A Flor da Carnificina

Capítulo 17 - Mãe


Jaqueline Luson estava vestindo apenas um casaco de couro e a parte de baixo de um biquíne. Havia um fotógrafo descêndente de japoneses, que mandava a garota fazer poses, para que ele a pudesse fotografar.
– Ela é minha galinha dos ovos de ouro - Falou um homem, com a barba por fazer e cabelos negros com um toque grisálio.
– Ela é linda mesmo! - Falou o fotógrafo, que tinha uma voz afeminada.
– Quando vamos terminar aqui? - Perguntou Jaqueline, que estava sentada em uma cadeira azul acrílica.
– Só falta mais uma foto - O fotógrafo disparou mais um click, e o flash fez Jaqueline piscar os olhos castanhos pequenos. - Poxa, jaque! Mais uma vez - mais uma vez o flash foi disparado, mas desta vez, a garota não piscou. Nas fotos, Jaqueline sempre colocava as costas do braço embaixo de seu ventre, onde ela tinha uma cicatriz, que era pra ela a dúvida que sempre a fazia chorar antes de dormir - Pronto!
Jaqueline, que só usava a jaqueta, pegou uma blusa preta de mangas cumpridas que estava pendurada em uma arara, e entrou em um trocador para colocar sua blusa, não poderia deixar aquela cicatriz descoberta.
– Tem certeza que ela vai voltar pro Brasil? - Perguntou o fotografo.
– Eu não queria, mas ela insiste. Está com saudades dos pais... - O homem pegou um cigarro no bolso da calça, e acendeu.
– Se eu fosse você, não deixava. Ela tem todas as oportunidades aqui nos Estados Unidos. E se ela voltar, eles podem se esquecer dela. Fala-me Deus - Falou o fotografo, apoiando o cotovelo do braço esquerdo nas costas do braço direito.
– Seji, fique calmo. Eu não vou deixar a estrela da minha vida se apagar. Olha ela aí. - Jaqueline apareceu usando a blusa que havia pego e uma calça jeans desbotada.
–Eu ouvi vocês falando sobre a minha ida para o Brasil. Seji, você também é Brasileiro, e seus pais ainda moram lá, não sei por que esnoba tanto seu país de origem.
– Porque desde o momento que eu saí de lá, desatei os nós - Os dois homens riram, mas a garota permaneceu séria.
– Eu vou voltar porque sinto falta dos meus pais, das minhas irmãs, e eu tenho coisas para resolver.
– Hm, você está sabendo dessas coisas, César? - Indagou o fotógrafo.
– Ela é bem reservada, mas se ela quer resolver, que resolva - O homem pegou a garota pela cintura e a abraçou por trás.
– Vocês são tão lindos juntos! Pensam em filhos? - Jaqueline engoliu seco. Não gostava quando perguntavam à ela sobre filhos. Ela tinha marcas, tinha uma cicatriz, pra quê a torturarem mais deste jeito.
– Deixa pra quando voltarmos do Brasil, quero cuidar dos filhos aqui. É mais seguro.
– Eu vou comer alguma coisa, estou com fome. Seji, quando a revista mandar as fotos de volta, me avise. Quero vê-las antes de viajar. - A garota se soltou do abraço e desceu as escadas do local onde estava.
A garota tinha os cabelos lisos, tingidos de loiro platinado na altura do queixo, e seu rosto era marcante. Ela havia iniciado sua carreira de modelo aos 16 anos, quando foi chamada por uma agência, desde então ela vivia viajando mundo a fora. Quando tinha 20 anos conheceu César Luson, um empresário brasileiro que deu certo nos Estados Unidos. O homem era 15 anos mais velho que ela, e como ele estava apaixonado, e ela queria um lugar fixo para morar, aceitou casar com ele. E agora que tinha 22 anos, queria muito voltar ao Brasil para encontrar a filha que ela teve aos 14. Mesmo que depois de ter entregado a filha para a avó paterna e ter aproveitado sua adolescencia, havia uma ferida, ou melhor uma cicatriz que sempre a fazia lembrar da filha. Queria saber como ela era, se era parecida com ela ou com o pai. No fundo, ela queria ter o carinho da filha desconhecida.

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Marli havia acabado de chegar do emprego noturno, quando ela limpava a escola onde trabalhava. Carolina estava fazendo o dever de casa sentada à mesa, e ao ver a neta se dedicando a escola, sorriu.
– É dever de quê, Carol? - Perguntou Marli, trancando a porta.
– De matemática. Eu não gosto muito, mas sei que o Fábio adora matemática - Falou Carolina, usando Fábio intencionalmente para instigar a ''mãe''.
– Ah sim, eu sei bem que ele gosta de matemática, porque pra gostar de contrar o dinheiro da mãe e roubar o dinheiro da mãe, tem que ser muito bom mesmo em matemática. - Marli abriu a geladeira e pegou um pote com a comida do almoço, depois pegou uma panela e despejou o conteúdo do pote na panela.
– Você devia perdoá-lo...
– Continue seu dever, e quando terminar, vai tomar banho para jantar - A garotinha bufou e fechou o caderno, indo até o banheiro acatar o pedido da mãe.
Marli ligou o fogo e começou a mexer na comida que estava na panela, mas de repente, sentiu uma dor muito forte no pé da barriga. Tentou ignorar, mas foi ficando ainda mais forte, e ela não aguentou, deixou a colher de pau que segurava para mexer a comida cair no chão, e ela também caiu, gritando de dor.
Carolina, que havia apenas retirando sua blusa, a vestiu de novo, e foi ver o que tinha acontecido com a mãe. Quando viu a mulher caída, Carol começou a gritar desesperada. Marli havia desmaiado de dor, e Carolina não sabia o que fazer.
Então, a menina teve a ideia de ir até a casa da mãe de Sara, ver qual ajuda a mulher poderia prestar naquele momento, tudo para que sua ''mãe'' não morresse.
A mãe de Sara e seu marido foram até a casa, e viram a mulher caída, desacordada. O marido pegou a Marli no colo e foi até seu carro, iria levá-la para um hospital. Carolina insistiu em ir, mas a mãe de Sara a abraçou, dizendo que ia ficar com ela, e que nada iria acontecer com sua ''mãe''.
– Ela está morta? Eu... não... vi... ela respirando - Falou Carolina, entre soluços.
– Ela desmaiou, querida. Não se preocupe, ela vai ficar bem. Pode ter sido apenas uma queda de pressão, e daqui a pouco ela vai estar aqui conosco. Você quer dormir lá em casa, ou quer que eu durma aqui?
– Pode ser na sua casa. Vou... pegar uma roupa. - A garota foi até o quarto que dividia com a ''mãe''. Ela queria muito que Fábio estivesse passando por isso com ela, não queria enfrentar que o desmaio da mãe fosse algo sério. Carolina abriu a gaveta onde estavam suas roupas de dormir, mas por um ímpeto, abriu a da mãe, queria dormir com uma roupa dela. Quando pegou a primeira blusa que viu pela frente, percebeu que um papel dobrado caiu. Carol abriu e sentiu que se não tivesse sido Deus quem colocou aquele papel, ela era então a pessoa mais sortuda do mundo. No papel estava escrito o número de Fábio, e era o que ela precisava naquele momento.
A menina correu até o telefone e discou os números pedindo para todos os santos que o ''irmão'' atendesse a ligação.


Fábio fumava tranquilamente, encostado na janela de seu apartamento. Ainda não havia posto seu plano em prática, então ainda tinha que vender as malditas drogas de Patrick. Ele não havia se drogado naquele dia, um desejo estranho em seu coração o pediu para que não fizesse isso, e ele não fez. Quando ia jogar a guimba do cigarro no cinzeiro, seu celular começou a tocar no bolso. Ele não ia atender, ele tinha certeza que era Patrick ligando para encher o seu saco. Ignorou.
Então, saiu de perto da janela e jogou a guimba no cinzeiro. Ele sentia muito a falta de Isaac, estava começando a sentir carência, e pra ele era a pior coisa que o ser humano podia sentir, depois da culpa. Mas, seu celular voltou a tocar, e ele já estava pronto pra mandar Patrick ir pro quintos dos infernos, quando viu no visor que era o número da casa de sua mãe.
– Alô? - Falou Fábio.
– Fábio... por favor... vem pra cá... Eu preciso de você. - Falou Carolina, do outro lado da linha, soluçando.
– Carolina?! O que houve?
– Vem! Agora! - Fábio desligou o telefone, pegou as chaves e saiu fedendo a cigarro.
Quando chegou na casa, viu Carolina sentada no sofá, e a vizinha sentada no sofá da frente. O portão estava aberto, então ele entrou.
– Carol! - A garotinha correu para abraçá-lo ao vê-lo, e ele retribuiu o abraço - O que aconteceu? Cadê a mãe?
– Ela passou mal, meu marido levou ela para o hospital, mas ele ainda não ligou. Eu fiquei aqui com ela, ela disse que havia te ligado, então não iria precisar ir para a minha casa.
– Pode deixar que eu fico com ela. Quando seu marido ligar, liga pra cá, se for preciso eu vou até o hospital.
– Tá bem. Qualquer notícia eu ligo.
Quando a vizinha saiu, Fábio sentou no sofá, e colocou Carolina em seu colo. Ainda bem que não havia bebido nada, nem cheirado nada.
– Você está fedendo, mas ainda sim é melhor do que ficar sem você - A garota abraçou forte o ''irmão'' enquanto ele acarenciava os fios castanhos ondulados da menina.
– Eu estava fumando, Carol. Me fala, o que houve com a mãe?
– Eu fui tomar banho e ela simplesmente gritou e caiu desmaiada, não quero que ela morra...
– Ela não vai morrer, tá? Será que tem alguma roupa minha por aqui, eu que preciso de banho.
– Tem sim. Tem uma blusa sua aqui, veste ela.
– Tá bem. - Fábio levantou do sofá e colocou a menina no chão. Foi até o quarto e pegou a tal blusa, e quando ia entrar no banheiro, ouviu Carolina chamando-o.
– Eu estava morrendo de saudade de você, Fábio.
– Eu também, Carol - Ele deu uma piscadela para a garota, e entrou no banheiro. Ele sentia falta daquele abraço apertado que só a filha tinha. Seria perfeito demais ter Carolina e Isaac por perto, ou ele tinha um ou tinha outro.

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Marli estava deitada em uma maca branca de ferro, e sentia a grande luminosidade em seu rosto. Ela olhou em volta e viu outras pessoas deitadas em macas. Tentou ficar sentada, mas seu ventre doía muito, então ela se manteve deitada.
– Senhora Marli Malta? - Perguntou um homem loiro e alto, parecia alemão.
– Sou eu. - Respondeu a mulher, segurando a dor.
– Eu sou o doutor Kristovam, me desculpe pelo sotaque, mas eu sou da Alemanhã, em Brasil há poucos.
– Tá bem, o que eu tenho? - Perguntou Marli, dispensando apresentações.
– Alguém de seu família está aí? - O médico errava na hora de falar o português.
– Não... sei... Na verdade não, eu só tenho uma filha de 8 anos.
– Tá bom... A senhora está sentindo dores?
– Sim...
– Onde exato?
– No abdomêm, embaixo da barriga... Uma dor horrível! Eu sinto ela há alguns meses. Minha menstruação vem excessivamente, e dói pra caralho quando eu vou urinar.
– Vou internar a senhora e fazer alguns exames. Posso examiná-la agora?
– Por favor... acho que estou aqui pra isso.
– Vou fazer o pedido para internar a senhora. - Marli revirou os olhos, ela queria estar em casa com a neta, e não ali sentindo aquela dor infernal. Se perguntava onde estaria Carolina, e como ela chegou até ali. Torcia intensamente para que Fábio não estivesse com a filha, e não aproveitasse a oportunidade para tirar a garota de avó.
De repente, o marido de sua vizinha apareceu no local, e sentou na poltrona que tinha ao lado de sua maca.
– Você está melhor, dona Marli?
– Não... - respondeu ela, ríspida. - Foi você quem me trouxe?
– Foi... Eu vou esperar pra liberarem a senhora.
– Não precisa, eu vou ficar internada para saber o que causou essa dor. Pode ir pra casa, mas peça a sua mulher para cuidar da Carolina enquanto eu estou aqui, tá?
– Pode ficar sossegada, ela já está cuidando dela desde já.
– Então tá bem... obrigado por ter me salvado. - O homem sorriu e saiu.


Fábio havia preparado um lanche para a filha que estava acordada tarde da noite. Ele nem fazia ideia que a menina teria que ir para a escola no dia seguinte, mas ele queria aproveitar aquele momento com a filha que quando viu pela última vez quase foi preso.
– O meu nescau é gelado - Gritou Carolina, que estava na sala assistindo televisão, agarrada com a blusa da mãe. O choro foi cessado quando ela viu Fábio, mas não queria que sua mãe morresse, queria saber dela, se ela estava bem.
– Você puxou isso de mim - Fábio falou baixo, enquanto tampava o pote de manteiga que usou para passar no biscoito cream cracker.
– Toma, princesa Carol - Falou Fábio, colocando o prato do lado da menina no sofá, e entregando o copo na mão dela.
– Obrigado, Fábio. - O rapaz observou a menina comer. Ela tinha as feições da mãe, pelo menos o que ele lembrava dela, mas o cabelo e os olhos expressivos eram dele.
– Eu queria saber notícias da mamãe - Falou Carolina.
– Eu também... eles não devem ter nos ligado porque acham que nós estamos dormindo.
– Será? Espero.
De repente o telefone tocou e Fábio foi atender. Era o vizinho avisando que Marli iria ficar internada. Ele deu o endereço do hospital para Fábio, e desligou.
Carolina tinha os olhos entretidos na conversa do ''irmão'' com o vizinho pelo telefone, e assim que Fábio pôs o telefone no gancho, ela não resistiu em fazer perguntas.
– Olha Carol, a mãe ficou internada, e só amanhã, ou melhor, hoje iremos vê-la. Ela está bem... - Ele mentiu. Não fazia a menor ideia se ela estava bem ou mal, mas queria tranquilizar a filha.


Marli acordou cedo, ou melhor, não conseguiu dormir. Assim que o vizinho foi embora, ela foi encaminhada para fazer todos os tipos de exame, tanto exame de sangue, como ultra-som. Os resultados ficaram com o médico que lhe atendeu, e ele prometeu lhe dizer o que havia acontecido até o final de seu plantão. Ela, ansiosa, percebeu que nem havia amanhecido ainda. A paciente ao lado tinha um relógio digital no pulso, e Marli esticou sua cabeça para ver que horas eram: 5:50 da manhã, hora de Carolina acordar para se arrumar pra escola. Pensou se a ''filha'' já estava acordada, ou se tinha conseguido dormir. Queria tanto poder se aninhar perto da menina, mas iria dar tudo certo, ela iria sair dali rindo ao saber que seu diagnóstico era gases.
O médico alemão, ao passar pelo corredor viu que a paciente já estava acordada. Então entrou no quarto e aproximou-se dela,com papéis e o ultrassom que ela havia feito.
– Bom dia, conseguiu dormir? - Perguntou o médico.
– Não. E você? - Perguntou ela, irônica.
– Não - Ele riu - O fuso horário atrapalha, mas eu já me acostumando.
– Entendi. Então, o que eu tenho. - O médico apertou os lábios e sentou na poltrona, ele havia se formado em medicina há pouco tempo, e nunca deu nenhum diagnóstico tão sério quanto aquele. Lembrou que a mulher havia dito que tinha uma filha de 8 anos, e pensou na menina, então formulou uma resposta menos agressiva.


Jaqueline havia ido para a festa da irmã dele. Ela se sentia mal em estar ali, queria que as horas passassem rápido e ela fosse logo para o Brasil procurar pela filha. A cunhada estava fazendo 50 anos, e toda aquela celebração a deixava com nauseas. Era ótimo ser jovem, para quê comemorar meio século de vida? Era rídiculo. Então, despistou o marido dizendo que ia para casa mandar um email para uma modelo amiga que iria chegar no dia seguinte, o que era mentira, óbvio, ela só queria sair daquele ambiente.
Quando chegou em seu apartamento, começou a chorar, como fazia de praxe. Retirou rápidamente o vestido azul longo que vestia e ficou apenas de lingerie, chorando em frente ao espelho, enquanto retirava a maquiagem. Aquele passado a assombrava demais. Ainda com a cara borrada pelo resto da maquiagem, ela pegou seu notebook e pesquisou pelo nome Fábio Malta. Um milhão de resultados, nenhum que ela quisesse. Depois pesquisou por Marli Malta. A mesma coisa, nada que a interessasse.
– QUE MERDA! - Esbravejou para o nada. Então pegou seu celular e ligou para a mãe no Brasil. Sabia que estava de madrugada por lá, mas queria conversar com alguém. Não iria falar sobre a filha com a mãe, porque sabia a reação que essa iria ter sobre esse assunto, mas queria sentir o carinho da voz que só sua matriarca tinha.

– Bem... Segundos seus exames, eu sinto lhe informar que a senhora tem um câncer na região do útero. E por não ter sido cuidado, ele cresceu e tomou 80% do local. Eu vou te indicar a químioterapia, mas a solução definitiva para isso será retirar o seu útero. - Marli olhava abestalhada para o médico. Gostaria que aquilo fosse mentira, brincadeira, mas era sério demais para ser brincadeira.

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Carolina, que dormia no colo de Fábio no sofá acordou assustada. Ela havia sonhado que a ''mãe'' havia morrido, e que a culpa era dela. O ''irmão'', que estava cochilando, acordou rápidamente ao ver a menina chorando sem seu peito.
– Eu tive... a minha... mãe... morreu - Ela começou a soluçar novamente.
– Calma, filha... - Ela nem se quer ouviu o que ele havia dito, apenas se aninhou no peito dele, enquanto ele acarenciava seus cabelos, a fazendo dormir novamente, enquanto dizia para ela não se desesperar, porque ele estava ali.