P.O.V America

Não pude ir ao jantar. Não havia Tylenol no mundo que pudesse diminuir a minha dor de cabeça – que mais parecia com o golpe de uma espada, e, acredite, eu já sofri um –, então minhas criadas me permitiram ficar no quarto, e me levaram o jantar, que eu não tive ânimo para comer.

Na manhã seguinte, eu não estava muito melhor. Um médico foi me ver, a pedido das minhas criadas, mas ele não viu nada de anormal na minha saúde, além de eu estar um pouco febril, então pediu que o chamassem caso eu piorasse. A única outra visita que tive foi de Marlee, que apareceu um pouco antes do almoço e passou pouco mais de meia hora comigo, mas nada de Asher ou Maxon.

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A tarde se passou lentamente, entre cochilos e lidas de livros. Com o avançar do dia, minha dor de cabeça não diminuiu, e tudo o que eu queria era apagar, mas nem dormir eu consegui, naquele estado. Eu me sentia um lixo.

Mary e Anne tentavam me animar e me distrair, enquanto Lucy estava no ateliê confeccionando vestidos para mim. Se fosse um dia normal, apenas uma delas estaria comigo, mas elas acharam melhor apenas Lucy ir.

Queria que houvesse outra filha de Apolo por ali, ela poderia pelo menos melhorar um pouco meu estado, diminuir minha dor – muito melhor do que o Tylenol, garanto –, mas eu era a única.

Suspirei, tentando focar no momento e ignorar as pontadas de dor, enquanto Mary me contava as fofocas da Mansão e Anne arrumava minhas roupas – talvez pela terceira ou quarta vez – na gavetado armário.

Eu só esperava que aquilo não durasse muito, não queria perder o Halloween por causa de uma dor de cabeça ridícula.

Em algum momento, enquanto Anne me servia mais chá e Mary me contava do parto de uma das criadas da Mansão, eu adormeci.

— Devemos chamá-la? – ouvi Mary sussurrar, ao longe.

— Acho que sim. – disse Lucy.

— Mas não pode ser tão importante. – replicou Anne.

Abri lentamente meus olhos, desorientada de onde estava. Era de noite, a luz do luar infiltrava-se entre as cortinas que ondulavam com a brisa que passava pela janela aberta, Bóreas devia estar se sentindo bastante generoso naquela noite, para nos proporcionar um frio tão agradável.

Além da luz do luar, outra luz, tremeluzente desta vez, se concentrava no centro do quarto.

— A America está bem, afinal? – ouvi Olive dizer. – Se ela realmente não puder, eu posso tentar outra hora.

– Estou bem... – garanto, fracamente, mas vejo que o som não sai exatamente como deveria. Algo como “eo em”, na verdade, sai de meus lábios.

— Senhorita America? – minhas criadas se precipitam em minha direção.

— O que houve? – ouço Olive dizer, um pouco desesperada.

— Estou bem. – repito, dessa vez as palavras saindo de forma mais inteligível.

— Graças a Asclépio! – exclama Mary.

— O que está havendo? – Olive está perguntando, ainda por fora de tudo.

— Estou bem. – repito uma terceira vez.

— Sim. – diz Lucy, calmamente.

— Alguém pode me explicar alguma coisa? – Olive pergunta, parecendo muito puta.

A verdade é que nem eu sabia. Por acaso eu estava doente ou tinha desmaiado para estar toda essa preocupação com a minha pessoa? Mas eu estava me sentindo tão bem...

— A senhorita America estava dormindo. – explica Lucy. – Apenas não queríamos acordá-la.

Franzo o cenho. Para mim isso não valia um “Graças a Asclépio!”, mas eu não ia repreender Mary por causa de suas expressões exageradas; Anne já fazia isso por mim.

— Com licença, senhorita. – diz Anne, puxando Lucy e Mary para fora do quarto para dar privacidade a mim e a Olive.

— Oi, Dona Sumida, como é que cê tá? – pergunta Olive, sorridente.

Observo-a meio chocada. Seu cabelo está muito curto, na altura da orelha, e vários tons mais escuro, como se Elizabeth Gillies tivesse tido vontade de dar uma mudada radical. A verdade é que ela continua linda, mas não acredito que ela mudou completamente o visual e não me avisou.

— Bem, eu acho... – digo, hesitante, observando aquela nova Olive.

— Como assim “eu acho”? Não é seu corpo, afinal, mulher? – ela pergunta, parecendo preocupada.

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— E isso no cabelo, Ol? – pergunto, mudando de assunto. Ela não parece perceber.

— Cabelo, ué. – ela dá um sorrisinho. – Mudei.

Franzi o cenho.

— Como está a escola?

— Bem, eu acho.

— A escola não é sua, mulher? – rebato, no mesmo tom, erguendo a sobrancelha para ela.

— Na verdade, não. É da diretora. – ela dá um sorrisinho. – Mas sério, vai bem... mas você sabe, é difícil.

— Dislexia? – pergunto, franzindo o cenho. Ela assente. – Sua mãe não tinha te levado para um médico?

— Ela parou... – a cara de Olive se contorce em tristeza. – Ela está doente, America. E eu não sei o que ela tem. E eu sinto a sua falta, sabe? – ela começa a despejar tudo, sem nem ao menos parecer respirar. – Sinto falta de ter alguém em quem eu confio para conversar. Sinto falta das piadas, dos desamores e do seu mau humor habitual. Sinto falta das suas piadinhas anti-Apolo e do seu jeito “esses deuses, sempre estragando a minha vida”. E eu não estou pedindo para você desistir de tudo, disso aí. Eu sei como isso se tornou importante para você, dá para ver... Você no começo, pelo programa, e pelas revistas, parecia perdida e frustrada, e agora... na última edição da Afrodite’s, você estava radiante, parecia tão feliz... uma felicidade que eu raramente vejo, até mesmo nos seus momentos mais alegres. E eu não quero que você desista de tudo por mim, mas eu quero que você saiba que você tá fazendo falta e que eu não vejo a hora de que você ganhe e se case com esse bofe e fique perto de mim de novo, porque você é aquele tipo de amiga que não dá para perder... okay? Tenho que ir. Beijos. – e então a mensagem de Íris tremeluziu e desapareceu, sem me dar nenhuma chance de responder a Olive ou pensar no que ela acabou de falar.

Eu estava bem o suficiente – fisicamente falando – para ir ao jantar, mas, mesmo lá, eu não me sentia presente. Podia ouvir os outros conversando sobre coisas banais e besteiras e eu não conseguia nem sequer entender o que falavam, era como se tivesse falando outra língua, como árabe. Nem quando Maxon me chamou eu escutei, estava concentrada demais no que Olive tinha me dito.

— America... – Marlee sussurra, talvez pela segunda ou terceira vez, me dando uma cotovelada de leve. – Maxon está falando com você. – ela avisa.

— Ahn? O quê? – meus olhos perdidos vagueiam dela até Maxon.

— Você está bem? – ele parece preocupado. Mas a verdade é que, se ele estivesse realmente preocupado, teria ido me ver hoje de tarde. Eu estava chateada com ele por isso.

— Você não está vendo que ela não quer conversar com você, irmãozinho? – Asher perguntou, num tom irônico e um pouco satisfeito. – Mas e ai, America – começou, voltando-se para mim. –, como você está?

Olhei de Maxon, que parecia furioso, para ele, que estava alegre. Asher também não havia ido me visitar, mas não é como se eu esperasse isso dele.

— Acho que estou. – respondo, vagamente, ainda perdida em pensamentos, em Olive, em sua mãe...

— Você acha? – ele pergunta, sua feição divertida dublando-se aos poucos. – O que foi, America?

Olho para o meu prato, incrivelmente, ele estava terminado... não me lembrava de ter comido, mas é tudo tão automático...

— Desculpe, tenho que ir... – minha voz soava distante até aos meus ouvidos. Levantei-me lentamente e sai, sem mais nem menos, meus pés me guiando cegamente até o meu quarto, não parando nem quando trombei com um guarda ou quando minhas criadas me perguntaram o que estava havendo. Apenas me joguei na cama e tentei não pensar em nada.