O computador de bordo tinha lançado um alerta no Setor B23 da nave de transporte e Frint, que fazia serviço de patrulha, acorreu ao local indicado, verificando primeiro se o seu parceiro de turno estava mais próximo da anomalia. Chamou-o pelo intercomunicador portátil e não obteve qualquer resposta, apesar da insistência. Ficou furioso. O idiota devia estar a divertir-se com os outros, em jogos proibidos que envolviam apostas e dinheiro, em vez de estar a cumprir o seu dever.

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Desceu pelas escadas de um poço, com a espingarda laser E-11 a tiracolo a bater-lhe entre as omoplatas e seguiu por uma passagem estreita até ao setor indicado, agarrando na espingarda, colocando-a pronta para disparar. Não teria contemplações se detetasse uma situação anormal e potencialmente prejudicial à missão.

Não tinha encontrado mais sinais de subversão a bordo depois do episódio com a carga misteriosa. Nunca comentara o que vira, nem ninguém lhe fizera perguntas adicionais. Concluiu desiludido que não tinha motivos para iniciar uma investigação e que não seria com um relatório sobre o pouco que escutara até ali que obteria a sua primeira promoção. Acalmou-se. Aquela missão, se fosse terminada com sucesso, seria mais do que suficiente para que se fizesse notar.

O nível que percorria na nave situava-se um pouco acima dos porões e sentiu-se apreensivo. Observou todos os cantos, onde maquinaria diversa, essencial para o funcionamento do vaso, zunia e apitava, aparentemente a laborar sem qualquer avaria ou indicação de uma leve sabotagem. Dobrou a esquina e encontrou o Setor B23.

Estacou. Apertou a arma nas mãos, mas não foi capaz de a levantar e de fazer pontaria ao quadro que descobria, para se defender e abater os suspeitos que não respeitassem as suas ordens. Simplesmente congelou.

A mulher estava ali, na penumbra, de costas para ele. Vestia um uniforme vermelho e negro, igual ao dele. As calças justas faziam-na esguia e maleável como um réptil. Tinha o cabelo castanho apanhado num rabo-de-cavalo e quando se apercebeu de que tinha companhia, moveu ligeiramente a cabeça.

Seguiu-se um momento interminável de silêncio.

Então, ela disse-lhe:

— Não tenhas medo. Estava aborrecida… Mas agora já estou melhor.

Frint estremeceu. Aos poucos o seu cérebro retomava a sua função normal, processando as imagens, os sons e as sensações, definindo as opções que podia seguir para manter o controlo. Não compreendeu as palavras dela até ver, a seus pés, o par de botas do infeliz que se tinha cruzado no seu caminho. Estreitou os olhos mas não precisava de o reconhecer para saber que era o seu parceiro de turno. Jazia morto.

Ela voltou-se e encarou-o com aqueles olhos neutros, desprovidos de qualquer calor ou vago indício de que existia alguém por detrás daqueles orbes vítreos. Inclinou ligeiramente o pescoço.

— Oh… És tu.

Não sabia que ela estava fora da câmara acanhada, ou mesmo fora do tubo onde se mantinha em suspensão dentro do líquido esverdeado. Não sabia que ela podia sair desses dois lugares de confinamento, que era capaz de fingir que se tratava de uma fêmea humanoide, que conseguia falar, andar e que tinha a capacidade de matar a sangue-frio.

Não sabia que ela era capaz de se lembrar dele.

A mulher deu um passo na sua direção. Frint recuou mas a seguir fincou os pés no chão. Encheu-se de coragem e respondeu-lhe:

— Sim, sou eu.

Ela observava-o demoradamente e ele sentiu-se incomodado, mas manteve-se firme. O zunido das máquinas e a quietude opressiva do lugar, onde a luz era insuficiente e o teto demasiado baixo, estava a dar com ele em louco. Era um teste, pensou, um dos milhentos testes pelos quais teria de passar para provar que era indubitavelmente digno da sua herança.

Por isso, não podia vacilar ante… aquela criatura.

— O que foi que aconteceu? – perguntou-lhe.

Ela encolheu os ombros e repetiu:

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— Estava aborrecida.

— Onde são os teus aposentos? Vou escoltar-te até lá.

— Não, soldado. Vou sozinha.

Passou por ele e sumiu-se depois da esquina. Não lhe escutou o som dos passos, pois ela caminhava de uma forma furtiva e desconcertante que zombava dele, que não percebia que era apenas o seu estado de pânico que o fazia surdo.

Frint expirou o ar dos pulmões e encostou-se a um dos pilares metálicos que sustentavam os corredores daquele nível inferior da nave. Travou a espingarda e retirou o dedo contraído do gatilho. Se a tensão se prolongasse, teria disparado.

Retirou o intercomunicador do bolso. Deveria terminar com o alerta do Setor B23 enviando um curto reporte, pedir assistência para virem remover o cadáver, comunicar o desaparecimento do seu parceiro de turno. A sua mão tremia.

A mulher era uma arma, a mais poderosa que carregavam.

A missão ultrassecreta consistia em levá-la ao sítio onde ela deveria agir, muito provavelmente como uma comum assassina, e trazê-la de volta para a Belirium, sã e salva. Ela era o brinquedo sofisticado de O’Sen Kram.

Compreender aquilo deixou-o inerte.