A Diferentona

Amarga Vingaça


Fico deitada na minha cama em posição fetal. Aos prantos e soluços, fito a janela do quarto sendo golpeada pela água da chuva, que desliza sobre o vidro. O dia hoje é frio e cinzento, assim como minha alma. O rádio em cima do criado mudo está ligado, tocando uma música da Lana Del Rey:

Don’t make me sad

Don’t make me cry

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Sometimes love is not enough

When the road gets tough

I don’t know why

Te entendo, Lana – digo com a voz embargada. – Queria estar morta.

De repente, a campainha toca.

— Não tem ninguém em casa! – vovô grita do andar debaixo.

— Boa tarde, senhor – ouço a voz de Laquisha vinda lá de fora. – Somos amigos da Emily. Podemos entrar?

— Claro! – ele responde. Escuto a porta abrir e em seguida se fechar. – Desculpe, pensei que fossem testemunhas de Jeová.

— Sem problema – Bart fala.

— Oh, não sabia que teríamos visita – diz vovó. – Se eu soubesse, teria feito uns brownings de maconha.

— Não sabemos se lembram da gente – Laquisha fala –, mas...

— Com certeza não nos lembramos – meu avô confirma.

— Somos Bart e Laquisha – ele apresenta a si e a amiga. – Viemos aqui atrás da Emily um dia.

— Ah, agora me recordo.

— Emily falou muito mal de vocês – Laquisha comenta.

— E ela tem razão – minha avó diz.

— Podemos subir para vê-la? – Bart pergunta.

— Fiquem à vontade, crianças – ela fala. – E só pra avisar, ela está péssima. Vocês vão adorar.

Escuto os passos deles subindo as escadas, andando o corredor e em seguida, batendo três vezes na minha porta. TOC, TOC, TOC.

— Vão embora! – digo.

— Tudo bem – Laquisha fala.

— Mentira! Podem entrar! – Os dois entram e me viro para eles. – O que fazem aqui?

— Mandamos mil mensagens e você não respondeu nenhuma! – ele responde, sentando na borda da cama.

— É! – ela concorda, se acomodando ao lado dele. – E você não vai à escola há dias. Ficamos preocupados e viemos ver se está bem.

— Mas é óbvio que eu não estou bem! – Resolvo me sentar também, porém, com as pernas cruzadas em forma de pretzel. – Eu fui humilhada diante de todos na festa! E pra piorar registraram o momento e jogaram na internet para que outras pessoas que não estavam lá também pudessem ver minha desgraça!

Já faz quase uma semana desde o que aconteceu na casa da Virginia – Bart diz. – Ninguém mais se lembra.

Abruptamente, meu avô aparece encostado no batente, segurando um copo vermelho de plástico.

— Oi, querida. Fiz ponche de frutas vermelhas. Quer um pouco? – ele indaga num tom de deboche e solta aquela maldita risada acompanhada de um chiado que vem do peito carregado de catarro.

— Me deixa em paz! – puxo o travesseiro e atiro em sua direção. Ele desvia e vai embora aos risos. – Viram? – Volto-me para Bart e Laquisha. – Eu vou ser lembrada por aquele dia até o fim do colegial!

— Não se a atenção de todos for redirecionada a algo mais polêmico – Laquisha explica. Inclino-me para frente, intrigada, esperando saber o que seria. – O Livro do Arregaço! Precisamos pegá-lo e expor cada maldade da McBitch.

— Mas como? – questiono. – Agora, nenhum de nós é bem-vindo àquela mansão. Foi a Virginia quem mandou o tal do Eddie derramar ponche em mim. Ela descobriu que eu tenho uma queda pelo James Tripé.

— E quem não tem? – Bart pergunta.

— Só que ele me pediu para eu dar umas aulas particulares de biologia.

— E a embuste ficou morrendo de ciúmes – ele deduz.

— Então vamos invadir a residência dela e achar o livro, hoje à noite – Laquisha decide.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Adoro o perigo – Bart diz entusiasmado, batendo palmas.

— O quê?! – falo incrédula. – Não, isso é loucura! E crime!

— Você quer que as pessoas esqueçam o que houve na festa da McBitch, não quer? – ela olha no fundo dos meus olhos, com uma expressão séria. Assinto balançando a cabeça. – Então está combinado. Agora, levante dessa cama e vá trabalhar, pois meia noite, iremos por nosso plano em prática. Ah! E se vista de preto.

* * *

Após terminar meu turno no motel, dirijo até a casa de Laquisha para buscá-la. Lá, Bart me espera junto dela no quintal da frente. Ambos seguram uma escada deslizante, que a amarramos no teto do carro. Dentro do veículo, sento no banco do motorista, ela, no do carona, segurando uma mochila, e ele, no detrás.

— O que tem dentro da mochila? – indago.

— Você verá – Laquisha diz. – Agora, dirija.

Sem discutir, ligo o carro e faço o que ela manda. Ficamos quietos maior parte do percurso até Bart quebrar o silêncio:

— Estou tão animado! Parecemos até as Três Espiãs Demais numa missão. Já aviso que sou a Clover.

— Se fossemos As Panteras, eu seria a Drew Barrymore – Laquisha comenta.

— Por que vocês escolhem as mais legais? – pergunto.

— Porque você a menos legal do grupo – ela responde.

— Ok, mais legais, chegamos – anuncio.

— Estacione a alguns metros longe da propriedade – Laquisha dá as coordenadas. – Não podemos ser vistos. – Deixo o carro debaixo de um pé de árvores e saímos carregando a escada. – Há câmeras pertos dos portões. Vamos dar a volta.

Caminhamos sob a luz do luar. A única coisa audível é som de folhas secas quebrando com nossas pisadas.

Making my way downtown, walking fast, faces passed, and I'm home bound – Bart começa a cantar e ainda faz a parte instrumental. Ele olha para Laquisha e eu. Nós o fitamos, incrédulas. – O que foi? Eu costumo cantar quando estou nervoso.

Staring blankly ahead, just making my way, making my way, through the crowd – continuo. Também faço a parte instrumental e me viro para Laquisha, esperando que se junte a nós.

Ela reluta, entretanto, não resiste solta a voz:

And I need you, and I miss you, and now I wonder...

A partir daí, cantamos em coro:

If I could fall

Into the sky

Do you think time

Would pass me by

'Cause you know I'd walk

A thousand miles

If I could just see you...

Tonight

Caímos na gargalhada.

— É aqui – Laquisha interrompe o passo, encarando o muro alto. – Me ajudem a montar a escada. Antes, coloquem isso e isso. – Ela abre a bolsa e retira máscaras pretas de esqui e um par de luvas de couro da mesma cor, cada adereço para cada um.

— Sou oficialmente uma criminosa agora – digo, botando as peças.

— Você já é mais masculina de nós três – Bart me fala, se arrumando aos risos. –, vestida assim, parece até um cara.

— “A menos legal”, “a mais masculina”... Vou derrubar vocês da escada – ameaço.

— Mas você ficou um gato de bandido. Acho até que roubou meu coração – ele diz brincando.

— Calem a boca e se apressem! – ordena Laquisha, colocando a máscara e as luvas.

— Está bem. Tomara que não sejamos presos – penso alto, subindo os degraus. – E se formos, espero que seja como Orange Is The New Black, tirando a parte de colar o velcro.

— Se formos presos, vocês serão minhas vadias – ela fala.

— Contanto que me proteja...

Atravesso o muro por cima com facilidade. Depois, Bart. Então, vem Laquisha, puxando a escada sem esforço para o outro lado e voltamos a carregá-la. Caminhamos uns minutos e paramos diante da mansão.

— É ali o quarto da Virginia. – Aponto uma das janelas localizada no andar de cima. Subitamente, ouço latidos. De longe, vemos dois rottweilers correndo em nossa direção. Por isso não tivemos dificuldade de invadir (pelo menos até agora). Meus olhos se arregalam e o coração martela forte contra o peito. – Subam! Rápido!

Posicionamos a escada rente à janela indicada. Laquisha vai primeiro. Vou logo atrás, seguida de Bart. Foi o tempo dos cães chegarem até nós. Os animais rosnam, latem e pulam tentando nos alcançar.

— Saiam! – Bart diz desesperado. – Eu não sou a Britney Spears para vocês quererem um pedaço de mim! Emily, sacrifique-se já que você é puro osso!

— Se acalmem! – Laquisha pega da mochila um saco com pedaços de carne. – Botei uma coisa nesses petiscos para eles dormirem. – Ela os joga para os cachorros, que os devoram em segundos. – Daqui a pouco faz efeito.

Após se alimentarem, os caninos se acalmam e vão embora.

Laquisha saca um pedaço de arame da bolsa, o enfia entre a fresta do meio da janela para levantar o fecho e abri-la.

CLIC!

— Consegui! – ela comemora.

Entramos no dormitório e deixamos a janela aberta. Uma leve brisa envolve o lugar está. Acionamos as lanternas de nossos celulares. Bart mira a luz no rosto sereno de McBitch, adormecida, e sussurra:

— Uma cama? Pensei que ela dormia em um caixão, como o Drácula. Minha teoria de que ela é uma vampira já era. Queria tanto usar a estaca de madeira que a gente trouxe.

As buscas começam. Bart procura o livro no armário, Laquisha, nas gavetas da penteadeira, e eu, debaixo da cama.

— Nada aqui – Laquisha conclui.

— Aqui também não – murmuro.

— Eu só achei uma peruca preta aqui dentro – diz Bart. – Espera, a peruca está se mexendo! – Ele dá um grito e sai do closet com Nicole, a gata de Virginia, com as garras cravas em seu rosto. Bart gira e cambaleia de um lado para o outro, tentando se livrar da felina, puxando-a com as duas mãos.

— Fica quieto! – Laquisha tenta ajuda-lo. – Vai acordar todo mundo!

— Tarde demais – digo assim que Virginia, abruptamente, desperta e levanta assustada. Nesse momento, visualizo a ponta de algo vermelho sob seu travesseiro. Agarro seja lá o que for rapidamente e descubro que é o Livro do Arregaço! Finalmente! Levanto e o seguro contra o peito com força.

— Quem são vocês? – McBitch pergunta – O que estão fazendo aqui?

— Encontrei! – aviso aos outros levantando o livro para que pudessem vê-lo.

— Ótimo – Laquisha fala, puxando a gata pela parte de trás. – Agora nos ajude com esse bicho!

— Emily? – Virginia se vira para mim, reconhecendo minha voz. – Sua piranha intrometida! – Ela avança contra mim. Desvio dela e atravesso a cama, ficando do lado oposto do cômodo.

A gata finalmente larga cara de Bart, arrancando sua máscara. Ele cai sentado no carpete do armário. Antes que o animal também agarrasse a face de Laquisha, ela o joga para trás que é arremessado em direção à janela, voando para fora.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Virginia me segue e apanha uma parte do livro. Não solto a outra e ficamos num cabo-de-guerra.

— Larga essa droga de livro, vagabunda! – ela diz, dominada pelo ódio.

A força de McBitch é bem maior que a minha. Tento resistir, no entanto, não aguento e solto o livro. Com o impulso que Virginia toma para trás, ela perde o equilíbrio, esbarra no parapeito da janela, e tem o mesmo destino que sua gata, ou quase o mesmo, já que a bichana tem sete vidas. Escuto o som dela atingindo o solo. Bart, Laquisha e eu nos encaramos por um momento, baqueados, e nos conduzimos de imediato ao peitoril da janela. Vemos lá embaixo a imagem de McBitch estirada no chão com o Livro do Arregaço na mão.

— Merda – Laquisha fala. – A vadia morreu.