A Diferentona

Pedido de Desculpas


Mais tarde, quase anoitecendo, chego em casa e encontro meus avós na sala, acomodados no sofá, assistindo TV.

— Por que essa gente burra de filmes de terror não me escuta? – Vovó indaga. – Corre, piranha, corre! Não entra aí! Viu? Morreu!

— Poderia ter me dado alguma dessas dicas quando eu estava no motel – digo.

— Eu teria dado se achasse que você tinha chances de sobreviver – ela retruca.

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— Falando em sobreviver, olha só quem não está morta para nossa surpresa – comenta vovô.

— Pois é. A netinha de vocês vivíssima e cheia da grana. – Abro a mochila e tiro do bolso um bolo de notas altas. Balanço-o diante deles, que só faltam salivarem, e em seguida, o guardo.

— Pensei que fosse trabalhar de atendente e não de prostituta – ele fala.

— E eu fui. Bom, agora preciso subir para o meu quarto. Tive um longo dia e estou exausta. Além disso, vou esconder esse dinheiro onde vocês não irão mexer.

— Na sua calcinha? – minha avó pergunta.

— Espere aí – diz meu avô. – A senhorita não vai a lugar algum enquanto não nos explicar o que houve naquele tal de Gates Motel.

— É! – ela concorda. – Pela primeira vez, nós queremos te ouvir.

— Tudo bem. – Largo a mochila na poltrona e me sento entre eles dois.

Conto detalhadamente tudo o que aconteceu até o momento em que encontrei a cabeça decapitada de um cara na lixeira.

— Minha primeira reação foi gritar e sair correndo dali – explico. – Mas eu parei por um instante e percebi o quanto precisava de dinheiro para comprar os presentes de Bart e Laquisha. Aí eu pensei no que vocês fariam e voltei ao motel. Disse ao dono que eu sabia que tinha assassinado um homem e se não quisesse ser preso, era melhor ele me dar um adiantamento imediatamente. E mais: se ele tentasse algo contra mim, eu já tinha avisado a vocês, que claramente contatariam as autoridades.

— Não contataríamos, não – diz vovô.

— É, eu sei, mas ele não sabia.

— Quer dizer que você, a garota mais certinha e sem graça que já conheci, extorquiu dinheiro de um psicopata? – ela pergunta incrédula.

— Basicamente, sim.

— Essa pentelha está nos deixando cada dia mais orgulhosos – ele fala, comovido, me evolvendo junto com minha avó em um abraço. E nessa hora, lembro-me do que é ter uma família. – Finalmente o nosso lado da linhagem está se aflorando em você. Agora cai fora. Queremos ver televisão.

– Beleza. – Me desvencilho dos dois e levanto. Agarro a mochila e sigo para meu dormitório. De repente, dou meia volta e paro no pé da escada. – Apenas uma perguntinha: Emily é nome de prostituta?

— Sim – ambos dizem monotonamente, sem hesitar.

— É, eu realmente tenho que muda-lo.

* * *

No próximo dia, de manhã, saio de casa mais cedo que o normal para ir ao centro da cidade e comprar os presentes de Bart e Laquisha. De lá, vou para o colégio. Espero até o horário do almoço para conversar com os dois. No refeitório, segurando duas sacolas, os avisto juntos, sentados a uma mesa. Tomo coragem e me aproximo.

— Finja que eu disse algo engraçado – Laquisha sussurra para Bart ao me notar.

— AI, MEU DEUS, GAROTA, VOCÊ É UMA PALHAÇA MESMO! – ele simula uma risada escandalosa, chamando a atenção de todos no local. – SOMOS O MELHOR TRIO DE DOIS QUE JÁ EXISTIU!

— Não exagere!

— Oi, gente – falo meio sem jeito. – Posso me sentar?

— É um país livre – ela diz com rispidez.

Puxo uma cadeira e sento.

— Pelo visto vocês cansaram de me ameaçar ou ignorar, e eu, de apenas pedir desculpas. Com esse tempo afastada de vocês, percebi que palavras não bastam. Portanto, tenho umas coisinhas para vocês, provando o quão estou arrependida e o quanto mudei.

Coloco as sacolas na mesa, diante deles. Ambos as fitam.

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— Garota – diz Laquisha –, se você pensa que pode chegar aqui e comprar nossa amizade de volta com presentes, você está completamente certa! O que eu ganhei? – Ela pega uma sacola e tira o que há dentro. Ele faz o mesmo. – Um par de botas! Adorei! Vou usar com meu vestido, uma blusa amarrada e o cabelo solto de prancha! Te amo, amiga!

– Não acredito! – Bart fala, emocionado. – Eu ganhei...

— Uma bolsa! – completo a frase, entusiasmada.

— Não é só uma bolsa. É uma Prada! – ele explica.

— Então estou perdoada? – pergunto.

Eles se encaram por segundos como se estivessem entrando em acordo por telepatia. Os dois assentem com a cabeça um para o outro e em seguida para mim.

— Sim! – dizem em uníssono.

— Ótimo – falo. – Porque eu tenho algo para contar. – Pausa dramática.– A Virginia tem um tal de “Livro do Arregaço”, onde ela e a outras escrevem todas as maldades que fazem. Se conseguíssemos esse livro, nós mostraríamos para a escola inteira quem ela realmente é.

— Mas como vamos fazer isso? – ele questiona.

— Eu ainda não desfiz amizade com as oxigenadas – comento. – Posso fingir ser amiga delas até pegá-lo.

— Você sabe onde está? – Laquisha pergunta.

— Não – respondo. – E até eu o achar, vai levar um bom tempo revirando aquela mansão.

— Não importa quanto tempo leve desde que o encontre – ela diz. – A gente vai detonar essa safada!

Subitamente, de longe, vejo McBitch entrando no refeitório com Greta e Karina. Ela me avista e acena para mim.

— Preciso ir – falo para Bart e Laquisha. – Virginia chegou e não pode saber que eu ando com vocês.

– Está bem – Laquisha diz ansiosa. – Tenta colocar veneno na bebida da vadia quando tiver chance!

— Ela deve tomar isso todo dia no café da manhã. – Levanto e vou de encontro com as oxigenadas.

— O que você estava conversando com aqueles dois otários? – McBitch indaga assim que me aproximo.

— Nada – respondo. – Eu estava ali sentada e eles me abordaram, perguntando se eu queria comprar produtos Jequiti. Eu disse que não, mas eles continuaram insistindo. Ainda bem que vocês me salvaram.

— Que ridículos – Greta comenta. – Isso é bem a cara deles. Não basta passarem vergonha fazendo parte do coral da escola?

— Mudando de assunto – começa Virginia –, vou ficar sozinha em casa hoje à noite já que meu pai vai estar de plantão e minha mãe, fazendo uma cirurgia para voltar a ser virgem, então darei uma festa sem motivo por volta das 19h. Todo mundo estará lá. Espero que você apareça. – Ela retira da bolsa uma folha rosa e me entrega. É um convite.

Essa é a oportunidade perfeita para eu ir à mansão da McBitch e roubar o Livro do Arregaço.

— Pode deixar – confirmo minha presença.

— Perfeito! – ela diz. – Agora, vamos almoçar água mineral. Você vem?

– Claro.

* * *

Após ter todas as aulas, marco de me encontrar com Bart e Laquisha na arquibancada do estádio de futebol para pormos a conversa em dia enquanto, sentados, assistimos os atletas do time do colégio treinarem sem camisa. Conto a eles sobre meu emprego no Gates Motel, no entanto, oculto a parte que o dono é um psicopata.

— Vocês sabiam que a Virginia vai dar uma festa hoje à noite? – pergunto por fim.

— Nós e o resto da escola – Bart responde. – Só que não fomos convidados.

— Eu fui. – Puxo o convite do bolso da calça, desdobro-o e mostro a eles.

— Depois dizem que brancos e héteros não têm privilégios... – Laquisha comenta.

— Não se esqueçam de que eu vou apenas por causa daquele livro – explico –, não para me divertir.

— É, a gente combinou isso – ele diz, cabisbaixo. – Mas aposto que a festa vai ser muito legal. E a maioria estará lá, exceto nós. Odeio ser excluído.

— Ah, não fique triste. – Ela tenta animá-lo. – Faremos nossa própria festa na minha casa. Nós podemos performar Telephone. E para você ficar mais parecido com a Lady Gaga, nós roubamos a peruca da minha avó quando ela cair no sono. O que me diz?

— Tudo bem. – Bart se conforma com a proposta.

— Certo – digo me levantando. – Agora que está tudo resolvido, vou para casa me arrumar.

— E o seu trampo no motel? – Laquisha me lembra.

— Ah, eu pedi uma folga no meu primeiro dia.