nome verdadeiro, que ela detesta. — comentei, apontando discretamente para ela, enquanto ela tomava café num copinho descartável.

— Como é? —perguntou Valentina.

— Astrogilda.

— Credo! — espantou-se Ludi.

Os professores convocaram todos os alunos no pátio para uma reunião. Comecei a apresentar as meninas para os meus amigos, Juliana, Eri, Rafaela, Bruna e Jackson. Juliana deu um abraço na Valentina. Pareciam que elas já se conheciam há anos.

— Liga não, amor. É o jeito dela. — falei. — Juliana é bem receptiva, adora fazer amigos.

—Amor? — Eri se espantou.

—Ela é minha namorada.

Eles ficaram de queixo caído. Não queria me gabar nem nada, e tampouco sair contando vantagem. Isso é coisa de gente idiota.

Continuando, não estávamos levando a sério o comunicado da Astrogilda, mas uma palavra que escutamos, solta chamou nossa atenção: Greve.

Isso mesmo. Os professores entrariam em greve.

Pela primeira vez dentro daquela meia hora no pátio, decidimos parar e ouvir o comunicado de Astrogilda:

—Muito bem, alunos. Se o governador não atender as nossas exigências, isto é, o que é nosso de DIREITO, até o fim da semana entraremos em greve. No entanto, precisamos da ajuda de vocês para uma manifestação que acontecerá nesta quarta-feira.

Nós, alunos da Escola Isadora Quevedo estávamos prontos para defender nossos professores.

Bem, esse direito que a diretora falou, tratava-se do piso nacional que era e é até hoje é direito de todos professores do Brasil, e no Ceará não estava sendo cumprido corretamente.

Nessa semana antes da greve, as aulas eram apenas sobre a greve e cada uma terminava quinze minutos mais cedo. Era o que os professores chamavam de “operação tartaruga”. Eles e todas as escolas do estado estavam entrando em greve aos poucos. Alguns alunos ficavam felizes por estarem saindo cedo. Não vou mentir, eu também. Mas os dois meses em casa sem fazer nada me deixavam em um tédio só.

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Meus amigos e eu fomos a várias mobilizações. Na maior delas, alguns professores chegaram a “acampar” no prédio da casa legislativa. Outros ficaram feridos depois do confronto com a polícia, quando tentaram invadir o plenário. Pelo menos três professores estavam fazendo até greve de fome. Essa greve foi uma das maiores da história. Mobilizando o estado e até o país no ano de 2011.

Depois de quase dois meses, durante uma assembleia entre os deputados e os professores, decidiram por suspender a greve. Fizeram um acordo e as aulas foram retomadas.

No entanto, eu sabia que algum dia os professores poderiam voltar a ficar de greve de novo. Suas exigências não foram totalmente atendidas: lamentável.

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Diário da Andreza

Aos poucos as coisas estavam voltando aos seus eixos. Voltei ao meu trabalho na Mofoville. Fernando me dava a atenção que toda mulher desejava, porém eu o considerava apenas como um bom amigo.

Era isso que eu queria: voltar a ser uma pessoa normal, com seus problemas, com suas alegrias. Minha alegria era Débora, e eu não trabalhava só por que eu gostava, mas sim por que eu queria dar um futuro pra ela. Enquanto mexia em todos aqueles botões eu pensava no quanto seria bom para a minha filha crescer com um pai, uma mãe, irmãozinhos talvez... Mas Rafael era um garoto muito imaturo. Por trás dos seus dezoito anos de idade recém completados eu via nele um menino que ainda não havia crescido.

Meu corpo estava nas pick-ups e na pista de dança. Mas meu pensamento, entretanto, estava no futuro, nas diversas formas em que poderiam ser o futuro da minha pequenina Débora.

— Algum problema Andreza? — Fernando interrompeu meus pensamentos.

— Não, não. Só eu pensamento está um pouco distante.

— Mas atenção. Já é a segunda vez que você repete a música da Madonna.

— Ih — minha cara quando reparei no meu erro. Pude perceber que as pessoas, na pista de dança, não mais dançavam. A música estava repetitiva.

Coloquei outra música. Fernando disse:

—De repente me deu uma vontade de dançar! Dança comigo, a gente deixa o Marquito tomando conta. Vamos, vai? É só essa música!

— Ah, eu tô trabalhando, Fernando!

— Esqueceu que eu sou seu patrão? E além de tudo nós somos amigos.

Fernando me puxou pelo braço. O outro DJ, o Marquito, assumiu o comando e fomos para a pista da área VIP da Mofoville.

— Que bom que você aceitou! Agora sacode o esqueleto!

— Aceitei? Você praticamente me obrigou né? Mas como resistir a uma música contagiante dessas?

— Como resistir a você, Andreza!?

— Oi?

Fernando tascou-me um beijo. Um beijo roubado e inesperado. Eu não queria corresponde-lo; eu queria me soltar dos braços dele, eu ainda estava me sentindo ligada a Rafael, apesar de tudo. Eu não queria.

Então, uma voz bem conhecida nos interrompeu:

— Então é assim que você trabalha?

— Rafa?!

— Como esse cara conseguiu barrar a segurança hein? —Fernando perguntou a si mesmo.

Rafa, por sua vez não deixando pouco, acertou um soco no rosto de Fernando. Ele revidou e logo os dois estavam brigando feio. Nem por isso a música parou.

— Ela é minha, seu filho da puta! — Fernando gritava enquanto apanhava.

— Ela não é um pedaço de carne, idiota! — Rafa deu mais socos no dono da Mofoville.

Os dois passaram a rolar no chão, desferindo socos de todos os tipos e em todos os lugares. Algum santo resolveu chamar a polícia, que fazia ronda por perto. Tempo depois a festa acabou e eu e meus pretendentes fomos parar na delegacia.

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Diário da Madalena

Outubro. O que aconteceu lá fora durante esses meses todos?

Eu não tinha direito nem a uma televisão, mas pelo menos eu estava fora do quarto branco. Fui uma boa menina nesse meio tempo. Fiquei sabendo que meu pai veio me visitar, mas teve uma crise de choro e não pôde me ver, pois não queria que eu o visse chorando.

Eu nunca vi meu pai chorando. Eu, desde pequena, sempre achei que ele não tinha lágrimas, que não sentia dor. Ele sempre fora, apesar de tudo, um herói. Quando ele me obrigava aqueles remédios, no entanto, ele se transformava num vilão malvado.

Fiz um amigo lá. Seu nome era Noel. Foi até por instinto ou obrigação, pois era com ele quem eu mais tinha contato ali. Ele era enfermeiro, e sempre tinha atenção para todas as suas pacientes que cuidava. Dra. Rita Padilha, a psiquiatra chefe, sempre o repreendia por ser tão atencioso conosco.

Mesmo sendo bem tratada, tomei uma decisão: eu tinha que fugir daquele hospício! Só não sabia como.

— Madalena. Tem visita aí pra você. —avisou Noel, para a minha surpresa. Seria meu pai?

Na verdade, não era ele. Era a última pessoa que eu esperava encontrar ali: Berg.

—Você? —perguntei, em tom de espanto, ao chegar na sala de visitas. Estávamos sendo vigiados por alguns seguranças do hospício.— O que veio fazer aqui? Zombar da minha cara?

— Por mais estúpida que você seja, não. Eu não vim zombar da sua cara. — respondeu ele. — Vim te dar a chance de se redimir.

Berg estava calmo, mais tranquilo do normal. De repente, me lembrei de algo:

— E por que eu faria isso? Não vai dizer que... aquela bala nas entranhas da sua namoradinha fez algum efeito? — ri sarcasticamente — Espero que ela esteja morta. Ela está. Não é?

Berg não respondeu a minha pergunta, mas continuou com seu papo de bom samaritano:

— Parece que você não refletiu por todo esse tempo em que esteve aqui. Sabe, Madalena... eu amadureci muito desde o dia em que eu te conheci. Eu reconheço que agi com infantilidade várias vezes com você, mas nada justifica usar de violência, desafiar a justiça só pra querer se dar bem... Você vai saber um dia que não é desse jeito que você vai se dar bem. Mas eu vim aqui te pedir desculpas, e pra ficarmos quites, caso você esteja disposta a pedir desculpas também, eu vou aceitar.

Eu sorri falsamente pra ele, e lembrei-me que faltava um dente na minha boca. Por culpa dele e daquela sua amiga idiota. Fechei a boca e virei a cabeça para o lado, olhando para baixo.

—Você acha que pode resolver tudo com um simples pedido de desculpas? Olha o meu estado seu filho da puta! Olha aonde eu cheguei por te amar. Tudo por te amar! — vociferei, as palavras saíam da minha boca como se eu já não controlasse minhas cordas vocais.

—Você nunca me amou, Madalena. Tudo o que você queria era um namorado. Ou melhor: uma pessoa que você pudesse mandar e desmandar. Você achou que eu tinha esse perfil, mas achou errado. No começo até sim, mas hoje em dia eu sou bem diferente daquele garoto que apanhava na escola.

— Eu queria te esquecer, Berg. Mas eu não consigo. EU DESEJEI DO FUNDO DA MINHA ALMA PARA QUE AQUELA DROGADA DA VALENTINA MORRESSE. COMO EU QUIS! COMO EU QUIS!

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Outras pessoas na sala de visitas olhavam para mim. Alguns enfermeiros me seguravam à força para que eu não atacasse o Berg. Eu me sacudia nos braços deles para que eles me soltassem. Meu desejo era esganar, apertar o pescoço daquele nerd.

— Mas a Valentina não morreu. E todo o amor que eu poderia te dar, caso você fosse uma pessoa normal, eu vou dar a ela e aos meus futuros filhos. Adeus Madalena. Eu juro, eu juro por Deus que tentei conversar com você.

— Eu um dia te pego. Eu mato todos vocês. Todos!


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Diário do Berg

Mesmo com Madalena tendo um ataque nos braços dos enfermeiros, eu me aproximei dela. Tirei do meu pescoço um colar, cujos pingentes eram uma pimentinha, um olho de boto, um saquinho de dinheiro e uma ferradura. Ele significava muito pra mim, pois foi nele que muitas vezes eu confiei minha sorte.

— Toma, Madalena. Isso aqui vai te dar sorte. Quando você se recuperar, eu volto a falar com você. —falei, colocando o cordão no seu pescoço. —Agora eu vou viver a minha vida, com as pessoas que eu amo.

— Eu não sou louca! Eu não sou louca!

Dei de costas e fui embora. Pude ouvir os gritos de Madalena cessarem a medida que eu me afastava.