Capítulo 8

— Você está acabada. – Chester diz quando me sento para o café da manhã no outro dia.

Eu na verdade me sentia como uma merda.

Os poucos dias que fiquei sem me exercitar e sem usar aqueles meus dons, tinham acomodado meu corpo a uma rotina que eu não estava acostumada, e ao passar todo o dia treinando com Noah – parando apenas quando ele transpassou até o palácio para buscar comida e água -, causou boas dores em meu corpo, e também um tornozelo torcido.

Noah tinha dito para não ficar me cobrando muito, e eu sabia que não deveria pelo fato dele ser um Grão-Fenwick, mas apesar de meu tornozelo já estar curado, eu permanecia irritada.

Queria falar com Daemon, mas ainda não o tinha encontrado novamente.

— Treinei o dia inteiro, e não foi um treinamento a qual estou acostumada. – Respondo baixo, tentando ignorar a presença do Príncipe Phillip na sala de jantar dos competidores.

Ao que parecia, o Rei estava preocupado com a possibilidade dos competidores se matarem antes da hora devido a uma briga no dia anterior.

— Você tem tanta sorte. – Chester murmura, colocando a cabeça entre as mãos e aquele cabelo vermelho vibrante caindo na frente do seu rosto. – O pátio de treinamento estava parecendo uma arena de guerra.

— Ouvi algo sobre isto.

— Aqueles dois, Gale e Kai, quase se mataram, foi apenas quando o Príncipe interviu que pararam com a luta.

Olho para Griel, que até agora tinha ficado em silêncio. Tínhamos nos sentados os três, porque erámos os que todos os outros estavam ignorando.

— Até agora não sei o que o Príncipe foi fazer no pátio, aquilo estava parecendo o inferno. – Chester sussurra.

— Ele foi procurar Alishia e o Grão Senhor. – Griel responde eu quase engasgo com o pedaço de melão que comia.

— O que? – Questiono enquanto Chester bate em minhas costas.

— Foi o que ouvi, e também ouvi que...

— Ouviu que? – Chester incentiva, curiosa.

Griel revira os olhos para ela. Chester tinha uma mania estranha que interromper as pessoas enquanto elas falavam.

- Estão chamando Alishia de cadela da realeza. – Eu bufo e Chester ri alto.

— Poderiam ter sido mais criativos. – Falo e Griel me olha incrédulo. – O que? Eu não posso fazer nada sobre isto. Não tenho culpa se Noah me escolheu e se o Príncipe metido foi me procurar.

— Eu sei, mas é apenas estranho já terem uma favorita. – Griel fala e Chester concorda.

— Se estão chateados com isto, deveriam reclamar com o Rei. – Digo irritada e volta a comer. Os dois sabiamente, fecham a boca.

Eu arrisco um olhar para o Príncipe e o encontro me encarando, ele ergue uma sobrancelha e eu faço o mesmo.

Aquele era a ‘’conversa’’ mais inofensiva que tivemos um com o outro, e acho que o Príncipe estava surpreso por isto, pois não demorou dois segundos para ele se levantar da onde estava e começar a vir em minha direção.

Cadela da realeza...

Fazia sentido afinal, e eu não podia esquecer que estava ali desempenhado um papel. Então ao invés de deslizar para debaixo da mesa, eu tento parecer inofensiva o bastante para o Príncipe não ter que se preocupar com passar algum tipo de vergonha.

— Alishia. – Ele cumprimenta e assim que Chester e Griel tentam se levantar para fazer uma reverência, ele nega. – Não se preocupem, apenas continuem com o que estavam fazendo.

— O que deseja, Principezinho? – Falo o olhando.

— Quero falar com você. – Eu meneio a cabeça e ele completa. – A sós.

Conseguia sentir todos os olhares em nós dois, e merda, aquilo me incomodava de certa forma.

— Claro, alteza. – Concordo e me levanto, e Phillip puxa a cadeira, para facilitar minha saída. – Obrigado.

Ele acena e para minha surpresa – e a dos demais -, me oferece o braço.

Gale nos observa passar, com aquele sorriso sínico no rosto, e quando estamos na entrada, eu o ouço dizer para os outros companheiros:

— Aposto que a cadela monta o Príncipe antes do fim do treinamento!

Olho para Phillip quando ele para e encara para Gale.

Aquilo não era bom...

— Vamos, Príncipe. – Eu puxo seu braço e ele me olha. – Não faça nada, não preciso que me defenda.

Ele me encara, aqueles olhos mais gélidos que o normal.

— Ninguém ofende meus convidados em minha casa. – Ele diz e eu aperto mais seu braço.

— Por favor, não estou ofendida, Gale não passa de uma criança imatura que não sabe nem o que é sexo. – Insisto. – Se não formos logo, vou voltar para a mesa, tenho treinamento daqui a pouco.

Não se ouvia nem mesmo uma única respiração naquele momento, Gale provavelmente tinha se mijado nas calças, e apesar de adorar ver alguém calando aquela boca imunda, não podia deixar aquilo acontecer.

Eu mesma iria cala-lo no momento certo.

— Vamos, Phillip. – Falo novamente, mais rispidamente.

— Com uma condição.

Respiro fundo e o encaro, meus olhos indo diretamente para aqueles lábios rosados.

— A qual seria...?

— Não me chame mais de príncipe ou alteza, gosto quando diz o meu nome. – Ele sussurra, e não posso conter meu sorriso.

— Tudo bem, Phillip, agora vamos, já estamos parados aqui por muito tempo. – Sussurro de volta.

De braço dado com ele, nós seguimos pelos corredores. O Príncipe era tão majestoso que nem mesmo seus passos podiam ser ouvidos enquanto andávamos.

— Como está indo seu treinamento? – Ele pergunta por fim, quebrando aquele silêncio constrangedor.

Nós dois erámos formávamos um casal curioso e enquanto eu o olhava, só conseguia perceber nossas diferenças.

Phillip sempre vestia calças pretas que não eram apertadas em seu comprimento, ele se vestia complemente social, mas suas roupas eram diferentes das roupas que costumamos a imaginar para um príncipe, e quando ele não usava um blazer por cima da camisa de botões e mangas compridas, ele dobrava a camisa até nos cotovelos, deixando um pouco daquela pele clara a mostra.

Ele era moderno, não apenas nas roupas, mas em tudo que fazia. Seus movimentos, como falava, como agia...

Seu cabelo branco era a única coisa que ele parecia não conseguir controlar, mas mesmo que estivesse bagunçado, como se ele nem mesmo se importasse em penteá-lo depois de acordar, Phillip ficava ainda mais lindo.

E eu? Eu basicamente sou um soldado comparado a todas as damas que tiveram a chance e honra de andarem de braços dados com o Príncipe.

Noah tinha deixado uma roupa nova para mim – para o treinamento -, era mais justa e parecia elástica apesar de não ser, na verdade parecia um macacão de mangas compridas, preta e colada de uma forma que fazia com que eu me sentisse nua. Era uma segunda pele, mas ele disse que por ser algo tão leve, facilitaria meus movimentos – e isto era verdade -, e que aquele tecido, ou, seja lá o que for, era mais forte e resistente a cortes, então apenas coloquei uma camiseta bege de mangas compridas por cima e calcei minhas botas de cano alto.

Meus cabelos estavam amarrados em um rabo alto, Erin tinha me ajudado com isso já que eu a tinha encontrado novamente mais cedo. Como ela não me acordava ao entrar pela porta era um mistério.

Se alguém olhasse de frente, para mim e para o Príncipe, certamente pensaria que eu o estava escoltando para algum lugar, e não ao contrário.

— ‘’Pesado’’ é uma palavra boa para responder está pergunta. – Respondo ele.

— Espero que não me faça perder dinheiro. – Phillip diz e eu o fuzilo com o olhar. – O quê? Também posso apostar.

Resmungo baixo e ele ri. Fascinante.

Se algum dos competidores ao menos sonhasse que o Príncipe estava apostando seu dinheiro real em mim, possivelmente começariam a pensar em um apelido melhor que ‘’Cadela da Realeza’’.

Faço uma careta quando paramos em frente a sala do escrivão.

— O que estamos fazendo aqui? – Pergunto curiosa.

— Acho que no dia em que você conseguiu basicamente entrar sozinha para o torneio com apenas sua coragem e boca esperta, você recebeu uma vantagem. Uma vantagem na primeira prova.

— Isto não é trapaça? – Questiono abismada.

— Não quando sou eu quem faço as regras. – Phillip sorri e abre a porta.

Vladimir estava em uma escada, ao que parecia, limpando seus livros.

— Eu sabia que você voltaria. – Ele fala e quase não conseguia ver seu sorriso no meio de toda aquela barba. – Alteza.

— Senhor, pegue o mapa para que Alishia possa estuda-lo por alguns minutos. – Phillip pede e aponta para a cadeira.

Eu sorrio para Vladimir quando ele apenas estala os dedos e o mapa aparece na mesa.

— Este é o mapa de...?

— Da floresta. – Phillip cruza os braços e olha por cima, enquanto eu quase me debruço sobre a mesa. – A primeira prova será na floresta.

Meus olhos se arregalam quando começo a analisar o mapa.

— Grão Fenwick arrogante. – Murmuro mais para mim mesma.

— Por quê? – Príncipe Phillip pergunta e eu desvio meus olhos do mapa tempo suficiente para responder.

— Ele me levou para a mesma floresta ontem, disse que vamos treinar lá todos os dias. – Respondo e Vladimir solta uma risada estrondosa.

— Noah não poderia fazer isso, mas como ele pode transpassar, não temos como saber aonde ele e você estão. – O escrivão fala e eu meio que entro em pânico.

— Vão me tirar do torneio por isto? Eu posso falar com ele, para não irmos para lá novamente. – Imploro rapidamente.

— Não se preocupe, ele não deveria ir, mas não é proibido. – Phillip pisca um olho para mim. – Nenhuma palavra sobre isto, Vladimir.

— Claro alteza. – Vladimir volta a limpar seus livros em silencio, enquanto eu olho para o mapa, sentindo minha respiração travada.

— Não conte a ninguém, nem mesmo para sua colega Chester sobre aonde vai e sobre o mapa. – Phillip diz.

— Ela é minha dupla.

— Então não precisa saber, não antes da prova.

Eu concordo e tento guardar cada detalhe do mapa, mas ele era enorme e a floresta era cheia de pequenas encruzilhadas. Provavelmente, se eu não tivesse ganhado esse pequeno milagre e se Noah não fosse um espertalhão, estaria ferrada na primeira prova do torneio.

Chester e eu nem teríamos chances, aliás, se não tivéssemos sido abençoadas com esta vantagem.

— Pode me dizer detalhes sobre a prova? – Ouso perguntar quando finalmente termino.

Phillip coloca as mãos nos bolsos – algo que ele sempre fazia pelo visto – sorri e nega com a cabeça.

— Não me culpe por tentar. – Digo sorrindo também. – Acho que tenho que ir, se me atrasar Noah vai me fazer escalar duas montanhas.

— Te vejo de novo, filha. – Vladimir fala e eu assinto.

Phillip me segue até a cozinha, então para na entrada.

— Obrigado por isto, realmente vai me ajudar. – Agradeço.

— Você fez por merecer. – Diz simplesmente.

Phillip me olha mais uma vez, aqueles olhos calmos e suaves poderiam ser ainda perigosos do que quando estavam gélidos e mortais. Ele não diz nada quando se vira e vai embora.

Peço para o cozinheiro preparar alguma coisa, usando o nome de Noah para consegui-las e quando ele me entrega a pequena sexta, eu me apoio novamente no muro do lado de fora e observo a cachoeira ao longe.

E por um momento me permiti pensar que talvez a pessoas fossem como aquela água que caia tão rápido e sem qualquer recurso para amortecer a queda. Faziam escolha nas quais eram obrigados a se jogarem em queda livre, e o único jeito de lidar com aquilo, seria aceitar o que aconteceria no final, quando finalmente alcançasse o chão.

Naquele eu me sentia como aquela água, caindo e caindo, e apesar da queda rápida e violenta, eu não sentiria medo do que encontraria no fim.

Então eu repito seus nomes.

Tai, Jud, Mor, Castel e Maya...

Tai, Jud, Mor, Castel e Maya...

Tai, Jud, Mor, Castel e Maya...

Faço isto até que Noah chega, com uma expressão de poucos amigos.

Estava na hora de começar a treinar novamente.