A Caçadora

O Passado Que eu Não Desejo À Você - £


– Eu te entendo agora, Lena. Eles me fizeram acreditar em... – Jason se conteve, e respirou fundo uma vez. – Eles me fizeram te culpar por tudo. Tentaram fazer minha cabeça. Mas então, da noite para o dia, mudaram de opinião, e disseram que eu teria que sair de casa, porque viraria uma coisa que eles não poderiam arcar.

Ele parou de falar, e levantei as sobrancelhas instigando-o a continuar.

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– Eles me expulsaram de casa, Lena. Sem nem mesmo me deixarem pegar uma mala com roupa. Nem minha escova de dente.

Liberei minha mão de seu aperto, e levantei do sofá. Meu sangue borbulhava nas veias, e minha visão parecia enevoada de raiva.

A arma em minha cintura parecia clamar para ser usada. E meus alvos não eram demônios.

Não demônios desconhecidos, pelo menos.

– Helena... – Jason chamou.

– Não! Você não entende! Eles te expulsaram porque sabem que você pode virar alguém como eu! – berrei.

Seu rosto era impassível, e ele parecia entender de onde toda essa raiva vinha.

– Era isso que eu estava falando... – ele continuou. – Antes de sair, entrei no escritório de Oswald e peguei a única coisa que nos pertencia mesmo.

Minha visão clareou um pouco mais com meu irmão ao meu lado. Mesmo que ele estivesse quase inteiro, ainda culpava os dois por estar machucado.

– E o que é isso? – perguntei curiosa, mas tentando me conter ao mesmo tempo.

Ele respirou fundo, e abriu a mala, tirando de dentro uma pasta pequena, cheia de folhas.

A abri sem hesitar, minha respiração ficando presa na garganta.

– Isso são nossas...

– Nossas certidões de nascimento e árvore genealógica. – Jason completou para mim, tendo mais facilidade do que eu de lidar com isso.

– M-Mas... – tentei novamente, mas minha boca parecia dormente.

Ele assentiu.

– Eles mentiram quando disseram que não sabiam quem eram nossos pais. Eles não morreram Helena. Só estão desaparecidos.

Lambi a boca seca e minhas mãos tremeram pelo choque.

– Isso era o que ele trabalhava incansavelmente?

Meu irmão sacudiu a cabeça.

– Não sei. Só peguei o que estava em cima de sua mesa, e ele deixa o trabalho trancado em um armário.

Eles mentiram. Meus pais ainda estavam vivos, só não sabiam onde eles estavam.

– Oswald mentiu para nós a vida toda? – minha voz estava embargada.

Funguei algumas vezes para me impedir de derramar uma lágrima sequer por aqueles bastardos e voltei a sentar no sofá. Minhas mãos apertando a pasta rechonchuda fortemente.

Jason assentiu, e tocou em meus dedos, fazendo o aperto se desfazer um pouco.

– Vamos encontra-los. – ele sussurrou, tentando me abraçar de lado. – Mas por enquanto vamos mudar de assunto, ok? Não quer ver você pilhada com isso.

Meu choque ainda não havia passado, mas saber que meu irmão me apoiaria não importasse o que, me deixava mais calma para conseguir me focar nos principais motivos de eu estar naquele quarto de hospital. Eu não estava ali por diversão, ou porque gostaria de ter mais informações sobre meus – até agora – falecidos pais. Estava ali por meu irmão.

– Tudo bem – murmurei limpando os olhos marejados, apertando sua mão algumas vezes, me levantando. – Quando vai ter alta? – tentei espantar o sentimento ruim que me corroía por dentro.

Jason colocou a mão no queixo, pensando por alguns segundos, e deu um sorriso torto.

– Logo. Preciso fazer alguns exames ainda e posso ir para casa. – ele disse. Seus olhos perderam um pouco do brilho quando ele mencionou que teria de voltar para o lugar de onde havia fugido.

Mordi a boca nervosamente, e fiz menção para ele se levantar. Arrastei-o para a cama, e o deitei, cobrindo suas pernas. Ele não questionou nada, apenas se arrumou confortavelmente, enfiando a cabeça no travesseiro.

– Você vai para minha casa.

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Seu sorriso voltou.

– Sério? – ele perguntou.

– Óbvio! Ou acha que vou te deixar sozinho novamente? – mencionar tal lembrança em voz alta fez com que ambos fizéssemos uma careta.

Encolhi os ombros e tentei me livrar dos pensamentos ruins que insistiam em voltar para minha cabeça.

Jason levantou o dedo mindinho como fazíamos quando crianças e iríamos jurar algo.

– Promete?

Enlacei meu próprio dedo ao dele, retribuindo o sorriso fraternal.

– Prometo.

Passei a mão livre por seu cabelo castanho escuro e me inclinei para beijar sua testa. Ele fechou os olhos afundando ainda mais no travesseiro e sussurrou por uma última vez antes de cair na inconsciência.

– Senti mais falta de você do que você pode ter certeza.

Saí do quarto com resquícios de lágrimas embaixo dos olhos, e não encontrei Claire do lado de fora. Chequei o horário no celular, e vi que tinha recebido uma mensagem de Claire há não muito tempo, dizendo que estaria tomando um café com o “enfermeiro gostosão”, como ela havia mesmo chamado. Ri do apelido idiota e apertei a chave do carro nas mãos.

Eu estava a ponto de fazer uma coisa que, só de pensar, me dava um aperto estranho na boca do estômago.

Como Jason não tinha nenhuma roupa consigo e provavelmente havia partido sem nada, passar em sua casa e pegar umas roupas para ele vir morar comigo não me parecia má ideia.

Quando desci apressada passando praticamente voando pela recepção, Marie me lançou um olhar carinhoso e deu um leve aceno com as mãos.

Se todas as pessoas fossem assim, simpáticas, a maioria dos problemas no mundo estariam resolvidos, pensei, devolvendo o aceno, saindo pela porta praticamente correndo.

Meu coração estava prestes a sair pela boca quando dei partida no carro, dirigindo o mais lentamente que os motoristas atrás de mim me permitiam. Passei na frente do café e encontrei Claire rindo para o cara à sua frente, que definitivamente não era o enfermeiro.

– Atirada. – murmurei sozinha.

Claire nunca fora do tipo que esperava ninguém. Ela havia marcado de sair com o tal enfermeiro! Não podia estar se engraçando com outro cara em menos de vinte minutos. Não tão rápido, pelo menos.

À medida que avançava pelas ruas conhecidas e ia me afastando do hospital, mais meu medo crescia, ameaçando me sufocar dentro do carro. O medo da rejeição novamente era uma coisa que eu não conseguiria superar. O medo de ter que encarar as pessoas que tinham expulsado meu irmão e eu de casa, e ainda por cima por uma coisa banal.

Meu irmão tinha a escolha, assim como eu fiz a minha, de não se tornar alguém como eu. Ele poderia escolher levar uma vida normal, e não virar um caçador. Mas eles preferiram jogar ele na rua, com medo dele ter o mesmo destino que eu, como um cachorro molhado e pulguento.

Quando Lilian tinha descoberto que eu teria um destino nada agradável e que poderia implicar em problemas para sua perfeita família, decidiu esperar que eu tivesse idade o suficiente para trabalhar e me chutou de casa.

E era exatamente por isso que eu estava indo para lá. Não queria que Jason lidasse com os mesmos problemas que eu. Ele teria uma escolha melhor.

O que eu menos queria naquele momento era que ele se mudasse para uma minúscula cidade, e tivesse que alugar o quarto em cima do estabelecimento que provavelmente trabalharia, tendo que lutar para manter o aluguel em dia fazendo vários outros tipos de trabalhos, que envolviam ter mãos engorduradas, e as roupas sujas. Definitivamente esse não era o futuro que eu via para Jason.

Eu faria de tudo para mantê-lo longe do que um dia fora meu passado.

Quando estacionei na rua familiar de asfalto e casas iguais, - bem antes do que eu imaginei chegar – tentei fazer o bolo que se formava em minha garganta, descer. Desliguei o carro, mas permaneci dentro dele, com as mãos no volante, pensando no que fazer a seguir.

O que eles fariam quando me vissem novamente? Será que iriam me mandar embora, como já tinham feito uma outra vez? Será que me receberiam melhor? Que finalmente perceberia que a decisão que tomaram há alguns anos era uma imbecilidade de um ser humano com o coração empedrado?

Deus, eles me obrigaram a sair de casa! Ninguém obriga a uma adolescente de apenas 16 anos a sair de casa!

Perguntei-me o que teria acontecido com Jason se não tivesse uma irmã mais velha, e a resposta pipocou em minha cabeça quase instantaneamente. A mesma coisa que aconteceu comigo.

Um arrepio passou por minha espinha, e engoli o choro.

As lembranças voltavam cada vez mais rápido, parecendo se chocarem em meu rosto, de propósito. Elas eram dolorosas demais.

Balancei os ombros tentando espantar qualquer coisa ruim que insistisse em agarrar a meu corpo, e saí do carro. Uma corrente fria passou por mim me fazendo encolher o corpo. Apesar do frio, o dia estava agradavelmente quente. Atravessei a rua e me concentrei na casa à minha frente.

Ela não havia mudado em nada. Ainda tinha a pintura bege, janelas grandes largas mas não altas, a porta de madeira também clara. Eu ainda podia ver as cortinas vermelhas do lado de dentro. A única diferença aparente na casa era o filete de grama mais verde na parte da frente, e uma gritaria alegre no quintal.

As várias frases que eu havia feito desde que tinha saído do hospital se repetiam em minha cabeça várias vezes seguidas.

Como eu deveria os cumprimentar? “Olá, quanto tempo! Sou a filha adotada que vocês chutaram há alguns anos, estão lembrados?” ou talvez “Quem vocês pensam que são para botar meu irmão para fora? E ainda mais, quem pensam que são por me fazerem acreditar que meus pais verdadeiros estavam mortos?”. Ou quem sabe eu nem precisaria fazer nada disso. Meu plano C era lhes dar um murro no nariz, pegar as coisas de Jason e dar no pé.

E até agora ele me parecia um plano e tanto.

Definitivamente seguiria o plano C se nenhum dos dois me atraísse mais.

Dei uma espiada na altura que eu teria que pular para alcançar a varanda do quarto de meus “pais”, e desisti. Se eu tivesse pelo menos 3,00m, talvez conseguisse facilmente.

Respirei fundo, ainda repetindo as frases idiotas em minha cabeça, tentando achar qual seria mais apropriada para um reencontro, e toquei a campainha.