[P.O.V. Fera]

Todos empenhados. Várias vezes, se não estavam cumprindo suas funções, via os funcionários investigando alguma coisa, e nunca a biblioteca esteve tão movimentada, mesmo que muitos ali não soubessem ler nem mesmo na língua materna. Não os desmotivei, e acreditei que em breve todos os livros teriam sido examinados, aproximados do calor – com a constante supervisão de Horloge. Pedi apenas que mantivessem a ordem, e transferi algumas aulas de Bela para outros lugares, enquanto o frio tornava a amainar.

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Acabei vendo figuras que não via senão muito raramente. Havia mais movimento, atividade, a busca tornando-se quase um jogo. Algumas vezes, a princesa e eu éramos informados de alguma possível mudança no Castelo (que quase nunca consegui confirmar: aquele vitral estava mesmo mais claro ou só mais limpo? A quimera de pedra estava “rosnando menos”?) ou questionados se este ou aquele livro podiam mesmo ser úteis.

Essa movimentação e entusiasmo teve algum efeito nos servos que não podiam se deslocar muito, restritos a áreas pequenas por não conseguirem atravessar as portas, corredores ou escadas. Sentiam-se mal por não poder ajudar, devorando as novidades que os outros traziam, podendo se expressar mais claramente ou não sobre o assunto.

Aquilo ficou alguns dias em minha cabeça até que me viesse a ideia da festa. Demorei a decidir um lugar, mas no fim acabei optando pelo salão de jantar junto às cozinhas e copa. Só então falei com Bela e com os amigos mais próximos.

“Mantendo as portas abertas, Chef Bouche pode participar. Ele é um dos mais durões e não admite que gostaria de interagir com os outros.” Expliquei a eles. “Haveria espaço suficiente para todos nesses cômodos.”

Plumette parecia empolgada, Horloge boquiaberto, enquanto Madame Samovar e Lumière tinham olhares satisfeitos e orgulhosos. Minha confusão deve ter motivado Madame a dizer:

“O senhor está propondo uma festa, amo.” E mais nada.

Fiquei encabulado, e olhei para princesa. Sua expressão também me deixou sem graça, mas com uma sensação morna no peito. Combinamos que o evento seria para dali a dois dias, e que veríamos alguns detalhes antes de comunicarmos a todos os convidados. Logo em seguida, separamo-nos para nos recolhermos.

“Boa noite, Bela.” Disse, e quase mordi a língua. Seu rosto não tinha qualquer desaprovação. Tentaria chamá-la assim outras vezes,

Quando fui para o quarto, estava com muitas coisas para pensar, demorando a pegar no sono. Antes de fechar os olhos, notei outra pétala da Rosa caindo, cada vez mais frágil. O adormecer veio de repente.

Foi quando o sonho começou.

[P.O.V. Bela]

Fera andaria por névoas durante a noite por menos de um minuto até encontrar uma figura de costas, sentada em um banquinho. Confuso, chegaria perto, mas não muito. A figura não se vira, mas pelas vestes e os cabelos negros, a criatura já poderia imaginar.

“Vocês todos... finalmente... começaram a entender. Demorou demais. Eu estava até desmotivado. Mas a menina realmente faz diferença no castelo. Vou mostrar a memória que liga as peças que precisam. E se continuarem me surpreendendo... essas peças vão se encaixar ainda mais. Estarei observando.”

A cena trocou para o gramado do castelo que ele conhecia, em algum crepúsculo do passado. Havia um menino abaixado perto dos portões,colhendo algumas ervas. “Menino, saia daí! Está perto demais de onde os lobos passam!” uma mulher veio até ele. Era claramente Madame samovar.

“Ele me pediu para pegar... vai fazer uma poção.” O jovem respondeu.

“Ah, essas coisas de magia... fica arriscando você para poupar a própria pele.” Ela o limpava nas roupas com batidinhas. Ele riu.

“Não se preocupe, madame... são só ervas. Ele está me ensinando!” ela suspirou acabando de arrumá-lo.

“Claro, querido. Claro. Vá lá,” abriu um sorriso e o menino correu para dentro. Fera seguiu-o.

“Ei, amigo! Precisamos resolver aquelas coisas! Encontre-me no nosso esconderijo!” um menino, tão bem vestido que era fácil adivinhar sua identidade, chegou sorrindo, e os dois foram na mesma direção para os fundos do castelo. Chegaram aos estábulos, e Fera expressou alguma angústia por já saber que iria testemunhar.

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Os jovens conversaram algum tempo sobre coisas do lugar e sobre as meninas que o príncipe havia conhecido na última festa. Estavam tranquilos demais. Até que o nobre levantou-se mexendo nas calças, gesto que era claro o suficiente para que o outro entendesse que seus olhos deveriam manter-se longe.

“Sabe o que eu odeio em você?” o príncipe perguntou e o outro levou na brincadeira, dando uma risada. Não teve sequer tempo de responder. Apenas sentiu-se cair e uma dor enorme na nuca. A lucidez já estava zerada quando apenas seu subconsciente respondeu.

Os olhos ainda não se haviam fechado totalmente quando passos puderam ser ouvidos e algo que parecia, na visão turva da lembrança, uma névoa negra atravessou o príncipe. Um grito alto foi solto pelo mesmo no breve instante em que tudo aconteceu e seu corpo caiu duro no chão.

Silêncio e breu absolutos.

Então, a luz começou a retornar, embaçada e a cena passou para a enfermaria que madame havia mencionado. Vultos, até seus olhos focarem, podendo ver várias toalhas a sua volta.

“Ah, graças a Deus... ao menos você está bem...” a senhora aproximou-se com preocupação, tocando-lhe o rosto.

“O... o que houve? O que... por que ele me bateu?” o jovem sentou-se, pondo a mão onde doía, vendo que não mais sangrava. “O que houve com ele? Aquela coisa preta...” colocava a mão na cabeça.

“Querido, por favor, coma. Você passou por muita coisa.” Um pratinho de comida foi estendido a ele, que o aceitou. Trocaram apenas mais algumas palavras antes do prato ser lançado no ar e o rei chegar.

“O que fez com meu filho? O que houve com ele? Meu garoto!!” gritava, chegando e já agarrando o jovem pela gola da camisa. “Você vai resolver para mim. Ouviu? Vai sim... vai sim! Entrei em pânico e defendi você! Me deve isso, garoto! Me deve!”

“Você o matou?!” o moreninho perguntou alarmado.

“Nunca diga isso!” as agressões começaram. “Nunca diga!! Não é verdade!” a surra tornou-se violenta, até o rei ser prensado contra a parede pela mão trêmula de Tsumo.

“Este castelo adoeceu...” disse, antes de ameaçar também Madame Samovar e sumir, deixando a cama vazia, apenas marcas pequenas de sangue, dos últimos golpes na cabeça já frágil.

Fera abriria os olhos no exato momento em que o menino surgisse em sua mente, de pé, mancando em direção ao rio de um lugar belíssimo, mas nada parecido com os arredores do castelo.

[P.O.V. Fera]

Acordei ofegante, os olhos arregalados e a sensação de ter feito uma longa viagem oprimindo meu peito. O céu mal começava a clarear. O Castelo estava mergulhado no silêncio, e ouvia claramente o farfalhar das folhas com a menor brisa lá fora, e o som de alguma ave noturna que partia.

Não acreditava poder dormir novamente e temia perder os detalhes daquele sonho tão estranho e nítido; fiz um esforço para recordar e me surpreendi com a clareza com que as cenas ainda se delineavam em minha mente. Mesmo sem ter certeza do que fazia, decidi escrevê-lo para que nada se perdesse. Olhei ao redor, constatando, frustrado, que não tinha nenhum material para escrever no quarto. Segui então para a biblioteca, onde separei um dos cadernos em branco para receber todo o relato daquele sonho, acendendo uma lamparina que me serviria até a luz do dia bastar.

Já estava escrevendo há alguns minutos quando notei Horloge se aproximando, hesitante e sonolento. “Está tudo bem, amo?”

“Sim, não se preocupe. Estou anotando coisas que não gostaria de esquecer.”

“Precisa de alguma coisa? Alguma ajuda, mais luz, algo para comer?”

“Não é necessário acordar ninguém, estou ótimo.”

“Alguns na cozinha já acordaram, amo. Estão preparando os pães e bolos para o café da manhã.” Ele insistiu. Acabei cedendo.

“Então eu aceito um café.” Falei por fim, com um sorriso.

Foi Madame Samovar quem veio me servir o café com leite, e notei que ela fizera questão, mesmo que tivesse acabado de acordar. Senti uma onda de gratidão. Lembrei-me de seu Rosato em meu sonho, e acreditei que, de todas as cenas e dúvidas, aquela parecia a mais verdadeira.

“Está mesmo tudo bem?” ela me perguntou, gentil.

“Sim, está.” Respondi.

“Vai contar para nós o que está fazendo?”

“Até depois de manhã, eu garanto. Prefiro que a festa seja perfeita primeiro.” Confirmei. Não me parecia o momento para más lembranças. Além disso, havia alguém a quem queria contar tudo primeiro. A senhora bule assentiu, e partiu depois de servir a caneca.

Continuei a escrever, e o dia me encontrou ali na mesa, com meu caderno, pluma e café. Resolvi anotar tudo o que já tínhamos descoberto, e as hipóteses que tinha na mente. Riscaria depois aquilo que não fosse mais verdade, confirmado como impossível.

Ouvi a movimentação aumentar aos poucos, até que finalmente percebi que Bela estava de pé. Fui até onde tomávamos café juntos levando o caderno. “Queria falar em particular com você depois do café.” Eu lhe disse, depois de lhe desejar bom dia. Senti sua curiosidade.

Comemos conversando normalmente, já mencionando a festa para dali a pouco tempo. Terminada a refeição, conduzi-a para os lados de um dos terraços, como se fôssemos trabalhar a leitura em algum lugar diferente.

“Queria lhe falar... do sonho que tive essa noite. Pode parecer bobo... mas nada assim já aconteceu antes. Queria sua opinião.” Comecei, sem jeito. Esperei que concordasse para começar a narrar os eventos, às vezes consultando rapidamente o caderno, mesmo ainda capaz de contar tudo com precisão. Contei como não me sentia capaz de interagir ou me mexer muito, e que parecia acompanhar as lembranças do jovem; quase fui capaz de sentir sua dor e a inconsciência fez também o sonho mergulhar na escuridão.

“Em todas as vezes, mal pude ver seu rosto, mas pude reconhecê-lo. Estava muito mais nítido do que a imagem vaga que tinha dele ao ouvir seu nome; acho que não conseguiria fabricar sozinho tudo isso com imaginação. E a Madame... eu nunca a vi daquela forma, como a teria fabricado tão bem? Não sei no que acreditar. Minha mente pode ter ficado excitada com as descobertas anteriores e feito invenções junto a memórias perdidas. Ou esse sonho pode ter algo de mágico. Se tiver... seria verdadeiro, ou só a versão que... ele quer que acreditemos?” olhei para baixo, preocupado.

“No começo do sonho, mesmo que se mostrasse...” continuei “Não sei, ‘cooperativo’, fiquei inquieto quando provou que nos observa de algum modo. Se realmente é ele, como sabe da sua presença?” fiquei outro momento em silêncio. “Quero que saiba que vou cumprir a promessa que fiz a Emily e a você na praia. Com tudo o que tenho.”

Por fim, perguntei ainda: “Não sei se conto aos demais, pelo menos até passar a festa de amanhã. Criar novas preocupações agora... não seria justo. O que acha?”

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***

[P.O.V. Bela]

Acordei tranquila... como se um peso que não existia saísse das minhas costas. Espreguicei-me algumas vezes e curti um pouquinho o conforto antes de me levantar por definitivo. Pus apenas a camisola desta vez – o que já queria dizer duas camadas de roupa – e saí devagar de meus aposentos sorrindo a Madame de Garderobe, que estava animadíssima para a festa.

Sorri sonolenta a Fera quando a encontrei, sentindo sua urgência nos olhos um tanto arregalados. Meu comum seria pedir-lhe para falar ali mesmo enquanto comíamos... mas claramente tinha seus motivos e me contive. Tomamos café um pouco mais rápido, pude sentir. Deixei-me conduzir ao local que escolhera e comecei a ouvir. Deixei que acabasse de expor antes de me pronunciar.

“Você é muito incrédulo...” falei um pouco mais sincera do que deveria, pegando o caderno de suas mãos para reavivar alguns detalhes, já que estava lendo um pouquinho melhor e bastavam poucas palavras para me ajudar no raciocínio. “Ele claramente falou com você. Se fosse sua mente confusa, que duvida dele... estaria menos claro que é inocente nessa parte da história.” Falava olhando para as palavras. “E você já respondeu a sua própria dúvida. Disse que não sabe como ele tem conhecimento de mime ficou inquieto com a certeza de que nos observa. Fera... ele sabe de tudo justamente por isso! Está confuso. Precisamos por sua mente no lugar.”

Fui parada por um momento por sua fala sobre a proteção e amaciei a voz, um suave sorriso aparecendo. “Eu sei disso... e também farei o meu melhor. Obrigada.” Toquei sua pata. “Mas não acredito que precise. Veja, há formas de bruxos se manifestarem. Estando a nos observar, decidiu ajudar! Contar coisas. Estamos no caminho certo! Ele não disse a você que estamos começando a entender?” verifiquei no caderno. “Fera, se ele não quisesse isso, teria dificultado, e não vindo até você. Quanto à veracidade deste sonho... eu tenho quase certeza de que é real... só não absoluta pois não fui eu que o tive. Magia também permite coisas como essas viagens e mensagens assim...”

Passei alguns segundos analisando o caderno novamente. “Não consigo pensar que seja só o que quer que acreditemos... Por que faria isso depois de décadas? Não faz sentido. Deve ser verdade.” Respirei fundo, envolvida. “Não podemos tratá-lo como inimigo agora... não temos escolha. Ele é o único que pode quebrar seus próprios feitiços.”

Assenti enquanto pensava. “Deixe, sim... deixe a festa passar. É muita coisa para discutirmos e os outros estão muito animados. Não vamos estragar isso. Precisamos também do lazer para a cabeça continuar trabalhando de maneira saudável.”

[P.O.V. Fera]

Sua primeira frase me atingiu como uma repreensão, fazendo com que baixasse a cabeça e virasse as orelhas para trás, emburrado. Era claro que seus argumentos faziam sentido, mas iam de encontro a minhas próprias tendências e sentimentos. Lutei comigo mesmo com tanta intensidade que notei quando comecei a fazer caretas; acabei me rendendo, com um suspiro exasperado.

“Certo, certo. Você tem razão. É só que... eu finalmente tinha alguém para culpar e odiar. Além de mim mesmo.” Relaxei o punho, que começava a apertar. “Se ele de fato é alguém bom, ou pelo menos justo, isto significa que todos nós, os servos do Castelo e eu, realmente fizemos coisas terríveis. Isso é... assustador. Ninguém quer acreditar que... merece isso.” Acabei dizendo, com os ombros caindo.

Fiquei um tempo olhando para baixo, ou então para a paisagem lá fora. “Se um dia descobrirmos o que todos fizeram... o que eu fiz... eu espero que ainda possa nos ver por aquilo que somos hoje. Que não nos tema e não nos odeie.” Falei. O que não disse, porém, é que provavelmente não suportaria a ideia de vê-la se afastando sentindo aversão. Senti o focinho formigar e o mundo turvar; meus olhos marejaram e virei o rosto.

[P.O.V. Bela]

Ainda estava pronta para respostas firmes quando ele começou a responder, até que suas orelhas baixaram e os ombros caíram. Respirei fundo, tentando não chamar atenção durante seu silêncio, já me preparando para acalentar, quando veio a nova fala, dessa vez sentimental. Franzi o cenho, por fim, certo desespero me tomando quando percebi que iria chorar.

“Hey...” chamei e, sem pensar, cheguei mais perto e sentei-me em cima da mesa para poder pegá-lo no rosto, colocando-o em cima do meu colo. Comecei a passar as mãos nos pelos da cabeça com um carinho tranquilo. “Eu... nem sei se conseguiria me afastar. Não conseguiria odiá-los. São tão bons comigo. Olha...” deitei os braços e a cabeça sobre a sua, ainda acariciando perto dos chifres. “Eu aprendi a amá-los e mesmo que eu venha a saber... já houve arrependimento da parte dos empregados e... sobre você... eu não acredito que você seja esse rei, sinceramente. Independente do que tenha sido...” sorri. “...acho que terei mais facilidade de lidar com isso do que você...” fiquei tranquila e quieta, apenas mantendo o carinho.

[P.O.V. Fera]

Seu movimento próximo a mim chamou minha atenção – temi que fosse embora – mas fiquei ainda mais surpreso com sua ação; tanto, que sequer reagi quando suas mãos guiaram meu rosto para o seu colo, começando a me acariciar.

No começo, fiquei paralisado, de olhos abertos. Eu não me lembrava daquela sensação, de um contato tão íntimo e gentil, diferente de quando tratou meus ferimentos, mesmo que semelhante na delicadeza do toque. Seu cheiro era mais suave, sem o estresse das outras vezes, reconfortante e tão agradável, cada vez mais familiar. Aquele colo, suas palavras doces, ditas em tom meigo, o carinho... foram me acalmando, mesmo que as lágrimas ainda escapassem dos olhos, se perdendo nos pelos da bochecha e do focinho. Minha respiração estava longa e ruidosa, às vezes um pouco trêmula.

Eu acreditei no que dizia, e naquele momento percebi que sempre acreditaria em tudo o que dissesse, mesmo que aquela entrega fosse tão insensata para minhas inseguranças. Depois que se debruçou e se apoiou sobre mim, suspirei. Ousei levantar os braços e envolver o corpo sentado na mesa com eles, lentamente, pousando as patas no tecido fino, apertando de leve com os dedos.

Ficamos um bom tempo assim, agora em silêncio outra vez. Parte de mim queria que aquilo durasse para sempre, mas sem o sofrimento, somente o carinho. Aquilo era errado de se desejar? Achava que não, mas tampouco conseguia imaginar como aquilo poderia acontecer de novo. Procurava também convencer a mim mesmo do que Bela me dizia. As lágrimas foram rareando.

Fiz o movimento mais suave que consegui para indicar que gostaria de me erguer novamente, e esperei o momento para levantar a cabeça sem o risco de arranhá-la com um chifre.

Passei a pata nos pelos molhados do rosto e funguei com o focinho obstruído. “Eu... sou muito grato por esse apoio. Sinto muito se... passei dos limites.” Falei baixinho, sorrindo bem levemente, em reconhecimento. “Sabe... não posso garantir nada do que fiz, mas posso prometer ser melhor daqui em diante.” Peguei suas mãos enquanto dizia isso, por impulso.

Dei uma risada pelas narinas, ainda sem graça de encará-la estando tão descomposto. “Você já me conhece bastante bem. Vou... lidar com as coisas o melhor que puder. E tentar colaborar. Até mesmo com o feiticeiro.” Respirei fundo de novo, procurando relaxar. Sacudi a cabeça como se estivesse molhado, tentando desanuviar as ideias uma última vez.

“Podemos... falar sobre outras coisas por enquanto.” Tentei sorrir.

[P.O.V. Bela]

Senti também uma surpresa quando me envolveu entre as patas. Não era algo que eu esperava, mesmo que sentisse que gostaria de afeto. Mantive um sorriso enquanto estava deitada sobre sua cabeça... desejando por um momento que aquilo pudesse ser frequente e nossa intimidade apenas aumentasse. Sorria-lhe, acolhedora, quando trocamos olhares mais uma vez. Neguei doce com o rosto para suas desculpas. Animei-me com seu esforço, apertando as mãos que me tocavam. Mudei de assunto, como pediu, ainda de mãos dadas com ele, um pouco mais feliz.

“Acho que os empregados estão animados com tudo o que está acontecendo... Imagino que estejam felizes com o ‘mestre’ que você está se tornando e... todos acham que é culpa minha.” Movi os ombros com doçura.

“Podemos ir até a cozinha... ver do que eles mais precisam. É assim que eu sempre consegui o afeto deles. Acho que vão ficar felizes se participar. Estou bastante animada para a música e tudo o que estamos prestes a fazer!”